segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Distrito 9


Apartheid alienígena

Na última década, vem ganhando força uma forma de se fazer cinema surgida a partir de alguns filmes de horror. Trata-se de narrar uma trama ficcional de uma forma semelhante a documentários ou programas jornalísticos. São os casos de filmes como o famoso “A Bruxa de Blair” e a recente produção espanhola “[Rec]”, onde a apresentadora de um programa jornalístico, juntamente com seu cinegrafista, mostra os acontecimentos em uma madrugada em um prédio residencial, tudo dentro de um estilo vídeo-verdade que procura transmitir aos espectadores a sensação de que tudo aquilo realmente está acontecendo. Essa fórmula vem encontrando êxito junto ao grande público e trazendo uma enorme rentabilidade, já que tais produções costumam ter baixo orçamento, fazendo a alegria dos estúdios.

Agora, este “Distrito 9” traz esse formato vídeo-verdade para o terreno de outro gênero cinematográfico, a ficção-científica. E não apenas isso. Insere um contexto de crítica social que poucas vezes se vê no gênero, o qual se tornou terreno fértil para os diretores explorarem questões existenciais e até mesmo teológicas (vide o clássico absoluto “2001 – Uma Odisséia no Espaço”), mas que pouco é utilizado como ambiente para tratar de discussões de caráter mais sociológico.

Dirigido pelo novato Neill Blomkamp e ostentando como produtora a grife de Peter Jackson, o longa foi desenvolvido a partir de uma curta-metragem que acabou caindo nas graças do famoso diretor de “O Senhor dos Anéis”. Na trama, alienígenas vivem em guetos-favelas na cidade de Johanesburgo, África do Sul, uma vez que sua nave não possui mais combustível para retornar e flutua há 20 anos sobre a metrópole. Os aliens são semelhantes a crustáceos gigantes e por isso são apelidados pejorativamente pelos humanos de “camarões”, sofrendo todo tipo de discriminações e humilhações. Uma clara alegoria do regime do apartheid sul-africano e também das várias formas de marginalização de grupos étnicos ou sócio-econômicos existentes no mais diversos agrupamentos humanos. Tudo isso mostrado de forma realista em uma estrutura documental, onde especialistas falam sobre os fatos mostrados na tela, além de repórteres e câmeras de TV noticiarem os fatos. A ausência de atores conhecidos só reforça a sensação de realidade, aliada a uma fotografia que lembra muito as imagens televisivas e, em outros momentos, remetem às técnicas usadas por Fernando Meirelles para filmar as favelas gigantes em “O Jardineiro Fiel”. Uma certa estranheza domina a primeira metade de projeção, jogando o espectador num amontoado de sensações atípicas.

Contudo, é necessário estabelecer links emocionais entre a plateia e a narrativa (afinal, apesar da estrutura documental, é bom lembrar que não se trata de um documentário). E é nesse ponto que o roteiro (escrito pelo próprio Blomkamp em parceria com Terri Tatchell) começa a apresentar suas oscilações. Busca-se estabelecer a ligação com o espectador através do personagem de Wikus Van De Merwe, um funcionário da MNU (uma espécie de ONU deste mundo fictício), incumbido de realizar o remanejamento da população de aliens das favelas onde eles vivem para um assentamento mais afastado do centro de Johanesburgo, num toque que lembra bastante as origens da Cidade de Deus no Rio de Janeiro (e, obviamente, isso não é mera coincidência). Durante sua missão, Wikus entra em contato com uma substância alienígena que afeta seu DNA, o que o leva a se aliar inevitavelmente com os aliens para obter sua possível cura (esse é um ponto em que “A Mosca”, de David Cronnenberg, vem logo à mente). A figura do mocinho que antes era meio-vilão, mas que passa a enxergar as coisas de uma outra forma após se sentir como aqueles a quem perseguia já se tornou um tanto clichê, muito embora o intérprete de Wikus, Sharlto Copley (amigo de longa data do diretor), seja bastante convincente em sua atuação.

A segunda metade do filme, desta forma, acaba se tornando um tanto previsível em várias nuances, principalmente porque parece esquecer a crítica social e mergulhar no cinema de ação de forma irrefreável e, assim, os furos de roteiro vão se tornando cada vez mais aparentes (afinal, se as armas dos aliens funcionavam, porque eles não as usavam contra os humanos?). O longa só não cai na pasmaceira total porque várias seqüências são mesmo bem realizadas e os efeitos especiais (obviamente vindos da Weta de Peter Jackson) são extremamente eficientes (mesmo com um alardeado baixo orçamento de US$ 30 milhões), muito embora caiba destacar aqui um certo excesso de violência desnecessária (sangueira e corpos partidos são freqüentes). Outro fator que depõe contra “Distrito 9” é sua trilha sonora, a qual também bebe da fonte de filmes como “O Jardineiro Fiel” e “Diamante de Sangue”, mas que aqui soa deslocada, querendo dar a impressão de estarmos vendo um filme denúncia e não uma ficção científica (o que para alguns pode ser considerado um mérito, tendo em vista as pretensões do diretor).

De qualquer forma, trata-se de um bom começo para Blomkamp, mostrando que Peter Jackson parece ter faro para encontrar novos talentos. E, dentro do quadro atual de Hollywood, alguém que tenha novas ideias, com a de trazer a crítica social mais direta para o terreno da ficção científica, é sempre bem-vindo. Confesso, além disso, que gostei mais do estilo ficção-documentário neste gênero do que no terror, o qual sempre perde em envolvimento ao assumir esta forma. Uma mistureba interessante que vale uma passadinha no cinema mais próximo.

Obs. As legendas estão um lixo. Em alguns momentos os aliens falam e simplesmente não aparece a tradução na tela (só as legendas originais em inglês). Pra completar, o(a) tradutor(a) parece ser fã de “Tropa de Elite”, já que coloca termos como “BOPE” e “Caveirão” na tradução, em uma mediocridade escandalosa (e mesmo idiota).

Cotação: * * * (três estrelas)
Nota: 7,5
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