quinta-feira, 30 de abril de 2009

Trilha Sonora #1

Abro aqui o espaço para mais uma série, dedicada àquelas músicas inesquecíveis que também fazem a história da 7ª arte. Como também sou um melômano (aprendi essa palavra com o Saramago), mania já demonstrada na série "Cinemúsica", estava mais do que na hora de abrir um espaço dedicado à música neste blog. Assim, a cada post da série, teremos alguma inesquecível trilha tema de alguma obra cinematográfica. Para começar, encerrando o mês em que lembramos os 120 anos de Chaplin, fiquem com "Smile", tema do inesquecível "Tempos Modernos", na voz magnífica do lendário Nat King Cole. Uma vez Elis Regina disse que "se Deus Cantasse, cantaria com a voz de Milton Nascimento". Pegando emprestada a fala de nossa cantora maior, eu diria que se Deus cantasse, cataria com a voz de Nat King Cole! Ouça agora! Acho que você vai querer repetir...


Nat King Cole - Smile

terça-feira, 28 de abril de 2009

Filmes Para Ver Antes de Morrer


Mais um daqueles "inéditos no blog". Este fazendo parte da série "Filmes para Ver Antes de Morrer". Mas é tão bom assim? É! Não é à toa que ficou entre os melhores filmes do século XXI de acordo com a eleição promovida pela "Monet". Resenha escrita quando do lançamento do filme no circuito nacional.

Miami Vice

O melhor filme de Michael Mann?


A maioria deve lembrar do seriado de TV “Miami Vice”, exibido aqui no Brasil pelo SBT, nos já distantes anos 80. A série tinha como protagonistas Sonny Crocket e Rico Tuggs, policiais do estado da Flórida, os reis do “kitsch”: ao mesmo tempo em que conseguiam ser “cool” também eram extremamente bregas. O que talvez muitos não saibam é que Michael Mann, diretor de filmes como “Fogo contra Fogo” e “Colateral”, foi também o produtor daquela série. E é ele mesmo que está levando para as telas de cinema, produzindo e dirigindo, o filme homônimo.

Mas, se o seriado televisivo padecia do aspecto “kitsch” o mesmo não pode se dizer do filme. Mann parece ter alcançado o auge de seu estilo seco, frio e direto. Claro, há espaço para sentimentos, mas nunca para sentimentalismos. Aliás, creio que Mann nem deve mais ser tratado como um diretor, mas como um autor cinematográfico. Dono de uma técnica já inconfundível, ele mostra como ninguém o submundo de nossa sociedade capitalista e hipócrita, evidenciando os limites a que chegam aqueles que decidem enfrentá-lo, seja por decisão (como no caso do personagem de Russel Crowe em “O Informante”) ou por profissão.

Nesta versão para o cinema, Sonny e Rico são interpretados pelas estrelas Collin Farrel e Jamie Foxx, respectivamente. Os dois se vêem envolvidos em uma trama internacional após a morte de um antigo informante, trama esta que envolve desde neonazistas a traficantes colombianos, com direito a passagens até mesmo por Foz do Iguaçu. Embora um tanto complexa, em nenhum momento nos sentimos cansados, pois tudo flui perfeitamente, com naturalidade, sem atropelos nem saltos no roteiro.

Vale dizer que o roteiro é primorosamente auxiliado pela impecável técnica de Mann. A fotografia, que alterna momentos mais e menos granulados, realizada através de técnica digital, é brilhante. A utilização das imagens, por meio de enquadramentos inteligentíssimos, é impactante (a cena em que um personagem é atropelado por um caminhão mostra a engenhosidade de Mann neste aspecto). Aliás, em vários momentos, nos sentimos como um dos personagens do filme, em especial na seqüência em que ocorre a invasão a uma casa em que é mantida uma refém. O silêncio é absurdo, ouvimos apenas os ruídos naturais da ação. É de prender a respiração! È bom lembrar ainda que cenas espetaculares não faltam: desde perseguições de automóvel a tomadas de aviões e lanchas em velocidade, tudo é filmado com um apuro impressionante.

Um dos poucos pontos fracos é atuação de Colin Farrell, cuja canastrice é habitual. Entretanto, não chega a ser um desastre e é compensado em muito por Jamie Foxx, que está ótimo, a síntese do “cool”, além de Gong Li, a excelente e bela atriz oriental que interpreta Isabella, uma perigosa e atraente integrante da rede criminosa.

