Um Lugar Ao Sol
(A Place In The Sun)
Obra-prima trágica sobre a sociedade americana
Sabe aquele filme adorado pela crítica que você imaginava que era muito bom e, depois de vê-lo, você chega à conclusão de que é mesmo tudo que falavam dele? Pois bem, esse é o caso de “Um Lugar Ao Sol”, um dos clássicos absolutos da era de ouro de Hollywood. Dirigido brilhantemente por George Stevens, um dos grandes diretores deste período, trata-se de uma adaptação para as telas do livro “Uma Tragédia Americana”, de Theodore Dreiser, o qual, por sua vez, havia se inspirado em um caso real bastante conhecido nos EUA do início do século XX.
É sabido que o romance possuía contornos de crítica social ainda mais fortes do que a versão cinematográfica. Stevens teve que realizar adaptações para deixar o material mais palatável ao público (e também fugir da censura cada vez mais castradora dos EUA no início dos anos 50). Entretanto, talvez tais concessões sejam justamente as responsáveis pelo longa ter resultado repleto de tanto brilho, apto a cativar plateias de qualquer época. Para tanto, Stevens investiu no lado romântico do trágico personagem de George Eastman (Montgomery Clift, então com 29 anos) um rapaz de família pobre que busca a ajuda do tio empresário e milionário para conseguir um trabalho decente. É interessante como Clift consegue, muitas vezes através apenas de pequenas nuances de expressão, mostrar como George se sente deslocado e ao mesmo tempo deslumbrado diante do mundo fausto dos seus parentes ricos. Sua inadequação ao novo meio é tão grande que, logo de início, infringe uma das regras básicas das indústrias Eastman, envolvendo-se com uma de suas empregadas, Alice Tripp, interpretada pela ótima Shelley Winters. Curioso que Winters era conhecida por encarnar papéis de mulheres sensuais e a sua personagem aqui é quase o oposto, uma trabalhadora braçal cansada e sem glamour. Todavia, hoje percebe-se o quanto a opção de Stevens foi realmente acertada, assim como foi perfeita a escolha da então adolescente Elizabeth Taylor (com apenas 17 anos) para o papel de Ângela Vickers, a integrante da alta sociedade por quem George acaba perdidamente apaixonado. Liz Taylor se assemelha a uma deusa andando por entre os simples mortais, e fica difícil censurar o jovem Eastman pelo seu rápido desencanto com Alice e total envolvimento com Ângela, tamanha a beleza desta (e ainda caindo de amores pelo rapaz...). Além disso, Ângela representa não apenas o seu ideal de beleza, mas também o mundo do qual gostaria de participar.
Tal contraposição entre o mundo real de George e a sua vida de sonho é exemplificada de forma bastante perspicaz pelo roteiro ao abordar o dia de aniversário do protagonista. Alice havia preparado uma pequena comemoração no quarto de pensão onde mora. George, entretanto, é convidado por seu tio para uma festa em sua casa. Em tal festa, George tem o primeiro contato mais próximo com Ângela, inclusive dançando com a mesma. Depois de horas de atraso, chega ao quarto de Alice. Não é necessário ser qualquer expert em cinema para notar a diferença de sedução que os dois ambientes exercem. O quarto de Alice é tudo aquilo que George quer afastar definitivamente de sua vida, muito embora busque esconder tal desejo até de si mesmo.
Bom ressaltar que vários são os outros momentos geniais de Stevens na condução do longa-metragem. Em vários momentos, marcadamente os que mostram a relação de Eastman com Alice, a fotografia lembra a do cinema noir, utilizando-se do famoso chiaroescuro, enquanto outros são dotados de uma luminosidade belíssima, usada quando das vivências do personagem na alta sociedade. Alguns dos enquadramentos utilizados por Stevens foram mesmo revolucionários, colocando a câmera sobre os ombros dos personagens e realizando um super-close, quase desfocado, recurso que seria muito imitado a partir daí. Bom lembrar que Stevens começou sua carreira no cinema exatamente como fotógrafo e que serviu às forças armadas dos EUA durante a Segunda Guerra realizando documentários das ações americanas na Europa (filmou o desembarque na Normandia e a chegada das tropas ao campo de concentração de Dachau, por exemplo). Natural então que suas obras possuam uma fotografia destacada e não nego o especial apreço que possuo por tramas muito bem desenvolvidas imageticamente (afinal, cinema é imagem).
