Sentado à beira do caminho
Se algum desavisado, que nunca tenha entrado em contato com a obra do inglês Lewis Carroll, der uma rápida lida no livro “Alice no País das Maravilhas” é possível que acredite que o mesmo foi escrito durante os anos 60, em meio a alguma viagem lisérgica do seu autor, tal o grau de psicodelia presente em suas páginas. O que aconteceria então se tal obra fosse adaptada para o cinema pelo diretor mais excêntrico da Hollywood atual, o imagético, gótico e talentoso Tim Burton? Esta pergunta martelou por muito tempo nas mentes de cinéfilos e mesmo do grande público desde o anúncio do projeto. Apesar de não ser uma ideia nova para Burton, que já havia repaginado outras estórias famosas, dentro da sua ótica peculiar (como em “A Fantástica Fábrica de Chocolates”), a expectativa era grande e o diretor convocou novamente a gangue costumeira para levar a cabo a adaptação. Estão lá Johnny Depp (sempre ele), sua esposa Helena Boham Carter e o trilheiro Denny Elfman. Bem, mas... e o resultado foi digno da expectativa gerada?
A verdade é que muita gente esqueceu de um fator importantíssimo que, com certeza, afetaria o sabor final da obra: o longa é uma produção dos estúdios Disney. E isso tem um peso enorme, não há quem duvide.
Percebe-se que Burton tentou realizar uma obra pessoal, como lhe é característico, mas parou no meio da trajetória. Uma das suas ideias que soam características foi crescer Alice para, desta forma, poder lhe atribuir um caráter sensual nunca antes explorado. Na trama, Alice (interpretada pela competente novata Mia Wasikowska) tem 19 anos, não se lembra dos eventos no País das Maravilhas que ocorreram na sua infância e está prestes a se casar com um homem de quem não gosta, por pura convenção social. Fugindo da festa programada para que tal pretendente pedisse sua mão, Alice corre seguindo um coelho e acaba caindo no fundo de um poço. Pronto. Está de volta ao mundo encantado de anos atrás. A sexualização da personagem, vale dizer, não se limita à sua idade casadoira. Várias são as passagens do filme em que ao diminuir e aumentar de tamanho, Alice tem sua nudez insinuada, uma vez que a cada transformação as roupas se tornam grandes ou pequenas demais. Ademais, o Chapeleiro Louco, que no livro é uma figura assexuada, de tom paternal, também oferece contornos sedutores na pele de Johnny Depp (que, em rara ocasião, pareceu estar no piloto automático), convertendo-se em um quase par romântico para a heroína.
Contudo, como dito acima, a mão da Disney (onde Burton deu os seus primeiros passos no meio cinematográfico) pesa e o trabalho não pode fugir do padrão “para toda a família”. Sendo assim, essas nuances adultas não ultrapassam certos limites e são contrabalançadas por elementos extremamente infantis. A forma como o roteiro se desenvolve muitas vezes parece simplória e óbvia demais, passando a impressão de que o longa foi feito apenas para o público mirim (principalmente depois que nos acostumamos às “animações infantis apenas na aparência” da Pixar), além de trazer uma “mensagem” muito explicadinha, talvez duvidando da inteligência de quem assiste ao longa. Desta forma, o filme se perde, sem saber se quer ser adulto ou criança.
Há, entretanto, um lado em que o famoso diretor teve plena liberdade para criar: as imagens. Sabe-se que Burton é, talvez, a mente mais criativa neste quesito no cinema mundial da atualidade e ele faz jus à fama. O filme é visualmente belíssimo, com soluções excelentes para uma obra literária que estimula como poucas a imaginação do leitor (a despeito de seu 3D esquisito em várias seqüências, fruto de uma conversão posterior ao formato, vez que o filme não foi originalmente concebido desta maneira). Não será estranho que venha a receber prêmios e mais prêmios pela sua impecável direção de arte.
É importante ressaltar que o longa não é ruim ou chato. Ele funciona, principalmente para o público infantil que ainda não conhece a trama, e não haveria nenhum mal caso a intenção fosse a de realmente apresentar a obra para as novas gerações. O problema é que de Burton sempre se espera um algo mais e esse “algo mais” está insinuado em vários momentos. Contudo, a sensação que permanece é a de que o diretor ficou sentado à beira do caminho, impedido pela Casa do Mickey de ir adiante em suas ambições. Ou será que faltou coragem ao mesmo para enveredar por tais avanços? Afinal, não se pode negar também que Burton anda um tanto acomodado, utilizando-se de premissas, estilos e até elenco já cansados dentro de sua obra. Ao fim da narrativa (que possui um tom capaz de alegrar qualquer feminista), Alice mostra que é preciso ter coragem para enfrentar novos caminhos. Talvez seja isso mesmo que esteja faltando a Tim Burton.
Cotação:
Nota: 7,5
2 comentários:
E aí eu vou contra a correnteza mais uma vez. Gostei mais do que muitos. Não saber a história talvez tenha facilitado isso...
Com certeza, dá uma ajuda, Robson!
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