quarta-feira, 14 de abril de 2010

Preciosa - Uma História de Esperança

Haja sofrimento...


“Preciosa” faz parte de uma tradição de filmes que poderia ser catalogada como “filme-martírio”. Suas trajetórias de desventuras são tão extensas que chegam a se assemelhar à quantidade de sofrimentos de Jesus Cristo nos seus últimos momentos de vida. Esse tipo de exemplar cinematográfico possui películas memoráveis, como “As Cinzas de Ângela”, e encontra novo eco neste longa-metragem dirigido por Lee Daniels. É interessante ainda notar como o Oscar deste ano resolveu dar destaque para filmes de “superação” e que possuem negros enfrentando as adversidades, vide o exemplo também de “Um Sonho Possível” (ambos os personagens também são obesos). Essa política de quotas empregada pela Academia acaba cheirando muito mais a um conservadorismo velado do que a uma real pretensão de dar espaço ao cinema com enfoque nas minorias.

Contudo, existe uma essencial diferença de abordagem entre as duas produções acima citadas. Se no filme com Sandra Bullock o diretor optou por maquiar a abordagem, transformando a história de dificuldades de Michael Oher em um drama mais palatável, apto a agradar o grande público, aqui temos a história de Claireece Precious Jones mostrada da maneira mais “mundo-cão” possível. As concessões ao meio comercial são praticamente zero (se é que existem). Baseado em uma história real, transformada em livro pela escritora Sapphire, o roteiro (adaptado por Geoffrey Fletcher e premiado com o Oscar) narra a vida da protagonista sem firulas: obesa e negra, vivendo no Harlem da Nova York dos anos 80, Claireece está grávida pela segunda vez do próprio pai e vive sob o mesmo teto com uma mãe megera que lhe maltrata física e verbalmente. Pra completar, é semi-analfabeta e acaba expulsa da escola justamente pos estar grávida novamente. O longa, por sinal, é filmado de forma quase documental, com o diretor optando por uma câmera na mão para gerar um sensação ainda maior de realidade (as sequências na sala de aula me lembraram bastante o francês “Entre os Muros da Escola”). Algum alívio só advém quando, em algumas sequências muito chocantes e permeadas de violência, são mostrados os sonhos de Precious, sempre cheios de glamour, opostos ao mundo em que vive. Também há algumas tiradas cômicas, como na paródia ao clássico italiano “Duas Mulheres”. Contudo, o humor, pelo menos comigo, não funcionou, talvez pela carga dramática enorme, que não consegue ser diminuída com cenas de alívio.Tais cenas acabam não se tornando orgânicas, parecendo fotogramas intrusos em um ambiente impróprio.

Ademais, a despeito das ótimas interpretações, tanto de Gabourey Sidibe quanto de Mo’Nique como a protagonista e a mãe da mesma, respectivamente, o desenvolvimento dos personagens parece um tanto equivocado. A mãe mais parece uma bruxa com vassoura e verruga no nariz ou, ainda, a madrasta de Cinderela. Não sei até que ponto é possível considerar este personagem como adaptado de um ser humano verdadeiro. Muito embora se possa afirmar que existam pessoas extremamente más, assim como há extremamente boas, não consigo conceber que alguém seja só maldade (dá mesma forma que não há alguém que seja apenas bondade). Isso acaba fazendo com que o personagem de Mo’Nique acabe no limite da caricatura e só não termina descambando inteiramente para o caricatural devido à mencionada excelente atuação da intérprete (ela realmente mereceu o Oscar de coadjuvante). É bom ressaltar, ademais, que muito da força do longa vem dessas atuações. Todo o elenco está bem, como Paula Patton, que interpreta a professora que ajuda e dá um novo alento para que Claireece enxergue novos horizontes, além das participações especiais de Mariah Carey e Lenny Kravitz, ela como uma assistente social e ele como um enfermeiro boa gente.

Não sei até que ponto este tipo de cinema agrada ao público. Todos gostamos de histórias de redenção (pelo menos os seres humanos normais, não os críticos chatos). Mas, ao fim do longa, fica difícil de enxergar alguma possível redenção para a personagem-título. Por mais que possa ter acontecido de fato, é duro entrar na sala de cinema e sair com a sensação que o mundo ainda pode ser pior do que você imagina. De qualquer forma, a cena em que Claireece chora na sala de aula afirmando que ninguém a ama é de quebrar qualquer coração. Só por ela, Gabourey jé mereceu a indicação ao prêmio da Academia e todos os elogios que lhe foram feitos por Oprah Winfrey durante a cerimônia.

Cotação:

Nota: 8,0.
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3 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Um filme tocante, real, emocional - que vale mais pela densa interpretação das atrizes, pelo menos eu vi assim.

Não achei caricato, pelo contrário...

Mas, seu texto consegue transmitir a força do filme!

abraço

Fábio Henrique Carmo disse...

Critiano, realmente não é caricato, mas creio que isso se deve mais às atuações. O filme fica a um passo de cair no maniqueísmo, tamanha as maldades perpetradas pela mãe da personagem título. Mas é um bom filme. Só a cena que ressaltei já faz valer à pena.

mi disse...

O melhor filme que eu já vi. Sem hipocrisia de que sempre existe uma luz no fim do túnel quando muitas vezes não há, do contrário o Brasil não contaria com tantos garotos de rua, mendigos e prostitutas a beira de esgoto. Sabemos que a felicidade plena é uma Utopia, mas podemos experimentar um pouco dela quando olhamos para o lado e vemos que existem inúmeras "Preciosas" ao nosso redor, pior cego é aquele que não quer ver.