Por outro lado, o filme nos mostra George com extrema compaixão e é assim como percebemos que o sistema acaba sendo muito mais responsável pelo fim trágico que se anuncia. Alice fica grávida ao mesmo tempo em que George pensava em deixá-la e ele não sabe mais como resolver o problema, levando-o a cogitar sobre atitudes extremas. Todavia, Eastman é apenas uma rapaz ingênuo que é seduzido por um mundo do qual não faz parte e que não está preparado para enfrentar. De forma irônica, entretanto, a culpa pelo fim trágico recai apenas sobre os seus ombros, na realidade muito mais uma vítima das circunstâncias do que um algoz indiferente. Engenhosamente, ademais, o julgamento final é dado pelo espectador, já que algumas informações cruciais são sonegadas para que este não saiba o que de fato aconteceu no desenrolar dos eventos.
O filme acabou levando 6 estatuetas no Oscar de 1952, incluindo melhor direção e roteiro (escrito impecavelmente por Michael Wilson e Harry Brown) e é o primeiro da trilogia de Stevens sobre a formação dos Estados Unidos da América (os outros dois seguintes são “Os Brutos Também Amam” e “Assim Caminha a Humanidade”). Contudo, talvez esta seja mesmo sua grande obra-prima, dona de um impacto ímpar na história do cinema. Reza a lenda que, ao terminar de assistir ao longa, Charles Chaplin teria dito que este era o melhor filme que ele tinha visto em toda sua vida. Preciso dizer mais alguma coisa?
Cotação e nota: Obra-prima.
(A Place In The Sun)
Obra-prima trágica sobre a sociedade americana
Sabe aquele filme adorado pela crítica que você imaginava que era muito bom e, depois de vê-lo, você chega à conclusão de que é mesmo tudo que falavam dele? Pois bem, esse é o caso de “Um Lugar Ao Sol”, um dos clássicos absolutos da era de ouro de Hollywood. Dirigido brilhantemente por George Stevens, um dos grandes diretores deste período, trata-se de uma adaptação para as telas do livro “Uma Tragédia Americana”, de Theodore Dreiser, o qual, por sua vez, havia se inspirado em um caso real bastante conhecido nos EUA do início do século XX.
É sabido que o romance possuía contornos de crítica social ainda mais fortes do que a versão cinematográfica. Stevens teve que realizar adaptações para deixar o material mais palatável ao público (e também fugir da censura cada vez mais castradora dos EUA no início dos anos 50). Entretanto, talvez tais concessões sejam justamente as responsáveis pelo longa ter resultado repleto de tanto brilho, apto a cativar plateias de qualquer época. Para tanto, Stevens investiu no lado romântico do trágico personagem de George Eastman (Montgomery Clift, então com 29 anos) um rapaz de família pobre que busca a ajuda do tio empresário e milionário para conseguir um trabalho decente. É interessante como Clift consegue, muitas vezes através apenas de pequenas nuances de expressão, mostrar como George se sente deslocado e ao mesmo tempo deslumbrado diante do mundo fausto dos seus parentes ricos. Sua inadequação ao novo meio é tão grande que, logo de início, infringe uma das regras básicas das indústrias Eastman, envolvendo-se com uma de suas empregadas, Alice Tripp, interpretada pela ótima Shelley Winters. Curioso que Winters era conhecida por encarnar papéis de mulheres sensuais e a sua personagem aqui é quase o oposto, uma trabalhadora braçal cansada e sem glamour. Todavia, hoje percebe-se o quanto a opção de Stevens foi realmente acertada, assim como foi perfeita a escolha da então adolescente Elizabeth Taylor (com apenas 17 anos) para o papel de Ângela Vickers, a integrante da alta sociedade por quem George acaba perdidamente apaixonado. Liz Taylor se assemelha a uma deusa andando por entre os simples mortais, e fica difícil censurar o jovem Eastman pelo seu rápido desencanto com Alice e total envolvimento com Ângela, tamanha a beleza desta (e ainda caindo de amores pelo rapaz...). Além disso, Ângela representa não apenas o seu ideal de beleza, mas também o mundo do qual gostaria de participar.
