domingo, 20 de julho de 2008

Batman - O Cavaleiro das Trevas


O verdadeiro Batman chega às telas

Talvez este seja o filme mais aguardado do ano. Também por isso, vou iniciar esta resenha de uma forma um pouco diferente, tecendo alguns pormenores sobre a HQ homônima que deu origem ao filme “Batman – O Cavaleiro das Trevas”. Desde já alerto que Batman é um dos meus personagens favoritos nos quadrinhos e não estranhem se lerem alguns comentários cheios de “arroubos”. Acompanhe, se tiver paciência (o texto deve resultar um tanto longo).

O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller

Nos anos 80, surgia nos quadrinhos o nome de um novo autor que iria revolucionar o gênero: Frank Miller. Seu estilo inovador, com arte minimalista, mas que ao mesmo tempo remetia à fotografia cinematográfica, e texto repleto de conflitos psicológicos começou a transportar as HQs ao status de “arte” (ou pelo menos foi a partir dele que muitos céticos, que achavam que quadrinhos eram coisa de criança, começaram a observar com mais atenção a arte seqüencial). Miller foi erguido ao status de ídolo ao trabalhar com o Demolidor, da Marvel Comics, criando para este uma coadjuvante histórica: Elektra, a ninja assassina.

Foi então que a arqui-rival da Marvel, a DC Comics, contratou Miller para um projeto ousado com um personagem que se encontrava em decadência: Batman, o homem-morcego que, em parte pelos efeitos nocivos de sua série de TV, encontrava-se ridicularizado, servindo de chacota em piadas sobre homossexuais ou mostrado com um pançudo metido a engraçadinho. O dito projeto se chamou “O Cavaleiro das Trevas” e, provavelmente, foi bem além do que os editores da DC imaginavam. Nele, Miller nos mostra Gotham City em um futuro próximo totalmente dominada pela criminalidade. Batman está aposentado, afinal Bruce Wayne já é um cinqüentão. Alguns criminosos de outras épocas também parecem estar “fora de combate”, como o Duas-Caras e o Coringa. Todavia, Bruce Wayne não encontra refúgio para as angústias que remontam à sua infância no álcool ou nas mulheres e, desta forma, o seu lado sombrio, externado pela persona do Batman, acaba por retornar. E com o Batman retornam seus antigos oponentes.

Sombria ao extremo, psicologicamente perturbadora, a obra de Miller mostrou que quadrinhos poderiam ser, definitivamente, coisa para adultos. O autor, ademais, não só deu maturidade psicológica aos personagens, como colocou a própria natureza do herói em xeque: afinal, poderia Batman fazer “justiça com as próprias mãos”? A sociedade poderia aceitar um justiceiro atuando à margem da legalidade? Outro ponto interessante: Miller abordou a idéia de que vilões como o Coringa só existiriam devido a própria existência Homem-Morcego. Isso fica claro quando o Coringa, que está internado no asilo Arkham, “desperta” de sua letargia ao ver uma notícia na televisão sobre um possível retorno de Batman.

A mini-série alcançou um sucesso estrondoso nos EUA, sendo rapidamente publicada no Brasil pela Editora Abril. Eu lembro que tinha 8 ou 9 anos quando ela foi lançada por aquie praticamente obriguei meu pai a adquirir aquele exemplar luxuoso, como eu nunca tinha visto antes. Mesmo, obviamente, não compreendendo muitas de suas nuances em razão de minha pouca idade (também confesso que a violência ali presente também era excessiva para alguém tão jovem), eu fiquei fascinado pela trama engendrada por Frank Miller, de quem me tornei fã incondicional. Jamais esqueci os últimos quadrinhos do primeiro capítulo da mini-série, quando Batman pergunta a um plastificado Harvey Dent (cirurgiões plásticos haviam conseguido reconstruir seu rosto) porque ele havia voltado a cometer crimes. É então que Harvey pede a Batman para que veja além de suas feições, para vislumbrar como ele realmente está por dentro e, num dado momento, o Cavaleiro das Trevas vê que Harvey, na verdade, está deformado inteiramente em sua alma. E ele responde: “eu vejo um reflexo, Harvey... Só um reflexo...”.