Um outro ponto frágil é o desfecho, que traz algumas concessões ao público de Hollywood. Mas também está longe de ser desastroso e não chega a incomodar de verdade.

Ao fim da sessão, saí com a sensação de ter visto o melhor filme de Michael Mann. O cineasta parece ter atingido sua plena maturidade. Será? Só o tempo vai dizer, mas aconselho a todos (mesmo para aqueles que não gostam de filmes violentos) uma passada no cinema mais próximo para conferir. Alguns podem até não gostar, mas dificilmente sairão indiferentes ao filme e isso já é muito no atual cinema comercial americano.

Cotação: * * * * * (cinco estrelas)
Nota: 10,0

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Seleção - Cannes 2009

Foram divulgados hoje os filmes que serão exibidos durante o Festival de Cannes 2009, o mais prestigioso evento do calendário cinéfilo mundial (sim, porque o Oscar é apenas um prêmio, não uma mostra). A divulgação veio acompanhada de uma boa notícia para o Brasil. O filme "À Deriva", de Heitor Dhalia (o mesmo de "O Cheiro do Ralo"), será exibido na mostra "Um Certo Olhar", destinada a filmes que procuram trazer uma nova perspectiva para a experiência cinematográfica, uma forma diferente de trabalhar o cinema. O longa, produzido pela O2 Filmes (de Fernando Meirelles), centra-se nas experiências de uma adolescente (interpretada pela estreante Laura Neiva) que descobre que seu pai tem uma amante. O elenco conta ainda com Vicent Cassel e Débora Bloch.

Com relação aos filmes participantes da mostra principal, concorrentes à Palma de Ouro, vemos antigos medalhões como sempre prestigiados. Estão lá Quentin Tarantino, com seu aguardado "Bastardos Inglórios"; Pedro Almodóvar ("Los Abrazos Rotos", com Penélope Cruz); Ang Lee ("Taking Woodstock"); Lars Von Trier (com o terror "Antichrist"); Chan-wook Park ("Thrist"); Ken Loach ("Looking For Eric") e o veteraníssimo Alan Resnais ("Les Herbes Folles").

A 62ª edição do festival ocorrerá entre os dias 13 e 24 de maio e, como já comentado antes aqui no Cinema com Pimenta, terá sua abertura com a animação "Up" da Pixar. Confira abaixo a lista dos filmes a serem exibidos durante a programação, mas é bom lembrar que ainda estão ausentes os participantes da Quinzena dos Realizadores.

Filme de abertura

Up, Pete Docter e Bob Peterson, EUA


Filmes em Competição:

Los Abrazos Rotos (Espanha) - Pedro Almodovar
Fish Tank (Inglaterra) - Andrea Arnold
Un Prophete (França) - Jacques Audiard
Vincere (Itália) - Marco Bellocchio
Bright Star (Nova Zelândia) - Jane Campion
Map of the Sounds of Tokyo (Espanha) - Isabel Coixet
A l'Origine (França) - Xavier Giannoli
Das Weisse Band (Alemanha) - Michael Haneke
Taking Woodstock (EUA) - Ang Lee
Looking for Eric (Inglaterra) - Ken Loach
Spring Fever (China) - Lou Ye
Enter the Void (França) - Gaspar Noe
Thrist (Coréia do Sul) - Chan-wook Park
Les Herbes Folles (França) - Alain Resnais
The Time That Remains (Palestina) - Elia Suleiman
Bastardos Inglórios (EUA) - Quentin Tarantino
Vengeance (Hong Kong) - Johnnie To
Visages (Malásia) - Tsai Ming-Liang
Antichrist (Dinamarca) - Lars von Trier

Um Certo Olhar:

Mother - Bong Joon Ho
Irene - Alain Cavalier
Precious - Lee Daniels
Demain Des L'Aube - Denis Dercourt
À Deriva - Heitor Dhalia
Kasi Az Gorbehaye Irani Khabar Nadareh - Bahman Ghobadi
Los Viajes Del Viento - Ciro Guerra
Le Père de Mes Enfants - Mia Hansen-Løve
Skazka Pro Temnotu - Nikolay Khomeriki
Kuki Ningyo - Hirokazu Kore-Eda
Kynodontas - Yorgos Lanthimos
Tzar - Pavel Louguine
Indepencia - Raya Martin
Politist, Adjectiv - Corneliu Porumboiu
Nang Mai - Pen-Ek Ratanaruang
Morrer Como um Homem - João Pedro Rodrigues
Eyes Wide Open - Haim Tabakman
Samson And Delilah - Warwick Thornton
The Silent Army - Jean Van de Velde

