quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Filmes Para Ver Antes de Morrer

Testemunha de Acusação
(Witness For The Prosecution, 1957)


Um gênio em todos os gêneros


A cada oportunidade em que assisto a um filme de Billy Wilder acabo ficando mais impressionado. Ele simplesmente era incapaz de realizar um filme ruim. Todos os seus longas são acima da média, seja qual o gênero da vez. Versátil como poucos, Wilder obteve sucesso em quase todos os gêneros cinematográficos, realizando obras-primas em praticamente todos eles, como no drama “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard, 1950) ou na antológica comédia “Quanto Mais Quente Melhor” (Some Like It Hot, 1959). E eis que também descubro que Wilder foi capaz de proezas também no suspense. “Testemunha de Acusação”, seu filme de 1957, é tão eficiente no clima e reviravoltas que oferece ao espectador que Alfred Hitchcock deve ter sentido uma ponta de inveja por não tê-lo realizado.

Baseado em uma obra de Agatha Christie, a meste do suspense na literatura, “Witness For The Prosecution” é um dos melhores “filmes de tribunal” já elaborados. Por sinal, entrou em cartaz no mesmo ano de outra referência deste subgênero, o clássico “12 Homens e Uma Sentença” (12 Angry Men), protagonizado por Henry Fonda e dirigido por outro grande cineasta, Sidney Lumet. Por sua vez, o longa de Wilder conta em seu elenco com dois grandes astros, Tyrone Power e Marlene Dietrich. Entretanto, se Power fez aqui o seu último trabalho completo no cinema (ele faleceu no ano seguinte, vítima de infarto, durante as filmagens de “Solomon and Sheba” dirigido por King Vidor), Dietrich atingiu um dos melhores momentos em seu desempenho como atriz, sendo indicada ao Globo de Ouro pela atuação. Entretanto, a grande figura do longa é Charles Laughton, um dos grandes atores britânicos em todos os tempos, que encarna aqui Wilfrid Robarts, um advogado com larga experiência no tribunal do júri. Inteligente, perspicaz, espirituoso e irônico, Wilfrid é um dos personagens mais interessantes já filmados.


É através dele que entramos em contato com a trama, adaptada para a tela grande pelo próprio Wilder ao lado dos roteiristas Larry Marcus e Harry Kurnitz. O advogado é procurado por Leonard Vole (Power), o qual é o principal suspeito do assassinato da solitária viúva Emily French (Norma Varden), já que ele era um dos poucos a frequentar a casa da senhora e parecia ter se tornado o seu interesse romântico. Vole jura inocência e conta com um álibi, a sua esposa Christine Helm (Dietrich), que pode confirmar perante o júri que, na noite do crime, Vole chegou em casa em horário anterior àquele em que o crime foi cometido. O problema é que o depoimento de Christine, por ser esposa, não terá força junto aos jurados, razão pela qual seu testemunho acaba excluído pelo advogado. Contudo, algumas reviravoltas ocorrem ao longo do julgamento, deixando o espectador grudado na cadeira ao longo das quase duas horas de projeção.


O roteiro é praticamente impecável e, além do texto base de Christie, contou com nuances concebidas pelo próprio Wilder, como a relação entre Wilfrid e sua enfermeira Miss Plimsoll (Elsa Lanchester, ótima!). Os diálogos entre os dois foram turbinados porque Laughton e Lanchester eram casados, o que acabou gerando boas ideias para o script. A sinergia entre os dois é perfeita e contribui muito para o imediato envolvimento do público com a trama. Mas é óbvio que a direção irretocável de Wilder faz uma diferença enorme no resultado final. Em filme de júri é essencial que ocorra uma perfeita concepção do ritmo da narrativa, sob pena de enfadar o espectador, como acontece com certa frequência. E, no presente caso, o ritmo se mostra perfeito. Nem sentimos o tempo passar. Da mesma forma, apesar das reviravoltas ao longo da narrativa, entendemos perfeitamente toda a trama, esclarecida por meio bem elaborados flashbacks, postos nos momentos certos. Sim, “Testemunha de Acusação” é um filme imprevisível, mas está longe de ser um filme confuso, como tantos outros longas que envolvem mistérios sobre assassinatos. Por outro lado, Wilder não deixa de lado um tema constante em sua obra: a dualidade entre a aparência e essência, o conflito entre o que aparentamos ser e o que realmente somos. Esse é um mote presente em obras como “Quanto Mais Quente Melhor” (os homens que aparentam ser mulheres), “Sabrina” (a mulher que passa a ser vista após modificar sua aparência) ou “Crepúsculo dos Deuses” (os astros decadentes que ainda vivem da antiga imagem). E aqui ele brinca com o tema por meio dos personagens de Leonard Vole e Christine Helm. Será que ele é mesmo inocente? Será que Christine não tem alguma culpa no cartório? A resposta só é entregue no surpreendente desfecho, tão inusitado que, nos créditos finais, há um pedido para que o público não conte o final a quem ainda não assistiu ao longa (o próprio Hitchcock iria se valer da mesma ideia um pouco mais tarde, quando do laçamento de “Psicose”).

E é o que vou fazer aqui. Falar muito sobre “Testemunha de Acusação” pode estragar a sua apreciação. Nem precisaria dizer que teve 6 indicações ao Oscar. Basta afirmar que é mais uma das pérolas de Billy Wilder. Só isso já é suficiente (e mais relevante que prêmios) para fazer qualquer um se interessar em ver este filme que é uma das melhores adaptações de Agatha Christie para o cinema (mais uma credencial importante, não?). Apenas não deixe pra depois. Busque desvendar essa intriga o quanto antes.


Cotação:



Nota: 10,0.
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2 comentários:

Hugo disse...

A carreira de Billy Wilder dispensa comentários e este é sem dúvida um dos seus melhores filmes.

Apesar do elenco todo estar bem, o destaque é advogado interpretado por Charles Laughton.

Abraço

Raildon disse...

Concordo, rapaz. Billy Wilder faz bonito em vários gêneros. Também gosto bastante de Testemunha de Acusação. Abração e feliz 2014!