O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan

E assim, ao longo de muitos anos, esperei ver este Batman, que sempre considerei o verdadeiro, transposto para as telas. E quase sempre fui amargando decepções. Muito embora eu respeite muito Tim Burton, seus dois episódios de Batman são muito cartunescos, infantis até. Ele desrespeitou o personagem para realizar um exercício de estilo. Escalou como Bruce Wayne um ator inexpressivo como Michael Keaton e (não sei se ele ou a produção) colocou Kim Basinger na trama para chamar a marmanjada para a sala de cinema. Um filme pífio, que só se salva pela presença de Jack Nicholson na interpretação do Coringa. Três anos depois, Burton comete outro equívoco com “Batman – O Retorno”, talvez ainda mais insosso que o seu antecessor, desta vez só conseguindo algum alento na sensualíssima presença de Michelle Pfeiffer como a Mulher-Gato. Mas o pior ainda estava por vir. Joel Shumacher conseguiu assassinar a franquia com seu péssimo “Batman – Eternamente”. Mas o que é ruim pode sempre ficar ainda pior e ele cometeu “Batman & Robin”, uma espécie de filme de super-herói-gay, um atentado à sétima arte, um dos piores filmes de todos os tempos.

Depois disso, já não esperava mais ver o herói adaptado de forma ao menos decente para a telona. Alguns anos se passaram e a Warner Bros. (detentora dos direitos de adaptação de Batman para o cinema), entusiasmada com o sucesso que a Marvel vinha obtendo após a boa adaptação dos X-Men por Brian Singer, resolveu apostar novamente suas fichas no Morcegão, só que desta vez encarando-o com um personagem sólido, com real potencial dramático, não um brinquedinho para entreter crianças. Para tanto, escalou como diretor Christopher Nolan, o qual havia se tornado “cool” com o sucesso de público e crítica “Amnésia”. O elenco também foi de primeira: o talentoso Christian Bale como Batman/Bruce Wayne, além das presenças de Michael Caine, Morgan Freeman, Gary Oldman e Liam Neesson. O longa foi intitulado “Batman Begins”, como para deixar claro que todos os projetos anteriores eram página virada e que aqui se apresentava um novo Homem-Morcego para o cinema. Lembro que fui assistir todo desconfiado, afinal todas as adaptações anteriores haviam sido muito frustrantes. Todavia, o filme acabou por me agradar bastante. Mesmo não sendo a adaptação perfeita que sempre imaginei, Batman finalmente era um personagem levado a sério. Também já era perceptível que Nolan havia lido os trabalhos de Miller com o herói e levou isso para as telas. Ademais, o elenco, como era de se esperar, realizou um trabalho ótimo, chamando atenção o Bruce Wayne/Batman de Bale (finalmente interpretado de forma decente) e o sargento Jim Gordon, em grande performance de Gary Oldman. E “Batman Begins” deixou um gostinho de “quero mais” tremendo, ainda mais com a pista deixada na conclusão de o vilão que surgiria em sua continuação seria ele, o Coringa!

E eis que chegamos a 2008. “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, continuação de “Batman Begins” tornou-se o filme mais esperado da temporada de blockbusters devido a dois fatores: 1) O marketing massivo realizado pela Warner, utilizando a chamada campanha “viral” na Internet, além de extravagâncias como o batsinal projetado em ruas de grandes cidades (é, isso mesmo...); 2) a morte prematura de Heath Ledger, um dos mais talentosos atores da nova geração (apenas 28 anos), que interpretou o papel do Coringa e, segundo comentários que circularam à época do seu falecimento, o personagem teria piorado seu estado mental, obrigando-o a realizar tratamento com tranqüilizantes (os quais o levariam à overdose que causou sua morte).

A expectativa estava alta, altíssima. E ela enfim, foi recompensada. Pode-se afirmar que finalmente estamos diante de uma autêntica HQ do Homem-Morcego transposta para a tela de cinema.

