Rocky – Um Lutador
(Rocky)
A vida imita a arte
Anos 70. Sylvester Stallone era um ator então desconhecido, com poucas oportunidades. Havia ganhado apenas papéis em filmes sem expressão, como “Rebel” (hein?). Não contribuía o fato dele possuir paralisia em certas áreas de seu rosto, conseqüência de um parto problemático em que teve de ser retirado a fórceps do ventre materno (o que, obviamente, dificulta sua capacidade interpretativa). Ou seja, Stallone era o que a sociedade americana chama de “loser”, um perdedor, alguém sem talento ou sorte na vida, que acaba esquecido em uma existência medíocre.
Stallone residia em uma quitinete de apenas 3m x 4m, com seu cachorro, quando assistiu a uma luta entre o lendário Muhammad Ali e Chuck Wepner, o qual só é lembrado hoje em dia por ter alcançado um feito até então inédito: nocauteou Ali (mesmo tendo, no fim, perdido a luta). Foi então que surgiu a idéia de um roteiro que tivesse como centro um Zé-Ninguém que, tendo uma única e grande oportunidade, consegue sair do anonimato e, de alguma forma, tornar seu nome lembrado. O mais interessante é perceber que a vida do próprio Stalllone seguiria um caminho semelhante.
E foi assim que surgiu o personagem de Rocky Balboa, após uma série de modificações no roteiro, desde os primeiros rascunhos do futuro astro até sua versão final, tal como o conhecemos. Bateu de porta em porta, tendo sempre respostas negativas, até que se deparou com os produtores Irwin Winkler e Robert Chartoff., que acabaram acreditando no potencial do boxeador de subúrbio. Todavia, uma nova batalha teria ser enfrentada pelo candidato a astro: interpretar o papel que imaginou para si mesmo. Para poder assumir o papel do protagonista, aceitou vender o roteiro por apenas 5 mil dólares. Além disso, os produtores chegaram a lhe oferecer 405 mil dólares para que ele desistisse de assumir o personagem (seria substituído por Ryan O’Neal). Mas não teve jeito. Sly (apelido de Stallone) bateu o pé, assumiu o protagonista e aceitou trabalhar em troca de uma porcentagem nos lucros. Tendo como diretor John G. Avildsen, as filmagens foram realizadas em apenas 28 dias e o custo da produção foi de pouco mais de um milhão de dólares. Renderia 117 milhões.
Muitos, logo que ouvem o nome “Rocky”, lembram apenas de cenas de luta, sangue jorrando e rostos inchados. Nada mais falso. Rocky Balboa é um personagem fascinante e é em sua personalidade que o longa é centrado. Com um jeito durão, Rocky ganha a vida como “cobrador” de um agiota local, o que lhe rende várias inimizades. Por outro lado, faz bicos como boxeador, lutando por 15 dólares, se perder, ou 45, se vencer. Entretanto, as aparências, como quase sempre acontece, enganam. O “Garanhão da Filadélfia” (nome que criou para chamar atenção nos ringues) é um homem terno, apaixonado pela tímida balconista da loja de animais do bairro, Adrian (Talia Shire), irmã de seu amigo de caráter inconstante, Polly (Burt Young). Tímido e sem jeito, Rocky tem dificuldades em atrair a atenção da ainda mais tímida Adrian, que sequer responde às perguntas que o primeiro faz. É interessante notar, neste primeiro momento da película, que vamos descobrindo a personalidade de Rocky através de detalhes, como a sua recusa em quebrar os dedos de um dos endividados de seu patrão, a atenção e conselhos que dá a uma garota da vizinhança, a qual parece estar seguindo um mau caminho, e sua falta de tato mas perceptíveis boas intenções com Adrian. Seu sentimento por ela é verdadeiro, mas tem dificuldades em externar isso. Um homem rude, mas de bom coração.