Fora de Competição:

The Imaginarium of Doctor Parnassus - Terry Gilliam
Agora - Alejandro Amenabar
L'Armee du Crime - Robert Guediguian

Midnight Screenings:

A Town Called Panic - Stéphane Aubier e Vincent Patar
Drag Me To Hell - Sam Raimi
Ne Te Retourne Pas - de Marina de Van

Exibições Especiais:

My Neighbor, My Killer - de Anne Aghion
Manila - de Adolfo Alix Jr. e Raia Martin
Min Ye - Soulymane Cisse
L'Epine Dans le Coeur - Michel Gondry
Petition - Zhao Liang
Kalat Hayam - Keren Yeday

Filme de encerramento (fora de competição):

Coco Chanel & Igor Stravinsky, Jan Kounen, França


Obs. O poster oficial do Festival traz uma foto de Monica Vitti no clássico de Michelangelo Antonioni "A Aventura". Belíssima imagem!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A Voz da Nação


Um pequena pausa no cinema para esta notícia extraordinária!


“Vossa Excelência não está na rua: está na mídia, destruindo a credibilidade da Justiça brasileira. Vossa Excelência não está falando com seus capangas em Mato Grosso”.

Joaquim Barbosa, Ministro do STF, porta-voz de toda uma nação que já está cansada de homens como Gilmar Mendes, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal. Obrigado, ministro Joaquim. Faço minhas as suas palavras. Saia às ruas, Gilmar!!!!!

O video já está no You Tube! Clique aqui!

terça-feira, 21 de abril de 2009

Tropa de Elite 2


E estão cada vez mais fortes as notícias sobre um novo episódio para "Tropa de Elite". Wagner Moura, em recente entrevista para o jornal "O Globo", afirmou que interpretará mais uma vez o Capitão Nascimento. O roteiro já está sendo escrito e o ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, co-autor no primeiro longa, afirma que a trama terá três histórias que se cruzarão, sendo uma de um major do Bope que também trabalha como taxista. Também existem rumores de que neste episódio Nascimento não estará mais nas ruas, mas atuando em um cargo burocrático da Secretaria de Segurança Pública. As filmagens provavelmente começarão em janeiro de 2010. Mais notícias terão seu espaço aqui. Aguardando por mais uma magnífica atuação deste excepcional ator.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Musas do Escurinho #2


Recentemente eleita pela revista "Vanity Fair" como a mulher mais bonita do mundo. Ela teve 58% dos votos. Só para comparar, a segunda colocada, a nossa Giselle Bündchen, teve apenas 9%! O Brad Pitt é mesmo um cara de sorte...

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Chaplin: 120 anos


“Ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e esperança” (Carlos Drummond de Andrade).



Se fosse vivo, Charles Chaplin estaria completando, hoje, dia 16 de abril de 2009, 120 anos de idade. Charles Spencer Chaplin Jr. talvez tenha sido o grande artífice da 7ª Arte. É possível que ele não tenha sido o melhor diretor (o meu preferido é Stanley Kubrick), ou o melhor ator (nestes quesito, considero Marlon Brando), ou mesmo roteirista. Mas também é verdade que ninguém conseguiu ser tão completo como ele. Afinal, de quantos cineastas você lembra que dirigem, produzem, roteirizam, compõem a trilha sonora e atuam nos seus filmes? Chaplin era tudo isso, constituindo, desta forma, uma espécie de “Leonardo Da Vinci” do cinema. Os filmes eram dele e ponto final. Nesses cínicos tempos em que vivemos, também é bom lembrar de alguém que criou um imortal personagem símbolo de ternura, ao mesmo tempo que de vivacidade, esperteza, liberdade e sentimento. Um tipo que representa aquilo que, no fundo, todos nós gostaríamos de ser.

Acima, uma imagem daquela que considero sua maior obra-prima: “Luzes da Cidade” (1931), filme que tem um dos mais belos finais de todos os tempos. Sublime!

sábado, 11 de abril de 2009

E a vida, mais uma vez, imita a arte...