Neste novo episódio, Gotham City continua, mais do que nunca, dominada pelo crime. A presença de Batman, ademais, faz surgir um novo problema: estimulados por suas ações, vários cidadãos passam a combater o crime por conta própria, utilizando “bat-uniformes” e perseguindo bandidos. Além disso, a legitimidade de Batman como combatente do crime passa a ser questionada pela população e pela mídia (como realçado no início deste texto, idéia explorada por Frank Miller em sua HQ). Afinal, ele é um justiceiro que atua à margem da legalidade. Em contraposição a este “Cavaleiro das Trevas”, Gotham assiste à ascensão do idealista promotor de justiça Harvey Dent (Aaron Eckhart, muito bem no papel), o “Cavaleiro Branco”, que busca efetivar a justiça e limpar Gotham da criminalidade, mas seguindo os limites da legalidade. O próprio Bruce Wayne/Batman (mais uma vez Christian Bale, competente) começa a enxergar em Dent o herói que a cidade precisa, um herói sem máscara, que não precisa se ocultar na escuridão noturna para realizar suas ações de combate ao crime. Os dois ainda dividem o mesmo interesse romântico: a promotora Rachel Dawes (Maggie Gyllenhaal, com bem mais presença interpretativa que a careteira Katie Holmes, que fez a personagem no filme anterior). Ambos também contam com a ajuda de, agora tenente, Jim Gordon (Gary Oldman, excelente!), um dos raros policiais incorruptíveis de cidade.

Incomodados pelos prejuízos causados por Batman, os maiores mafiosos da cidade resolvem contratar uma espécie de maníaco psicopata que anda chamando atenção nos noticiários para dar cabo do Homem-Morcego: o Coringa! E aqui chegamos ao personagem interpretado pela falecido Heath Ledger. O seu Coringa em quase nada lembra aquele feito por Jack Nicholson no primeiro filme de Tim Burton. A interpretação de Ledger é completamente visceral, conseguindo transpor para tela o Coringa concebido por Frank Miller em sua HQ genial. Com suas frases cortantes, marcantes e faladas em tom de ironia e perversão, o Coringa é o personagem que, em muitas seqüências, acaba roubando a cena. Macabro como nenhum outro vilão da arte seqüencial antes levado à telas, ele se torna o maior tormento de Batman, já que, em suas próprias palavras, ele só existe porque Batman existe e estarão condenados a eternamente se enfrentarem, já que Batman jamais conseguirá simplesmente eliminar seu oponente e este tem sua existência condicionada à de Batman. Com uma maquiagem borrada que esconde cicatrizes em seu rosto (maquiagem concebida pelo próprio Ledger), o Coringa representa a encarnação da morte, não agindo por dinheiro, mas para apenas promover o caos. A verdade é que a atuação de Ledger é tão impactante que muitos, capitaneados por Nolan e Bale, já estão fazendo campanha para sua indicação ao Oscar vindouro e premiação póstuma. Quem assistir ao longa verá que isso não é uma idéia descabida.

Em meio a esse caos surgirá um novo vilão, o Duas-Caras, cuja identidade não vou revelar aqui para não perder o interesse para aqueles que ainda não viram o filme (aqueles que conhecem os quadrinhos sabem de quem se trata). Com metade do rosto deformado, ele decide a vida de suas vítima jogando uma moeda ao ar: o acaso será o responsável pelo destino. Vale dizer que os efeitos especiais responsáveis pelo rosto do Duas-Caras são muito eficientes.

E aqui é o momento para fazemos uma abordagem sobre os elementos técnicos do longa. É uma pena que mais de 90% dos espectadores (dos quais eu faço parte) não poderão vê-lo nas telas Imax, já que algumas de suas seqüências foram concebidas para este tipo de projeção, como aquela em que Batman voa sobre Hong-Kong. Aqueles que viram afirmam que a sensação que o espectador tem é de estar voando junto com o personagem. Por outro lado, alguns têm reclamado da edição um tanto quanto acelerada, fazendo com algumas seqüências de ação se tornem um pouco confusas. Creio que isso não se deve a alguma incompetência de Nolan para dirigir esse tipo de cena. A verdade é que muitas cenas foram editadas e amenizadas para que o filme não ultrapassasse a classificação PG-13 nos EUA, tida como limite para um blockbuster que pretende faturar alto. “O Cavaleiro das Trevas” é, sem dúvida, um filme violento, nada adequado para crianças pequenas. Aliás, creio que mesmo a classificação etária que ganhou no Brasil, 12 anos, ainda é bem tolerante. Creio que a mais adequada seria 14 anos, até mesmo porque a violência presente no filme não é apenas visual, mas também psicológica. O Coringa é de meter medo mesmo em uma criança mais crescida. O som e efeitos sonoros também são de arrepiar. Eu mesmo cheguei a dar um pulo da cadeira em determinada seqüência, tal a eficiência de ditos efeitos sonoros.