Tal contraposição entre o mundo real de George e a sua vida de sonho é exemplificada de forma bastante perspicaz pelo roteiro ao abordar o dia de aniversário do protagonista. Alice havia preparado uma pequena comemoração no quarto de pensão onde mora. George, entretanto, é convidado por seu tio para uma festa em sua casa. Em tal festa, George tem o primeiro contato mais próximo com Ângela, inclusive dançando com a mesma. Depois de horas de atraso, chega ao quarto de Alice. Não é necessário ser qualquer expert em cinema para notar a diferença de sedução que os dois ambientes exercem. O quarto de Alice é tudo aquilo que George quer afastar definitivamente de sua vida, muito embora busque esconder tal desejo até de si mesmo.
Bom ressaltar que vários são os outros momentos geniais de Stevens na condução do longa-metragem. Em vários momentos, marcadamente os que mostram a relação de Eastman com Alice, a fotografia lembra a do cinema noir, utilizando-se do famoso chiaroescuro, enquanto outros são dotados de uma luminosidade belíssima, usada quando das vivências do personagem na alta sociedade. Alguns dos enquadramentos utilizados por Stevens foram mesmo revolucionários, colocando a câmera sobre os ombros dos personagens e realizando um super-close, quase desfocado, recurso que seria muito imitado a partir daí. Bom lembrar que Stevens começou sua carreira no cinema exatamente como fotógrafo e que serviu às forças armadas dos EUA durante a Segunda Guerra realizando documentários das ações americanas na Europa (filmou o desembarque na Normandia e a chegada das tropas ao campo de concentração de Dachau, por exemplo). Natural então que suas obras possuam uma fotografia destacada e não nego o especial apreço que possuo por tramas muito bem desenvolvidas imageticamente (afinal, cinema é imagem).
Por outro lado, o filme nos mostra George com extrema compaixão e é assim como percebemos que o sistema acaba sendo muito mais responsável pelo fim trágico que se anuncia. Alice fica grávida ao mesmo tempo em que George pensava em deixá-la e ele não sabe mais como resolver o problema, levando-o a cogitar sobre atitudes extremas. Todavia, Eastman é apenas uma rapaz ingênuo que é seduzido por um mundo do qual não faz parte e que não está preparado para enfrentar. De forma irônica, entretanto, a culpa pelo fim trágico recai apenas sobre os seus ombros, na realidade muito mais uma vítima das circunstâncias do que um algoz indiferente. Engenhosamente, ademais, o julgamento final é dado pelo espectador, já que algumas informações cruciais são sonegadas para que este não saiba o que de fato aconteceu no desenrolar dos eventos.
O filme acabou levando 6 estatuetas no Oscar de 1952, incluindo melhor direção e roteiro (escrito impecavelmente por Michael Wilson e Harry Brown) e é o primeiro da trilogia de Stevens sobre a formação dos Estados Unidos da América (os outros dois seguintes são “Os Brutos Também Amam” e “Assim Caminha a Humanidade”). Contudo, talvez esta seja mesmo sua grande obra-prima, dona de um impacto ímpar na história do cinema. Reza a lenda que, ao terminar de assistir ao longa, Charles Chaplin teria dito que este era o melhor filme que ele tinha visto em toda sua vida. Preciso dizer mais alguma coisa?
Cotação e nota: Obra-prima.
3 comentários:
Ah, Fábio
Belíssima escolha por aqui.
Curiosamente, inclusive, um grande amigo meu blogueiro me presenteou com o dvd especial deste filme, recentemente.
Foi um dos melhores presentes que pude receber...de fato, um trabalho primoroso e que me marcou muito, eu vi ele, ainda criança, no Corujão, creio...e tudo fez sentido.
O trabalho de composição de Monty e Liz resultam num par de interpretação intenso...e lírico até, tudo resultado de um belo roteiro proposto.
Você sempre destacando o que há de melhor na obra analisada, parabéns!
Eu e meu grave problema de não dar tempo aos filmes clássicos!
Cristiano, também tenho a edição especial em DVD e foi com ela que finalmente pude desfrutar desta obra-prima. As interpretações de todo o elenco são mesmo ótimas e marcantes. Mais uma vez, obrigado pelos elogios, mas sou apenas um esforçado...
Robson, aconselho a urgentemente dar tempo aos filmes clássicos. Sem vê-los, acabamos muitas vezes dando importância a filmes atuais que não merecem tanto.
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