O Expresso da Meia-Noite
(Midnight Express)
Em 1973, Franklin J. Schaffner, dirigiu “Papillon”. O filme contava com a presença de dois astros: o já veterano Steve Mcqueen, no papel principal, e o astro em ascensão e talentosíssimo Dustin Hoffman, que fazia o melhor amigo do personagem título. Baseada em fatos reais, a trama mostrava o inferno dos condenados à “Ilha do Diabo”, situada na Guiana Francesa, para onde eram levados os criminosos mais “perigosos” da França, sentenciados com prisão perpétua.
O filme mostrava com um realismo inédito as agruras destes condenados, o tratamento humilhante, degradante que sofriam (clássica a cena em que Henri Charrière, o“Papillon” – borboleta em francês e apelido do personagem por ter uma tatuagem com esta forma – é obrigado a comer baratas para não morrer de fome).
Tal realismo não era fato isolado no cinema americano de então. Os anos 70 seriam uma das décadas mais revolucionárias da história do cinema, principalmente do americano. Jovens diretores surgiam com idéias inovadoras, diferentes, quebrando todas as regras dos famigerados “estúdios”. Era a década que veria a ascensão de diretores como Francis Ford Copolla (O Poderoso Chefão, Apocalypse Now), Martin Scorcese (Taxi Driver), Steven Spielberg (Tubarão, Contatos Imediatos de Terceiro Grau), além da consagração cada vez maior de cineastas como Stanley Kubrick (Laranja Mecânica).
Foi um tempo em que se criou uma “estética da violência” no cinema (que teve Sam Peckinpah como precursor na década anterior). Nunca a violência havia sido mostrada de forma tão crua e pungente, com sangue jorrando pela tela sem pudores. Até mesmo Spielberg dá sua contribuição com seu “Tubarão” (estética que mais tarde, nos anos 90, seria mais uma vez revolucionada por Quentin Tarantino). Ademais, os protagonistas estavam longe de ser “heróis”, “mocinhos”, de “índole exemplar”. Basta lembrarmos de Táxi Driver, cujo protagonista é um neurótico com tendências homicidas que não suporta mais a sua vidinha medíocre no subúrbio de Nova York. Ou como em “O Poderoso Chefão”, no qual os personagens centrais são mafiosos que eliminam aqueles que atrapalham seu caminho (Marlon Brando na atuação mais brilhante da história da sétima arte).
E é nessa esteira que, em 1978, o então jovem diretor Alan Parker nos apresenta um novo “filme de presídio”. Influenciado pelo seu antecessor de 1973, trata-se de uma obra que também mostra a realidade de uma penitenciária, com suas agressões, condições subumanas, violência, falta de perspectivas. Todavia, ele vai mais longe do que “Papillon” em sua proposta.
O longa de Schaffner, muito embora não relegue o psicológico de seus personagens, tem uma preocupação eminentemente narrativa, ou seja, em mostrar os fatos, as peripécias e reviravoltas que levam o fugitivo a alcançar a liberdade. Há momentos em que se assemelha a um longa “de aventuras”, tais os “malabarismos” mostrados na tela.
Em “O Expresso da Meia Noite”, Parker mostra os fatos mais por necessidade do roteiro, para que o espectador entenda a situação. O verdadeiro foco de sua obra, entretanto, é a análise do quão perturbadora pode ser a experiência de viver em um mundo fechado, com regras próprias e bastante distintas das regras da sociedade “livre”.
O roteiro narra a história, também real, de Billy Hayes, jovem americano, típico filho de classe média, que está passando férias na Turquia com a namorada. Inconseqüente, compra alguns quilos de haxixe para levar à sua terra e distribuir com os amigos. Ele leva a droga presa ao corpo, sob a roupa, e já está para embarcar quando é abordado pela polícia turca. Os policiais, que estavam na verdade procurando suspeitos de terrorismo, acabam encontrando a “muamba” de Billy. Detido, este é “convidado” a colaborar para a prisão dos traficantes que lhe venderam a droga, em troca de uma pena mais branda e outras regalias. Todavia, Billy acaba fugindo, o que complica bastante seu caso.
Logo, é levado para um presídio cuja situação lembra muito a dos nossos brasileiros, com instalações precárias, guardas violentos e corruptos, leis impostas pelos próprios detentos. O inferno aparece claro aos olhos do jovem. E se torna ainda maior quando a suprema corte turca lhe impõe um aumento bastante considerável da pena...
Parker retrata a lenta evolução do desequilíbrio de Billy, que o leva às portas da loucura. O clímax é mostrado em uma cena extremamente marcante em que este, dominado pela insanidade, mutila um outro detento que havia delatado seu plano de fuga com mais dois colegas de cela (não vou descrever a cena para não perder o impacto).
Vale destacar um aspecto: Billy, em todos os momentos, procura resistir a qualquer forma de degradação moral. Evita entrar em confusões, revidar agressões e, em um primeiro momento, até mesmo não tenta a fuga. Somente adere a esta possibilidade quando vê suas chances de deixar aquele inferno de forma “legal” se esvaírem. Seguindo esta linha, é interessante notar um ponto: o filme parece insinuar que o homossexualismo é uma forma de degradação moral, já que Billy (numa atitude de cabra verdadeiramente macho!) também recusa as investidas homoeróticas de um de seus colegas mais próximos (no mais respeitoso “fora” a um gay já visto nos cinemas). De qualquer forma, isso mostra o grau de transtorno do personagem no citado momento da mutilação: sua sanidade havia chegado ao limite.
Outras questões também são abordadas, como a diferença cultural entre o Ocidente e o mundo islâmico, mostrando que isso é um tema que já vem de algum tempo. Em solo americano, Billy certamente teria facilidades bem maiores para ver-se livre.
Os aspectos técnicos do filme também são importantíssimos. O som que imita as batidas de um coração nos momentos especialmente tensos é um recurso genial, que nos transmite muito da dramaticidade da cena, deixando-nos completamente envolvidos. A fotografia escura ajuda a compor o cenário de perturbação e desesperança e a trilha sonora é um caso a parte. Magnificamente criada por Giorgio Moroder, é extremamente marcante, sendo conhecida até mesmo por muitos que não viram o filme. E o roteiro é de um então desconhecido Oliver Stone, que já demonstrava sua tendência para abordar situações-limite. Cabe também destacar a excelente atuação de Brad Davis no papel principal. Pode onde anda este rapaz?
Bem, a verdade é que um filme como esse apresenta inúmeras nuances que dariam margem a mais algumas páginas de texto. Mas vou ficando por aqui. Só uma ressalva: “O Expresso da Meia Noite” é um filme muito forte, que pode chocar os mais sensíveis, requerendo um bom estômago para digeri-lo. Mas com certeza, gostando ou não, você não ficará indiferente a ele. Alan Parker já estava mostrando a que veio. Alguns anos depois dirigiria outro filmaço: Coração Satânico. Mas isso já é outra história...
Cotação: ***** (cinco estrelas).
Nota: 10,0
2 comentários:
E aí meu, é o Peru.
Vou pegar esse filme na locadora pra ver se é jóia mesmo.
Faz um texto sobre Amadeus.
E aí, Peru? Beleza?
Pode pegar o DVD sem medo, pois é mesmo muito bom!
Muito boa a sua sugestão de uma resenha para Amadeus. É um filme que merece. Só deve demorar um pouco, pois creio que terei de rever o filme para escrever um texto (já faz um bom tempo que vi). Mas já está anotado aqui. Abraço!
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