O roteiro merece um destaque especial. Resolveu alguns problemas do “Begins” como o humor um tanto forçado, encarnado principalmente pelo mordomo Alfred (Michael Caine, sempre eficiente) e pelo engenheiro Lucius Fox, responsável pelas engenhocas usadas por Batman (Morgan Freeman, com seu velho carisma). Agora, as tiradas de humor estão muito encaixadas ao tom sombrio do filme, mais orgânicas, sem “forçar a barra”. A trama também, apesar de complexa, está muito bem amarrada, além de afastar qualquer previsibilidade. Por outro lado, o que chama mais atenção é mesmo o potencial dramático atribuído a todos os personagens. Bruce Wayne no dilema de ser um herói fora-da-lei; Jim Gordon sabendo que não pode confiar nem mesmo nos policiais que integram sua equipe; Harvey Dent sentindo a pressão de ter de combater o crime com apenas as armas que a lei lhe fornece; Rachel Dawes tendo de decidir entre os dois homens que a amam... Ademais, vários conceitos de Frank Miller, como os cidadãos que se vestem de Batman e passam a combater o crime, além dos debates e notícias televisivos sobre os acontecimentos, mostram-se interessantes e inteiramente eficazes. Vale dizer que o ritmo frenético não cai um minuto, não há tempo para que você respire. Batman também não se mostra como um herói politicamente correto, tomando atitudes que seriam impensáveis para outros heróis dos quadrinhos, como o Homem-Aranha (outro elemento da obra de Miler).

A direção de arte também é sensacional. Gotham nunca se mostrou tão real (Chicago muito bem filmada). Mesmo nas cenas diurnas sentimos um clima soturno, que inspira apreensão. Ou seja, estamos diante de uma cidade amedrontadora, mas real, totalmente diferente daquele clima “fake” de Burton e Schumacher.

Bem, se você conseguiu chegar até aqui, vou sintetizar a minha impressão sobre o filme: Batman finalmente chega às telas! Longa vida ao Homem-Morcego. Já aguardo ansiosamente a sua continuação. Pena, apenas, que Heath Ledger não poderá mais nos brindar com sua fantástica atuação. Um grande peso recairá sobre o próximo Coringa.

Classificação: ***** (cinco estrelas)

Nota: 10,0.

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5 comentários:

Sofia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fábio Henrique Carmo disse...

Ué, quem postou????? :)

Bauducco disse...

Fui ver esse filme fim de semana passado. Do caralho! Tem um clima pesado pra caramba, assustador. Claro que tem algumas frias (o Coringa invade um banco com um ônibus e ninguém na rua para pra ver) e a personagem da Rachel Dawes merecia uma atriz mais bonita (pelo menos serviu pra inventarem aquela piada: a mocinha é tão feia que o Coringa resolveu pegar o irmão dela) mas mesmo assim é um filmaço.

E só pra fazer justiça ao espetacular trabalho feito pra divulgar o filme, acrescento que a campanha do Batman foi muito além do viral. Fizeram um ARG (Alternate Reality Game) que durou mais d um ano e reuniu gente do mundo tudo.

Nesse link tem todos os passos da brincadeira (se é que a gente pode chamar assim):
http://whysoserious.com/

Fábio Henrique Carmo disse...

É verdade, Marcelo, acabei esquecendo de mencionar o game na resenha. Realmente,poderiam ter escolhido uma atriz mais bonita, mas também é verdade que ela deu bem mais presença ao papel que a careteira Katie Holmes (mais bonitinha, mas com bem menos talento).

O clima do filme é sombrio como eu sempre imaginei. Talvez a única coisa realmente ruim do longa é que as cobranças em cima do próximo episódio serão enormes (como bem ressaltou a resenha do Omelete).

Rafael W. disse...

A obra-prima definitiva dos filmes de super-heróis, sem mais.

http://avozdocinefilo.blogspot.com.br/