E ele vai levando sua vida sem grandes perspectivas quando algo inusitado parece trazer-lhe uma chance de conquistar a auto-estima, além do respeito dos que lhe conhecem e, principalmente, da mulher que ama. Apollo Creed (Carl Weathers), o campeão mundial dos pesos pesados, planeja uma luta especial a ser realizada por ocasião do bicentenário da independência dos EUA. Seu desafiante no confronto, Mack Lee Green, quebra a mão e não vai poder enfrentá-lo na data marcada. Outros lutadores de renome também recusam a proposta, alegando que 5 semanas é um tempo insuficiente para uma preparação razoável para o confronto. Egocêntrico e midiático, Apollo tem então a idéia de dar uma chance a um lutador desconhecido de desafiá-lo pelo cinturão de campeão mundial, uma jogada em total consonância com a data do embate, afinal trata-se da “terra das oportunidades”, onde um homem pode adquirir notoriedade se souber aproveitá-las. Neste passo, percebe-se uma sutil crítica a este ideário norte-americano. Menos sutil é a crítica à exploração midiática de pessoas comuns, afinal, acreditava-se que Rocky jamais ofereceria problemas a Apollo Creed, tratando-se apenas de um fantoche sobre o qual muito lucro seria apurado. Contudo, a despeito da incredulidade de todos (a começar da dele próprio). Rocky decide que esta, de fato, é a oportunidade de sair do anonimato e, mais do que isso, de ser respeitado, de ter novas perspectivas. Titubeante no início, passa, dias após dia, a treinar com mais afinco, seja correndo pelas ruas da Filadélfia, seja esmurrando peças de boi no frigorífico onde Polly trabalha. Sua intenção, ademais, não é vencer, mas suportar os 15 rounds da luta.
O fato de Rocky apenas tentar resistir, sem grandes pretensões de vitória, soa deveras interessante. Sua conduta denota que ele busca tão somente o respeito próprio e daqueles que lhe são caros, não exatamente um desejo de fama e fortuna (como seria ainda bem delineado na continuação “Rocky II – A Revanche”, também um bom filme). Ser um vencedor aos olhos daqueles que ama já é lhe é suficiente. Tal aspecto de sua personalidade é mais realçado quando, em uma das últimas cenas, ao ser perguntado se haveria uma revanche, o lutador responde com um sonoro “não”.
Importante destacar a dedicação de toda a equipe na realização do projeto. O elenco está excepcional. Stallone mostra que Rocky é mesmo o personagem da sua vida (é o único que ele conseguiu interpretar de forma convincente em toda sua carreira). Não é à toa que acabou sendo indicado ao Oscar de melhor ator por sua performance. Talia Shire também está ótima com sua Adrian, tímida, mas adorável. Burt Young, como o inconstante cunhado de Rocky, e Burgess Meredith, como Mickey, o dono da academia onde o Garanhão da Filadélfia treina, estão ótimos e possuem um carisma impressionante, tanto que foram indicados ao Oscar como coadjuvantes. A segura e calma direção de Avildsen foi premiada com a láurea da academia de Hollywood. O longa também ganhou na categoria principal, como melhor filme, e ainda o prêmio de edição. Todavia, é possível afirmar que foi injustiçado. Merecia o prêmio de roteiro (um dos melhores de todos os tempos, segundo o American Film Institute) e, principalmente, merecia levar o careca por sua memorável trilha sonora, composta por Bill Conti. Uma das mais marcantes de todos os tempos, basta soarem os primeiros acordes que já lembramos de Rocky Balboa correndo pelas ruas da Filadélfia, subindo aquela enorme escadaria com aquele invejável pique. Eu mesmo, quando garoto, saía correndo na calçada dando socos no ar, cantarolando o tema do filme.
Sem dúvida, Rocky se tornou, ao longo dos anos, um dos personagens mais carismáticos do mundo cinematográfico. Apesar de alguns episódios bisonhos (Rocky IV, um lixo de patriotada, e Rocky V, candidato a diversos Framboesas de Ouro), continua a ter seu lugar de destaque no coração de muitos cinéfilos ao redor do mundo. E Sylvester Stallone, tal como o personagem que criou, conseguiu aproveitar a oportunidade e deixou o anonimato no passado, tornando-se uma das figuras mais lembradas de Hollywood. Como diz a famosa frase, “a vida imita a arte”.
Cotação: ***** (cinco estrelas)
Nota: 10,0.
Obs: O subtítulo em português, que não consta do original, é um dos raros subtítulos a me agradar.
2 comentários:
Deu vontade de ver de novo o primeiro filme. ^^
Lição de vida mesmo. Tem uma frase assim no último filme:
"O mundo é um lugar ruim e duro, não importa quão forte seja, a vida vai colocá-lo de joelho. Ninguém vai bater mais forte do que a vida. Não importa o quanto você bate, mas sim o quanto aguenta apanhar e continuar tocando a vida, o quanto pode suportar e seguir em frente".
Luciana.
É, essa frase é muito marcante mesmo: "ninguém bate mais forte do que a vida". Até o William Douglas, em um artigo que li há uns 3 meses, cita essa frase.
O primeiro episódio eu vi e revi umas 4 vezes. Acho que o segundo (o mais reprisado pela Globo) eu vi umas 7 ou 8 vezes. Interassante como nunca enjoa...
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