Há pouco, eu estava vendo TV quando passou o comercial do “Fantástico”. Entre as atrações do programa, será exibida uma matéria sobre um novo estudo científico que promete eliminar da nossa memória aquelas lembranças que gostaríamos de esquecer, podendo nos livrar de traumas advindos de eventos negativos em nossas vidas. Isso está lhe parecendo familiar? Sim, imediatamente, tal como deve ter lhe ocorrido neste momento, lembrei-me de um certo longa-metragem da presente década, o qual inclusive consta da lista de melhores filmes do século XXI transcrita no me último post: “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”. Se você ainda não conhece este longa, ele trata justamente de um homem (Jim Carrey) que busca apagar de sua mente as lembranças de seu último relacionamento, já que a dita cuja (Kate Winslet) também assim procedeu ao submeter-se a um tratamento revolucionário que promete acabar com essas memórias negativas. O roteiro de Charlie Kaufman é mesmo originalíssimo, muito embora ele não seja tão redondo como a crítica costuma alardear (eu não tenho muita simpatia pelos personagens paralelos em torno da trama central), tendo elevado seu autor ao status de um dos roteiristas mais badalados do cinema atual. E com certeza esta é uma das melhores atuações de Carrey, ao meu sentir sempre muito melhor no drama que na comédia (Winslet, como sempre, dispensa elogios). Pois é, se você ainda não viu, melhor vê-lo, pois, ao que tudo indica, em breve mais uma vez a vida estará imitando a arte.

Obs. Até me deu vontade de escrever uma crítica para a série “Filmes Para Ver Antes de Morrer”. Entretanto só escrevo resenhas logo depois de assistir ao filme ou, no máximo, uns dois ou três dias depois. Não adianta resenhar sem a memória fresca. Acho que também deveriam criar uma fórmula para não esquecermos o que nos interessa.:=) Ah, e uma feliz Páscoa a todos!

terça-feira, 7 de abril de 2009

Os 50 mais do Século XXI


A revista Monet (aquela voltada para os assinantes dos sistema NET) em sua edição especial de aniversário, neste mês de abril, publicou uma lista dos 50 melhores filmes realizados no presente século. Os votantes fizeram parte de um grupo seleto que incluiu nomes como Dustin Hoffman, Fernando Meirelles, José Padilha, Patrícia Pilar, Hector Babenco, Michael C. Hall, Marieta Severo e Ruy Castro. Mas é interessante notar como uma lista que tem votantes como estes ainda pode resultar pontuada por equívocos. "Quem Quer Ser Um Milionário?" presente? E o que dizer do esquecimento de "Rattatouille" e "Wall-E" entre as animações? A lista segue abaixo. Ao lado dos filmes que questiono, coloquei sempre uma expressão de espanto. E você, o que acha? Comente!

1. Cidade de Deus
2. Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças
3. A Vida dos Outros
4. Dogville
5. Fale com Ela (eu não gosto desse filme!)
6. Match Point
7. Cidade dos Sonhos
8. O Senhor dos Anéis
9. Elefante
10. O Pianista
11. Onde os Fracos não Têm Vez
12. As Invasões Bárbaras
13. O Segredo de Brokeback Mountain
14. Pequena Miss Sunshine
15. Crash - No Limite (hein? "Crash" é um dos maiore equívocos das recentes edições do Oscar)
16. Menina de Ouro
17. O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
18. Os Infiltrados
19. Quem Quer Ser um Milionário? (que exagero!)
20. Em Busca da Vida
21. Kill Bill
22. O Escafandro e a Borboleta
23. 21 Gramas
24. Closer - Perto Demais (Um saco!)
25. Encontros e Desencontros
26. Império dos Sonhos
27. O Curioso Caso de Benjamin Button
28. O Labirinto do Fauno
29. O Pântano
30. Sangue Negro
31. Serras da Desordem
32. A Queda - As Últimas Horas de Hitler
33. Adaptação
34. Arca Russa
35. Batman - O Cavaleiro das Trevas
36. Moulin Rouge - Amor em Vermelho (filme bobo e afetado!)
37. Os Incríveis
38. Piaf - Um Hino ao Amor
39. Procurando Nemo
40. Santiago
41. Shrek (um certo exagero aqui também!)
42. Sobre Meninos e Lobos
43. Volver
44. Adeus, Lênin!
45. Uma Mente Brilhante (hein?)
46. A Viagem de Chihiro
47. Miami Vice
48. Babel (melhor seria colocar "Amores Brutos")
49. 4 meses, 3 semanas e 2 dias
50. Sonata de Tóquio

