sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tudo Pode Dar Certo



Rir de si mesmo é o melhor remédio


Muitos afirmam que Woody Allen há muitos anos faz o mesmo filme. Mas há também quem diga que todo diretor sempre faz o mesmo filme. Há uma parcela de verdade nas duas assertivas, mas também existe muita veracidade ao afirmarmos que é sempre um prazer assistir a mais um rebento da prolífica carreira do diretor nova-iorquino. É ótimo ver como os temas que mexem com sua cabeça (e de muitas outras mundo afora) “neurótica” são repetidos ao longo dos anos, mas nunca soam cansativos. Mostra-se pertinente, inclusive, destacar que Allen sabe abordar suas fixações de maneira bastante eficaz até mesmo em gêneros distintos. Em “Match Point” (2005), por exemplo, um longa de suspense mesclado com sensualidade, ele destaca o papel determinante que o acaso (ou a “sorte” como denominam alguns) pode ter em nossas vidas, mostrando que estas últimas fogem sobremaneira ao nosso controle. E agora, neste recente “Tudo Pode Dar Certo”, obra que se insere dentro do seu estilo mais característico, Allen lança novamente esta ideia para o público.

Quando falo “obra dentro do seu estilo característico” quero sintetizar aqueles filmes cheios de humor onde os relacionamentos são debatidos, suas neuras são exorcizadas com a presença de um personagem que serve de alter-ego e cujas ações se passam em Nova York. Todos esses ingredientes estão presentes neste “Tudo Pode Dar Certo”, cujo roteiro (escrito pelo próprio Allen ainda em 1977, o que talvez explique o retorno ao estilo que o consagrou) narra o cotidiano de Boris (papel de Larry David), um físico que, segundo diz, quase ganhou o prêmio Nobel, perdendo por “questões políticas”. De temperamento difícil, misantropo e ególatra, Boris vive sozinho desde que se separou de sua primeira esposa, ocasião em que tentou o suicídio (sem sucesso, obviamente). Ele tem sua rotina alterada quando conhece Melody (Evan Rachel Wood), uma bela e ingênua jovem vinda do interior que passa a morar com o velho mal-humorado.

Óbvio que as situações apresentadas se tornam um prato cheio para Allen, pois que o próprio viveu situação semelhante na vida real (como sempre, há uma parcela autobiográfica em seus longas). Talvez por isso, seu texto esteja particularmente inspirado, com diálogos e situações que irão com certeza levar o espectador ao riso, afinal possivelmente o maior talento de Allen seja justamente o de rir de si mesmo. E de nos fazer rirmos de nós mesmos. O personagem de Boris cria uma casca de dureza e indiferença para esconder sua fragilidade, como tantos de nós costumamos fazer em nossos relacionamentos. Afinal, muitas das nossas manifestações de egoísmo e vaidade decorrem de nossas carências, normalmente mal-resolvidas durante boa parte da vida (ou toda ela). Por outro lado, fica nítido que Allen procura mais uma vez dar destaque à força do acaso no rumo de nossos destinos, algo que é difícil admitir porque freqüentemente é confortável acreditarmos que temos completo domínio sobre os caminhos que seguimos. A própria Melody surge na vida de Boris como resultado do acaso e, para alguém habituado a lidar com a exatidão da ciência nada pode ser mais angustiante do que sentir a força do imponderável. Ademais, estão presentes ainda na narrativa outros velhos temas de Allen como sua hipocondria, suas velhas brigas com Deus (ele sempre me passa a sensação de querer ser ateu, mas não consegue), além da liberação de amarras culturais.

No plano formal, uma solução muito interessante para a condução da trama é o diálogo direto do personagem de Boris com a plateia (a chamada “quebra da quarta parede”). Embora não seja totalmente original, o recurso funciona muito bem sem soar gratuito, causando no espectador aquela sensação ao mesmo tempo estranha e divertida de estar participando do filme. A mais, temos novamente uma ótima direção de atores, uma da marcas do cineasta, muito embora algumas atuações, principalmente a do protagonista, deixe a desejar em alguns momentos, pois que Larry David não encontra o tom certo para o seu Boris, que às vezes se apresenta excessivamente seco (algo que nunca acontece quando o próprio Allen vai para a frente das câmeras). Já Evan Rachel Wood se sai muito bem com sua Melody, o que não surpreende, já que ela é mesmo talentosa (basta lembrar de sua atuação em “O Lutador”). Também apresentado bons desempenhos estão Patricia Clarkson e Ed Begley Jr., que fazem os pais de Melody e possuem relevância no desenrolar da trama.

De qualquer forma, o que mais interessa é vermos que este senhor de 74 anos não dá mostras de cansaço. Pelo contrário! Sua vitalidade ainda é capaz de nos presentear com longas-metragens que, se por um lado repetem velhos temas, por outro conseguem trazer inteligência para o âmbito de um cinema que anda por demais infantilizado. É muito mais prazeiroso ir ao cinema e saborear uma comédia que nos leva a refletir sobre nossas próprias “neuras” do que engolir uma das muitas “comédias românticas” com começo-meio-e-fim manjados e irreais que costumam ocupar muitas salas no circuito comercial. Assim, torço para que Woody Allen continue nos fazendo rir de nós mesmos a cada novo trabalho.


Cotação:

Nota: 8,5
Blog Widget by LinkWithin

Um comentário:

Sebo disse...

Dos que vi de Allen, esse pra mim é o melhor: engraçado e sarcástico! Uma delíicia de filme ... Escrevi sobre ele, esses dias no meu blog.

Filme massa e paabéns pelo excelente blog!

abs,
sebosaukerl.blogspot.com