sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Cine Holliúdy

Cinema cearensês


Este é um daqueles fenômenos que surgem de tempos em tempos. Produções de baixo orçamento, com várias limitações, mas que terminam por atingir o público de uma forma especial, alcançando o sucesso principalmente através do boca-a-boca, sem grandes esquemas de marketing ou distribuição. No caso do Brasil, sem o apoio da Globofilmes, “entidade” dominante em nosso mercado e responsável por quase todos os nossos sucessos comerciais, obter uma boa bilheteria é um feito notável, principalmente se o longa-metragem em questão vem do Nordeste, região historicamente desprezada e vítima dos preconceitos do “Sul Maravilha”, além de economicamente periférica neste Brasil abençoado por Deus e bonito por natureza, mas até hoje extremamente injusto e hipócrita. Sucesso absoluto em Fortaleza, onde obteve na estreia uma excelente média de espectadores por sala (empatou com a média de “Titanic”!) e superou a marca dos 100 mil ingressos vendidos (somente na capital cearense, frise-se), batendo localmente a estreia de blockbusters como “Wolverine – Imortal” e “O Homem de Aço”, “Cine Holliúdy” surge como uma grata surpresa não só por ser uma produção nordestina que conquistou espaço em nosso circuito comercial, mas também – e principalmente – por trazer um sopro de inteligência dentro quadro raso das comédias habituais em exibição nas salas de cinema.

Dirigido por Halder Gomes (co-diretor de “As Mães de Chico Xavier”), também autor do roteiro, o longa é uma versão extendida do curta “Cine Holliúdy – O Artista contra o Caba do Mal” e possui declaradamente contornos da biografia do cineasta, que vivenciou a decadência das salas de cinema nas cidades do interior (no caso dele, em Senador Pompeu, Ceará), principalmente depois da chegada da TV em cores ao Brasil na década de 70, época em que se passa a trama. “Cine Holliúdy” tem muito da metalinguagem de filmes como “Splendor” (1989) e, para citar um exemplo mais famoso, “Cinema Paradiso” (Nuovo Cinema Paradiso, 1988), tendo como ponto central uma autêntica declaração de amor ao cinema, no caso, personificada pelo personagem Francisgleydisson (papel do ótimo ator Edmilson Filho), um sonhador que luta para manter vivas as salas de cinema em cidades do interior. Depois de vários reveses, sua derradeira tentativa será na cidadezinha de Pacatuba, uma das poucas em que ainda não há uma televisão na praça, para onde migra com a esposa (Miriam Feeland) e seu filho. Vários serão os seus desafios, desde a natural falta de recursos para reformar uma antiga sala, passando pelas dificuldades com a politicagem local e a precariedade de equipamentos e rolos de filme.



Em paralelo aos projetos de Francisgleydisson, Halder traça um colorido painel de costumes locais, apresentando personagens pitorescos, além de diálogos e situações dotadas de um humor ao mesmo tempo regional - uma vez que calcado em maneirismos cearenses - mas também universal, capaz de extrair sorrisos abertos de espectadores de qualquer cultura. A própria ideia de se fazer um longa falado em “cearencês” com legendas em português já é bastante espirituosa e acaba funcionando, inclusive, como marketing da produção. Ademais, trata-se de um trabalho com inegável apelo para as amantes da Sétima Arte. A sequência do discurso de Francisgleydisson na inauguração da sala, uma linda declaração de amor ao Cinema como poucas vezes se viu, é para fazer qualquer cinéfilo se emocionar. Ouso dizer, guardadas as diferenças temáticas e importância histórica, que está à altura do famoso discurso de Charles Chaplin em “O Grande Ditador” (The Great Dictator, 1940). Vale notar ainda a trilha sonora, com vários que temas que citam abertamente trilhas clássicas como as de “Tubarão” (Jaws, 1975) e “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (2001 – A Space Odissey, 1968), além da ótima utilização do repertório brega-cult do cantor e compositor Márcio Greick. Destaque-se, ainda, o elenco extenso,mas homogêneo em suas boas atuações, mesmo que Edmilson Filho seja, irremediavelmente, o centro das atenções.


Entretanto, se Halder Gomes desenvolve a primeira metade do longa com criatividade e eficiência, a segunda cai bastante em ritmo e na qualidade do humor, o qual começa a se repetir e a se escorar em regionalismos excessivos. A enorme sequência da primeira sessão da sala é cansativa e perde o interesse já em sua metade. Salva-se a homenagem aos filmes de artes marciais dos anos 70, com especial reverência a Bruce Lee, o ídolo de Francisgleydisson. Contudo, possui um interessante desfecho que leva o espectador a questionar se são fatos ou apenas a imaginação do protagonista, um recurso interessante que enriquece a obra.

Como já frisado acima, “Cine Holliúdy”, apesar de suas falhas, traz algo além do que mera diversão escapista para um fim de semana, como em geral ocorre nas comédias nacionais. Constitui-se, antes de mais nada, em um resgate nostálgico de um cultura que feneceu após a popularização da televisão e, mais adiante, do home video, seja o antigo VHS, o DVD ou o moderno blu-ray. Em outros tempos, muitos frequentavam diariamente as salas de exibição. Hoje, como mencionado nas legendas antes dos créditos finais da película, apenas 5 municípios do Ceará possuem salas de cinema. No Rio Grande do Norte, eu nem sei se chega a tal o número de cidades (até onde tenho conhecimento, apenas Natal e Mossoró possuem salas). Uma pena que nos dias de hoje tão poucas pessoas tenham acesso a essa magia tão encantadora.


Cotação: 



Nota: 7,5
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