domingo, 13 de julho de 2008

Um Beijo Roubado


Um Beijo Roubado

As cores da dor-de-cotovelo

Em meio à enxurrada de blockbusters que estão invadindo as salas de cinema (só no último fim de semana tivemos Kung-Fu Panda e Hancock, que estraçalharam nas bilheterias), nada mais saudável que buscar um pouco de “desintoxicação” assistindo a um longa, digamos assim, “diferente”, um tanto distinto daqueles que costumam ocupar os espaços do circuito. Nada contra os Iron Mans e Hulks da vida (quem me conhece de perto sabe o quanto eu tenho de nerd), mas também é necessário ver pessoas normais, sem super-poderes, expostas na tela grande e lembrarmos que não estamos sozinhos nos nossos pequenos dramas.

Muito embora seja possível acusar Wong Kar Wai de procurar justamente ser mais comercial com seu recente projeto “Um Beijo Roubado” (My Blueberry Nights, 2007), a verdade é que, mesmo sendo mais cosmético do que seu costume, Kar Wai é um dos cineastas atuais mais capazes de filmar seres humanos, na mais precisa acepção do termo. É realmente bela a forma como ele consegue colocar em sua sempre intensa paleta de cores os mais sutis e profundos sentimentos. Em Kar Wai, o amor nunca se mostra piegas, mas simplesmente o que ele é: belo! Quem conhece o diretor de outras praias, como em “Amor à Flor da Pele”, sabe do que estou falando.

Este é o primeiro longa de Kar Wai falado em inglês, com atores ocidentais e que não se passa em algum país asiático e daí talvez venham boa parte das críticas, já que ele estaria supostamente com vontade de ser exibido em sessões para gente normal nos shoppings, sem a necessidade de ser isolado em algum horário destinado a “filmes de arte” (aqui em Natal não teve jeito, acabou numa sessão dedicada a filmes para gente esquisita mesmo). É sabido que o longa foi recebido com uma certa frieza em Cannes, mas também é de conhecimento de todos que o público dos festivais costuma ser precipitado e chato, sempre querendo que um diretor de renome apresente a mais deslumbrante obra de arte desde a Pietá de Miguel Ângelo. A acusação de que ele tentou tornar-se mais “palatável” é verdadeira, mas é impossível negar que ele assim procedeu sem deixar de ser Kar Wai, continuando o mesmo cineasta preciso de sempre.

E é dentro desta ótica autoral que o diretor nos mostra as cores da dor-de-cotovelo. A trama, baseada em um curta-metragem de sua autoria (vale dizer que Kar Wai é co-roteirista junto com Lawrence Block), nos mostra a personagem Elizabeth (Norah Jones, com boa estréia na telona, valendo ressaltar que foi ela que sugeriu ao diretor a idéia para realização deste longa), a qual acabou de ser abandonada por seu antigo namorado (ou companheiro, não fica muito claro) e vai chorar suas lágrimas no lugar mais usado em todo o mundo por quem quer chorar suas lágrimas: um bar. Conhece então o dono do estabelecimento, Jeremy (Jude Law, competente), um homem que costuma guardar em um pote de vidro as chaves deixadas ou esquecidas ali por seus clientes (uma espécie de relicário de corações partidos). Sentindo-se sem rumo e necessitando urgentemente conhecer melhor a si mesma, parte em uma viagem ao longo das paisagens norte-americanas, saindo de Nova York para cidades com Memphis e Las Vegas. Ao longo de seu trajeto, encontra tipos que também vivem problemas amorosos. É então que conhecemos os personagens de Arnie (David Strathairn, excelente) e Sue Lynne (Rachel Weisz, muito bem e especialmente sensual), o quais vivem uma tormentosa separação, além de uma jogadora viciada, interpretada por Natalie Portman (competente, embora sua personagem seja a mais desinteressante do longa). Elizabeth tira proveito emocional de cada uma dessas experiências alheias e, assim, prepara-se para retornar a Nova York.

Um roteiro aparentemente simplório, meio “road movie”, mas que conta com uma enorme riqueza de diálogos e, principalmente, com os requintes visuais do diretor chinês. Suas cores fortes e expressivas estão lá presentes, principalmente o azul, que parece externar o interior de Elizabeth. Seus recursos imagéticos xiques, estilosos e, convenhamos, realmente lindos, continuam a pontuar toda a projeção (com especial destaque em um close do rosto de Norah Jones com os lábios sujos de torta bastante importante para o desenvolvimento da narrativa). Cinema, é sempre relevante reiterar, é imagem e é muito reconfortante perceber como um diretor respeita essa idéia e brinda o espectador com sua inteligência e sensibilidade. Outras marcas de Kar Wai se mostram presentes, como a sua obsessão pelo tempo como fator que, de forma inexorável, altera os seres humanos e suas relações. Se no citado “Amor à Flor da Pele” isso é mostrado através da presença e do enfoque de relógios, além da constante troca de vestidos da personagem de Maggie Cheung, aqui isso é feito por meio de legendas que nos mostram há quantos dias Elizabeth está distante de Nova York. A trilha sonora pop também se faz presente, desta vez com canções da própria Norah Jones, além de outros nomes “cool” da música atual (só para deixar registrado: eu tenho adoração por mulheres que cantam de forma educada e ao piano, como a Norah. Não há nada mais sexy! Talvez mais sexy do que isso, só se ela cantasse em francês, o que me faz lembrar da Carla Bruni, mas aí já vamos começar a divagar em excesso...).

Entretanto, o mais indubitável elemento autoral a marcar o longa é o respeito que Kar Wai tem pelos seus belos personagens. Ele nos mostra que cada vida, por mais banal que possa parecer, é repleta de pequenas tragédias e alegrias e isso faz com que cada uma seja única. Desimportante para muitos, mas nunca banal. Assim como seus filmes nunca são banais. Você pode acusá-lo de ser sentimental, mas nunca de ser piegas. Talvez você possa acusá-lo agora de tentar ser mais comercial. Mas é bom lembrar: um Kar Wai comercial é melhor do que 90% dos filmes comerciais em cartaz.

Em tempo: interessante como os títulos em inglês (My Blueberry Nights) e português (Um Beijo Roubado) são inteiramente distintos, mas também ambos perfeitamente adequados ao filme. Assista e descubra o porquê.

Cotação: ****1/2 (quatro estrelas e meia)

Nota: 9,5.

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2 comentários:

Gianfranco Marchi disse...

Oi, Fábio! Como você está? Legal o blog, mas Gian achou "Um Beijo Roubado" um oito, no máximo. Kar Wai tem filmes melhores.

http://www.imdb.com/title/tt0765120/

Fábio Henrique Carmo disse...

Peraê, é Gianboy ou Tâmara que está escrevendo? Bom, de qualquer forma abraços para os meus "afilhados de casamento"!

Bem, eu gostei muito de "Um Beijo Roubado". Aliás, estou me descobrindo um fã de Kar Wai. Não sei o que as pessoas esperavam tanto desse filme. Kar Wai faz o que ele sempre fez: falar de de dor-de-cotovelo. E eu estava esperando exatamente isso! :) E vocês sabem que eu sou louco pela Norah Jones!Hahhahahahahha1 Abraço!