domingo, 5 de abril de 2009

Entre Os Muros da Escola


Direto ao Ponto

Talvez a profissão que eu mais admire seja a de professor. E, provavelmente, ela é a mais essencial de todas. Não que profissões como as de médicos, engenheiros, advogados não sejam relevantes. São. Mas o fato é que sem professores jamais existirão médicos, engenheiros, advogados... Além de sua extrema relevância, o magistério é muitíssimo desgastante. Não é nada fácil lidar com várias turmas, frequentemente enormes, cheias de alunos muitas vezes totalmente desinteressados. Lidar com tantos seres humanos diferentes simultaneamente é um desafio brutal, principalmente em tempos em que a autoridade do professor dentro da sala de aula é costumeiramente desrespeitada. Exercer sua profissão de forma digna torna-se, cada vez mais, uma via crucis (no Brasil, então, que além de tudo paga misérias aos seus mestres...).

“Entre Os Muros da Escola”, filme que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2008 (e foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro), busca retratar este difícil cotidiano escolar. Dirigido por Laurent Cantet, o longa mostra, de uma forma quase documental, o decorrer de um ano letivo em um escola pública da periferia de Paris, concentrando-se principalmente nas aulas de francês do professor François Marin (interpretado por François Bégaudeau, também professor na vida real). Nesse ponto, é útil logo informar que a abordagem se distancia bastante daquele tipo de filme edificante estilo “Ao Mestre Com Carinho”. Como dito há pouco, o tom da obra é quase documental. Em muitos momentos temos a sensação de estarmos assistindo a um documentário, de que tudo aquilo que é mostrado ao longo da projeção realmente aconteceu. Os personagens mostram-se extremamente reais e humanos, sem sentimentalismos e espaços para redenções ou reconciliações no fim, como a tradicional “conversão” do aluno problemático, tão banal nas produções hollywoodianas do gênero “sala de aula”. E, se em oportunidades anteriores (como na minha crítica para [Rec]), já demonstrei uma certa restrição ao estilo cinematográfico que prima pelo realismo, sem adição de trilha sonora, câmera na mão e fotografia sem floreios, creio que para levar ao espectador a realidade das escolas o estilo mostra-se perfeitamente adequado. É possível, desta maneira, enxergar pessoas, sem maquiagens ou artifícios melodramáticos.

Até mesmo porque, como todos que já estiveram em uma sala de aula sabem, não existem nelas heróis ou vilões. Há apenas alunos mais ou menos problemáticos, mais ou menos aplicados, todos com vivências diferentes que inevitavelmente acabam por influir no seu comportamento e desempenho na escola. É essa realidade que Cantet procurou transmitir, sem nem mesmo livrar a cara do mestre, o qual, como todos os seres humanos, também comete suas falhas e atos impensados. Para atingir tal grau de objetividade, Cantet partiu apenas de um fiapo de roteiro, cujos detalhes e diversas situações foram sendo desenvolvidos no dia a dia de filmagens. Contou, ainda, com a fundamental participação de Bégaudeau (o qual é autor do livro autobiográfico que serviu de base para o longa) no processo criativo e de elaboração do roteiro (que também contou ainda com a participação de Robin Campillo), o qual aproveitou sua própria vivência como professor. Várias das situações foram criadas no próprio dia de filmagem. Em entrevistas, Cantet afirmou que conversava diariamente com Bégaudeau e equipe sobre o que iriam filmar no dia, quais as situações a serem mostradas. Essa estratégia do “improviso” mostrou-se extremamente eficaz, com as cenas e sequências adquirindo um tom perfeito de realidade.

Valendo-se de atores não-profissionais, e com o texto muitas vezes só conhecido no momento da gravação, sem ensaios, as interpretações obtidas mostram-se extremamente naturais. Os jovens adolescentes em nenhum momento parecem estar interpretando um papel e com certeza vários deles se comportaram como se estivessem de fato em uma sala de aula. A sensação que fica é de realmente estarmos conhecendo aqueles jovens, simpatizando com eles para daqui a instantes começarmos a antipatizar com os mesmos. Uma perfeita tradução deste universo complexo que se chama escola. O cotidiano do professores também tem seu espaço, sendo focadas as reuniões do corpo docente, a relação cotidiana entre seus integrantes e mesmo seus momentos de impaciência, como seres humanos falíveis que são.

