domingo, 6 de setembro de 2009

Up - Altas Aventuras


Mais um belo voo da Pixar


Existe algum elogio aos estúdios Pixar que já não tenha sido dito? Esta é uma pergunta pertinente, pois que, nos último anos, a fábrica de ideias comandada por John Lasseter parece, a cada novo longa de animação lançado, superar os seus feitos anteriores. E, é importante sublinhar, sem cair na mesmice ou repetir fórmulas de sucesso. E também sendo ousada o suficiente para conceber provocações como a de realizar uma parcela significativa de seus produtos de uma maneira que lembra o cinema mudo (o chapliniano “Wall-E”) ou exigindo referências culturais menos populares (como em “Ratatouille”, que coloca os elementos da sofisticada cozinha francesa para o grande público). Assim, nos acostumamos a aguardar uma obra-prima a cada lançamento do estúdio que desbancou a Disney do primeiro lugar no pódio das animações (e obrigou a Casa do Mickey a comprar a concorrente, no melhor esquema capitalista de vencer o inimigo).

Agora, com este “Up – Altas Aventuras”, percebemos que o céu é literalmente o limite para a Pixar. Afinal, a sua premissa, por si só, já foge dos padrões pré-estabelecidos ao colocar um idoso de 78 anos como protagonista de uma animação mainstream que busca atingir todos os públicos. E ainda mais estabelecendo uma dupla aventureira entre o Sr. Carl Fredricksen (voz de Chico Anysio na versão em português, excelente, é bom dizer) e Russel, um garoto escoteiro de 8 anos, numa inusitada parceria entre a primeira e a terceira idades. O paralelo entre essas duas fases da vida é estabelecido desde o início, quando o longa inicia-se mostrando a infância de Carl e o início de sua amizade com Ellie, que mais tarde viria a se transformar em sua esposa. Uma “introdução” belíssima, como poucas vezes é vista no cinema atual, sendo equiparada apenas pela introdução cinema mudo de “Wall-E”.

Por sinal, aula de cinema é o que a Pixar vem realizando já faz um bom tempo. Em todos os seus longas há sempre a preocupação com a empatia e envolvimento emocional entre os espectadores e os personagens. E isso é realizado sempre através de uma ótima caracterização dos mesmos, fazendo com que entendamos as suas motivações. Seus personagens sempre são tridimensionais, cheios de sonhos e até defeitos. Afinal, a Pixar faz filmes para toda a família, não apenas para os pequenos (como fazia a Disney até há algum tempo). Carl é o típico caso de um velhinho que se tornou ranzinza e isolado após a morte de sua esposa. E isso inclui tomar atitudes pouco louváveis, como agredir um funcionário de uma construtora que quer comprar a casa onde ele passou toda sua vida com Ellie.

Entretanto, é justamente na realização dos sonhos que “Up” se foca. O grande sonho de Ellie, ao longo de toda sua existência, era o de conhecer o famoso “Paraíso das Cachoeiras”, região perdida da América do Sul desbravada pelo ídolo de infância de ambos: Charles Muntz. Contudo, devido àquelas várias circunstâncias da vida, eles não conseguem concretizar o desejo enquanto Ellie está viva. E Carl parte para realizá-lo depois de sua morte, usando para isso uma infinidade de balões amarrados à sua casa (não, o filme não é baseado na história do padre brasileiro que voou amarrado a balões e acabou morrendo nessa empreitada). Talvez “Up” seja a animação que mais aborde, de forma clara e direta, a temática do luto. Tudo bem que o “O Rei Leão” e “Bambi” já haviam mostrado o tema da perda com cores fortes, mas o luto aqui é bem mais desenvolvido e humanizado que nos dois clássicos da Disney. Toda a ação neste “Altas Aventuras” é decorrente do luto de Fredericksen e de seu sentimento de que a vida só faz sentido com a presença de Ellie. Se não fisicamente, mas através da concretização dos sonhos compartilhados.

Todos esses elementos são mostrados com a competência de sempre pela Pixar. Falar de seus aspectos técnicos e elogiá-los é redundância, ainda mais agora com o crescimento da tecnologia 3D. A direção de Pete Docter e Bob Peterson (que também são os roteiristas) é segura como sempre e, mesmo que o roteiro peque um pouco em alguns aspectos (como a abordagem apressada dos fatos que levam ao embate entre o vilão e nossos heróis), isso é facilmente superado se compreendermos que as animações do estúdio são voltadas também para as crianças (é importante lembrar disso :=)). Não faltam ainda as tradicionais referências cinematográficas, levadas a cabo de forma bem mais sofisticada que nas animações da Dreamworks, estas muitas vezes bobas e até cansativas no seu intuito tolo de querer ser “pop” e “descolado”. Aqui, temos referências até a “Cidadão Kane”, passando ainda pelas fisionomias dos personagens (a de Carl me lembrou Spencer Tracy e a de Muntz a de Kirk Douglas). E é interessante observar com o cinema americano parece estar voltando seus olhos para a terceira idade (alguns momentos do filme me lembraram o recente “Gran Torino”, do genial Clint Eastwood).

Havendo espaço para muitas risadas (Russel é mesmo um garotinho impagável) e abordagem ecológica (algo que já havia acontecido em “Wall-E”), o que mais marca em “Up” são mesmo as lágrimas. Não que o filme seja triste, longe disso, mas sua veia emocional é tão desenvolvida e cativante que poderá fazer muitos, até mesmo os mais durões, deixarem aquela pequena lágrima escorregar ainda no início da projeção. Vou confessar aqui que isso aconteceu comigo. E é importante recordar, como já mencionei em outras oportunidades, que raramente deixo lágrimas caírem em filmes (a última vez, pelo menos que eu lembre, havia sido em “Cinema Paradiso”, ao qual assisti por volta dos 14 anos). A Pixar Animation Studios dá mais uma grande contribuição à arte cinematográfica. Não é à toa que John Lasseter será homenageado este ano no corrente “Festival de Veneza” exatamente por isso: as constantes aulas de cinema ministradas pelo estúdio que comanda.

Obs. Não deixe de chegar cedo à sessão para assistir ao divertido curta “Parcialmente Nublado”.

Cotação: * * * * * (cinco estrelas)
Nota: 10,0
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