terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O Lado Bom da Vida

Dramédia romântica para ver e rever


Sabe aquele filme do qual você está esperando muito e, após vê-lo, suas expectativas se confirmam plenamente? Este é bem o caso deste “O Lado Bom Da Vida”, o filme de David O. Russell que vem sendo elogiado quase à unanimidade tanto pela crítica quanto pelo público. Um longa-metragem que pode ser classificado como “comédia romântica”, mas que oferece muito mais do que meras risadas em torno de um casal que já sabemos que irá terminar junto. Raramente você verá uma CR com personagens tão tridimensionais quanto neste aqui, além de uma carga dramática que passa longe de superficialidades. Aliás, taxar essa película de “comédia romântica” acaba por se tonar algo supérfluo. Sua classificação em “gêneros” pode resultar desastrada e talvez o termo “dramédia” lhe seja mais adequado. Ou, melhor ainda, mais preciso é dizermos que se trata de uma “dramédia romântica”, o que já deixa clara a insuficiência de tais classificações limitadas.

Russell adora tratar de relações familiares em suas obras. Seu trabalho anterior, “O Vencedor” (The Fighter, 2010), focava em uma família onde um dos seus elementos causava uma grande instabilidade no núcleo (personagem que inclusive rendeu Oscar de ator coadjuvante para Christian Bale). Em “O Lado Bom da Vida”, a estrutura é similar, mas há uma relevante distinção. Se em “O Vencedor” a fonte de instabilidade reside em um personagem coadjuvante, aqui o drama familiar é gerado pelo protagonista, um professor portador de transtorno bipolar. E mais: seu “par romântico” na trama também apresenta transtornos de personalidade. Ou seja, não estamos diante de um casal convencional. Ele é Patrick Solitano (papel de Bradley Cooper), um professor internado em um hospital psiquiátrico após quase matar um colega em uma explosão de agressividade (se quer saber as circunstâncias factuais que o levaram a isso, assista ao filme). Ela é Tiffany (interpretada por Jennifer Lawrence), uma jovem que também enfrentou um momento difícil após perder o marido muito cedo e de maneira estúpida. Pat ainda nutre esperanças de que sua ex-esposa, Nikki (Brea Bee), ainda volte pare ele e possam levar um vida juntos, situação que para Tiffany é impossível, já que ela é viúva, não divorciada. É natural que, por conseguinte, ela acabe tomando a iniciativa da relação, uma circunstância atípica, por mais que vivamos hoje em uma sociedade onde as mulheres se tornaram independentes, ainda se apresentando como peculiar.


A dupla de protagonistas é formada, antes de tudo, por indivíduos com quem decididamente não é fácil conviver. Extremamente instáveis e com momentos intempestivos de agressividade, Pat e Tiffany são o tipo de pessoa que é evitado por muitos e acabam por desenvolver amizade apenas com outas pessoas que também são vítimas de algum tipo de transtorno. Eles são o maior ponto de desequilíbrio em suas famílias, muito embora essas também não sejam formadas por tipos convencionais. O pai de Patrick (Robert De Niro, depois de muitos anos em momento inspirado) é um fanático por futebol americano que possui sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo, enquanto a irmã e cunhado de Tiffany formam uma casal disfuncional onde ela comanda a relação com arrogância e autoritarismo e ele, dono de uma personalidade fraca e submissa, parece apenas “cumprir ordens”. Entretanto, talvez por conta da agressividade, eles acabam por ser, digamos assim, as “ovelhas negras da família”.

Pela descrição acima, seria de esperar um filme pesado, onde o espectador sentiria o drama de vidas complicadas a cada cena. Contudo, não é isso que sucede. “Silver Linings Playbook” é um longa bastante engraçado, arrancando risos do público em situações improváveis. É bom ressaltar que ele é baseado no livro de Matthew Quick, um escritor que também passou por períodos de frustração e isolamento antes de alcançar o sucesso. Quick era professor como Patrick e largou o emprego para seguir a carreira literária, só que, como era de se supor, o caminho não foi fácil. Passou por depressão e, diante das dificuldades financeiras, chegou a viver na casa dos sogros. É provável que, devido às suas próprias vivências similares, ele soube perfeitamente extrair comédia das dificuldades e Russell (com o auxílio de um roteiro redondo de sua própria autoria), ao contrário de vários cineastas que tentam o mesmo, acabou se saindo muito bem na adaptação para a telona. O romance também se faz presente, mas, ao contrário do que se imaginaria, sua força só é mais sentida nos minutos finais, quando o longa acaba por assumir alguns quase inevitáveis clichês.


Como já havia demonstrado no mencionado “O Vencedor”, Russell é um ótimo diretor de atores, algo essencial em longas que têm o cerne em relações familiares. O resultado desta conjunção entre um diretor que privilegia as atuações e um roteiro propício para tanto é um elenco extremamente entrosado e com espaço para que todos tenham seu brilho. Bradley Cooper, um ator subestimado por muitos, revela todo o seu potencial na pele de Pat Solitano, entregando uma composição equilibrada e emocional para um personagem que poderia facilmente cair na caricatura. O mesmo se pode falar de Jennifer Lawrence, favorita para o Oscar depois de vencer o Globo de Ouro e o prêmio do Sindicato de Atores por este papel. Ela realmente parece destinada a se tornar a melhor atriz de sua geração e, ouso dizer, talvez seja a sucessora de Meryl Streep, dada a sua versatilidade e energia com que encarna as personagens. Entretanto, possivelmente a maior satisfação para qualquer cinéfilo seja a atuação de Robert De Niro, uma lenda viva do cinema que andou cometendo várias bobagens nos últimos anos, mas aqui recupera sua boa forma e chega a roubar a cena em sequências divertidíssimas. É uma pena ter que escolher entre ele e Christoph Waltz no Oscar. A Academia bem que poderia abrir uma exceção e premiar os dois. Outro ponto alto da projeção é a trilha pop, um passeio sonoro que vai de Led Zeppelin a Frank Sinatra, sempre com canções perfeitamente relacionadas com as situações vistas na tela.

É certo que, como já sublinhado acima, o filme acaba por assumir algumas situações clichês. Há momentos que também trazem a recordação de outros filmes, como a reta final, que lembra “Pequena Miss Sunshine” (Little Miss Sunshine, 2006) – por sinal, outro filme ótimo sobre relações familiares. Mas nada obscurece a humanidade daqueles tipos que por vezes nos fazem esquecer que são apenas personagens de um filme. O envolvimento é inevitável e, sim, às vezes nós precisamos de finais felizes para que continuemos a ter a esperança em finais felizes também fora da ficção, como bem ressalta Pat ao terminar de ler, revoltado, um dos romances de Ernest Hemingway. “O Lado Bom da Vida” é uma daquelas produções que sempre nos deixam com vontade de ver mais um pouquinho, por mais que, no futuro, ela venha a ser reprisada à exaustão na televisão. E não tenho dúvidas que tais reprises incessantes deverão acontecer em um futuro próximo. A audiência vai pedir.


Cotação:



Nota: 9,5
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2 comentários:

Fabiane Bastos disse...

O Bolão do Oscar 2013 já está no ar, e claro, você está convidado!
(http://dvdsofaepipoca.blogspot.com.br/2013/02/bolao-do-oscar-2013.html)

Bons palpites!
As blogueiras do sofá (DVD, Sofá e Pipoca)

renatocinema disse...

"Sabe aquele filme do qual você está esperando muito e, após vê-lo, suas expectativas se confirmam plenamente? " disse tudo......texto perfeito.

E viva De Niro.