Entretanto, é importante frisar que seria injusto afirmar que a relevância de “Entre Os Muros da Escola” se restringe a retratar a difícil relação entre educadores e alunos. A escola pública mostra-se como uma síntese da sociedade francesa contemporânea, multi-étnica, com um caldeirão de culturas vindas com os imigrantes e seus descendentes. Há os “franceses da gema”, como é o caso da bela Louise, mas boa parte da turma é formada por imigrantes ou descendentes de imigrantes. Estão lá os latinos, chineses, árabes e africanos, elementos formadores de uma nova França que precisa aceitar as diferenças. A integração deste novo contingente humano mostra-se desafiadora, ao mesmo tempo em que o país precisa lidar com a xenofobia e racismo crescentes. Este aspecto, quando comparado à realidade das salas de aula brasileiras, coloca-se como um elemento a mais de dificuldade para os educadores franceses (muito embora o nível de violência presente nas escolas públicas brasileiras pareça ser bem mais elevado).

E é verdade também que “Entre Les Murs” é um filme que cresce bastante a cada nova lembrança e reflexão sobre ele. Obras cinematográficas que atingem este nível estão se tornando cada vez mais escassas e esta é mais uma daquelas que nos lembram que não são necessários rios de dinheiro para se atingir a qualidade. Em uma cena no já no fim da projeção, o longa mostra que podemos sempre esperar algo de bom e inteligente mesmo de alunos que se mostram desinteressados. O cinema muitas vezes funciona da mesma forma. Uma grande produção pode esconder um raso conteúdo, enquanto algo de relevante pode surgir daquele filme sem tantos “ornamentos”. O vencedor de Cannes 2008 faz parte desta última categoria. Um filme que vai direto ao ponto.

Cotação: * * * * * (cinco estrelas)
Nota: 10,0


sábado, 4 de abril de 2009

Cinemúsica


Esta resenha foi escrita na época da exibição de "Não Estou Lá" nas salas de cinema. Como ela ainda estava inédita aqui no blog, resolvi postá-la como integrante da série "Cinemúsica". Mas bem que poderia figurar também na série "Filmes Para Ver Antes de Morrer".

Não Estou Lá

As muitas vidas de um homem


Tem sido comum, nas recentes resenhas publicadas na imprensa e na internet, afirmar-se que “Não Estou Lá” (I’m Not There), longa dirigido por Todd Haynes, constitui uma biografia do genial músico norte-americano Bob Dylan, nome artístico de Robert Allen Zimmerman, um dos mais importantes nomes da cultura no século XX. Todavia, pensarmos o mencionado filme, atualmente em cartaz nos cinemas, como apenas uma biografia mostra-se um tanto quanto limitado.

A afirmativa, vale ressaltar, não é falsa. De fato, mesmo que de uma forma um tanto quanto incomum, Haynes nos mostra uma boa parte da trajetória de Dylan. Incomum, sim, porque faz isso fugindo inteiramente ao convencional: seis atores diferentes interpretam Dylan em momentos distintos de sua vida e muito do que é mostrado deriva mais dos conceitos e imagens presentes em suas músicas do que dos fatos tal como aconteceram.

Suas origens e influências nos são apresentadas através do personagem Woody Guthrie (nome do ídolo folk de Dylan, na realidade), interpretado pelo ótimo ator garoto Marcus Carl Franklin. Procura-se, nesse núcleo narrativo, a essência do artista, entender, mesmo que de forma insuficiente, as razões o levaram a criar sua obra.

Em outro momento, vemos o Dylan ídolo folk através do personagem Jack Rollins, interpretado com a competência de sempre por Christian Bale (o atual Batman), o qual possui uma legião de admiradores com sua música engajada, de protesto. Tal perspectiva nos é apresentada através das recordações de uma certa Alice Fabian (Joan Baez, com certeza), interpretada pela também sempre eficiente Julianne Moore.

Também temos o Dylan com seus problemas familiares. Aqui ele é encarnado pelo recentemente falecido Heath Ledger e vemos o início e declínio de sua relação com Claire (na vida real sua esposa Sarah Lownds), interpretada por Charlotte Gainsbourg, assim como nos mostra o lado ator do músico.

Uma das mais marcantes participações do filme é a de Cate Blanchett (indicada ao Oscar de atriz coadjuvante pelo papel) interpretando Jude Quinn, o qual representa o Dylan da fase “eletrificada”, quando o mesmo abandonou violões folk que o tornaram famoso e aderiu à guitarra elétrica, acompanhado também por uma banda e deixando a imagem de “trovador solitário” que lhe trouxe uma legião de admiradores. Muitos fãs o hostilizaram, acusando-o de “traidor”, de “vendido ao businness” e outras designações do gênero. Este também é o seu período mais “drogado”, situação que transparecia em sua imagem física (Dylan estava bem mais magro do que normalmente era).

Prosseguindo, Richard Gere interpreta Billy The Kid, que no longa representa o Dylan recluso, misantropo, principalmente após o acidente de moto que sofreu (talvez um dos “núcleos” que causem mais estranheza ao espectador médio, juntamente com o protagonizado pelo garoto Woody Guthrie). Em participações rápidas, mas picotadas ao longo da exibição, Ben Wishaw representa o lado poeta (o nome do personagem é Arthur Rimbaud) e Bale, novamente, nos mostra a passagem em que o músico se torna evangélico (por um curto espaço de tempo).

Todos essas tramas, é importante ressaltar, são permeadas por imagens e citações da obra de Dylan, além de, obviamente, ouvirmos suas canções permeando toda a projeção. Várias cenas são inspiradas em capas de sua discografia, assim como diversos diálogos são citações de letras de canções ou frases de entrevistas publicadas ao longo de sua extensa carreira. Também há menção a momentos significativos, como seu encontro com os Beatles (numa seqüência que faz referência óbvia a “A Hard Day’s Night) ou o discurso que fez bêbado pouco depois da morte de John Kennedy (quando disse que havia algo de Lee Oswald nele).

Entretanto, a despeito de todas essas características acima apontadas, ouso dizer que talvez o intuito do cineasta não tenha sido exatamente filmar uma biografia, Creio que Haynes utiliza-se desta base biográfica para algo um pouco mais ambicioso: realizar um estudo sobre o que conhecemos da personalidade humana.

A sensação que temos ao terminar a projeção é de que vimos a história de várias pessoas diferentes, e não apenas de uma. E essa é a intenção do diretor: mostrar que todos nós somos compostos por várias facetas, que não somos os mesmos sempre, em todas as fases e circunstâncias de nossas vidas. Contudo, apesar dessas várias facetas, somos apenas um. Cada ser humano tem vários “eus” dentro de si. Ademais, cada um vê o seu próximo de uma forma única e inteiramente própria, que não se confunde com a imagem que seu vizinho, por exemplo, faz daquela mesma pessoa.

Semelhante abordagem foi realizada por Orson Welles no clássico absoluto “Cidadão Kane”, onde vários personagens mostram a sua visão sobre a pessoa do milionário Charles Foster Kane. Quem era Kane na realidade? Cada um tem sua perspectiva, mas nunca será possível definir quem realmente ele foi. Da mesma forma, Haynes nos mostra Dylan sob vários prismas, mas é impossível chegar a uma conclusão sobre quem de fato é o biografado. Em um personagem como Dylan, tal experiência é levada ao máximo, já que se trata de alguém conhecido por milhões de pessoas, cada qual com sua imagem sobre o homem e o artista. E os resultado final da empreitada nada mais é do que a visão de Haynes sobre Dylan, apenas mais uma, portanto. Aliás, nada mais apropriado do que o título dado por Haynes à cidade onde vive Billy The Kid (Gere): Riddle (Enigma).

Assim, “Não Estou Lá” vai além de uma simples biografia “diferente”, realizando um autêntico estudo sobre esse enigma que é a personalidade humana. No início da projeção, temos os dizeres: “baseado nas músicas e nas muitas vidas de Bob Dylan”. Na realidade, creio que Dylan, ao viver essas “muitas vidas”, quis não fazer algo que contrariasse os fãs ou a crítica, ser apenas “diferente” ou algo do gênero. Dylan quis somente ser ele mesmo sempre, vivendo as diversas facetas de sua personalidade, ao contrário de vários artistas que se prendem a uma imagem por medo de desagradar ao público. E talvez seja essa a grande mensagem que Robert Allen Zimmerman queira nos deixar com sua obra: viva suas várias vidas!

Cotação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0.

Em tempo: É bom alertar que “Não Estou Lá” é um filme de paladar bem difícil, principalmente para aqueles que não são “iniciados” na obra de Dylan, muito embora isso não seja imprescindível para a sua compreensão. Basta lembrar que os diversos personagens representam facetas do mesmo homem e a experiência se tornará mais agradável.