Brinquedo Proibido
Antes da Nouvelle Vague
René Clément é provavelmente o diretor francês mais atacado pela “Cahiers du Cimemá”, o lendário periódico editado por André Bazin que serviu de ninho para alguns críticos se aventurarem em uma nova forma de se fazer cinema. Os criadores da chamada “Nouvelle Vague” (nova onda, em francês), entre eles ninguém mais, ninguém menos que François Truffaut e Jean-Luc Godard, tinham o hábito de ridicularizar Clément, colocando-o como exemplo do cinema comercial então vigente na França, modelo de produto não autoral que não deveria ser seguido. Para os adeptos da Nouvelle Vague, os verdadeiros diretores eram aqueles que deixavam traços autorais, marcas de artista em cada um de seus longas e Clément, segundo eles, era uma espécie de diretor “cosmético”, que fazia filmes destinados apenas a entreter as famílias nos fins de semana. Entretanto, com o passar do tempo, podemos perceber o quanto havia de pura birra da nova geração com a antiga. Vale dizer que Truffaut e Godard eram fãs do cinema americano, seus ídolos eram diretores como Hitchcock (que desde os anos 40 já dirigia nos EUA), John Ford e Howard Hawks e o cinema americano é justamente a mais notável influência na carreira de René Clément. Este, por sua vez, estava longe de se limitar a fazer filmes meramente comerciais e um belo exemplo de seu caráter mais profundo e autoral é “Brinquedo Proibido” (Jeux Interdits), seu longa de 1952.
Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza e vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro (além de uma indicação de melhor roteiro, escrito por François Boyer e o próprio Clément, ao prêmio da Academia), talvez este seja um dos filmes que mais conseguiram sucesso em equilibrar temas pesados com uma certa leveza. Principalmente se lembrarmos que Clément consegue extrair bom humor da narrativa ainda há poucos anos do fim da Segunda Guerra Mundial, e sem jamais perder o foco do aspecto central da obra: a necessidade de superar as perdas e seguir em frente.
A trama narra a história de uma garotinha por volta dos 6 anos de idade, Paullete (Brigitte Fossey), que vê os pais morrerem diante dos seus olhos durante um bombardeio a um grupo de refugiados que saíam de Paris para o interior. Com seu cachorrinho, também morto, nos braços a menina acaba encontrando Michell (Georges Poujouly), um garoto por volta de seus 11 anos, integrante de uma família camponesa, os Dollé. Juntos, os dois criam um cemitério para os animais que encontram mortos, colocando cruzes em cada uma de suas “tumbas”. Uma forma de resistência das duas crianças para com a brutalidade do mundo que os rodeia. Brutalidade advinda não apenas do conflito armado, mas também do meio humano. A família de Michell está sempre mais preocupada com sua rivalidade com os vizinhos do que em dar a sensação de segurança e afeto para as crianças. Dentro deste ambiente, não é à toa que Michell enxergue Paullete como sua verdadeira família e, por isso, despende tantos esforços para atender aos desejos e projetos da inocente garota. Esta, por sua vez, simboliza no intento de enterrar seu cão (e os demais animais mortos que vão formando o pequeno cemitério) a vontade de que igual tratamento fosse dado a seus pais. Clément parece enxergar a necessidade de não só a França, mas toda a Europa, enterrar seus mortos e seguir em frente, etapa necessária para a superação dos traumas recentes e a busca por uma nova perspectiva de futuro.
Essa ótica infantil diante de um conflito faria escola no cinema. Percebe-se claramente sua influência em longas como “Império do Sol”, de Steven Spielberg, onde um garoto perde-se dos pais e passa também a enfrentar o desamparo em um mundo inóspito. Ademais, o diretor parece ser um dos precursores em desenvolver uma estética de filmar a guerra, como na mencionada sequência inicial do bombardeio sobre o grupo de refugiados, um domínio da técnica cinematográfica que talvez irritasse os jovens da “Cahiers du Cinemá”, domínio que estes não possuíam (e que os levaria a trazer uma revolução para o cinema no estilo “faça você mesmo” da Nouvelle Vague). O know-how de Clément, ademais, se estendia para além do plano fotográfico, alcançando ainda a utilização da trilha sonora como catalisador dramático e também se mostrando capaz de uma ótima direção de atores. Afinal, o longa se mostraria estéril sem a presença de cena e carisma dos atores mirins. Brigitte Fossey, a garotinha, ironicamente iria se tornar no futuro uma das atrizes de “O Homem Que Amava As Mulheres”, de Truffaut (para depois sumir, tanto quanto Poujouly, o ator mirim, também sumiu, algo bastante comum entre estrelas infantis).
O final em aberto do filme faz notar claramente que agradar às massas não era a preocupação primordial de seu diretor. Há, sim, uma preocupação com um envolvimento da plateia, mas isso está longe de constituir um defeito. Afinal, existe filme mais chato do que aquele que o cineasta realiza apenas pra si mesmo? É esse o tipo de cinema que Godard, por exemplo, acabou por realizar em sua fase mais “madura”, filmes que, em sua maioria, ninguém consegue assistir inteiros. Com todo o respeito aos revolucionários da Nouvelle Vague (que realizaram obras-primas definitivas da sétima arte, é bom recordar), mas eles deviam relembrar algumas lições dos velhos diretores franceses de como realizar uma obra autoral sem levar o público ao tédio, meta plenamente alcançada por este “Brinquedo Proibido”.
Classificação: * * * * * (cinco estrelas)
Nota: 10,0
Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza e vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro (além de uma indicação de melhor roteiro, escrito por François Boyer e o próprio Clément, ao prêmio da Academia), talvez este seja um dos filmes que mais conseguiram sucesso em equilibrar temas pesados com uma certa leveza. Principalmente se lembrarmos que Clément consegue extrair bom humor da narrativa ainda há poucos anos do fim da Segunda Guerra Mundial, e sem jamais perder o foco do aspecto central da obra: a necessidade de superar as perdas e seguir em frente.
A trama narra a história de uma garotinha por volta dos 6 anos de idade, Paullete (Brigitte Fossey), que vê os pais morrerem diante dos seus olhos durante um bombardeio a um grupo de refugiados que saíam de Paris para o interior. Com seu cachorrinho, também morto, nos braços a menina acaba encontrando Michell (Georges Poujouly), um garoto por volta de seus 11 anos, integrante de uma família camponesa, os Dollé. Juntos, os dois criam um cemitério para os animais que encontram mortos, colocando cruzes em cada uma de suas “tumbas”. Uma forma de resistência das duas crianças para com a brutalidade do mundo que os rodeia. Brutalidade advinda não apenas do conflito armado, mas também do meio humano. A família de Michell está sempre mais preocupada com sua rivalidade com os vizinhos do que em dar a sensação de segurança e afeto para as crianças. Dentro deste ambiente, não é à toa que Michell enxergue Paullete como sua verdadeira família e, por isso, despende tantos esforços para atender aos desejos e projetos da inocente garota. Esta, por sua vez, simboliza no intento de enterrar seu cão (e os demais animais mortos que vão formando o pequeno cemitério) a vontade de que igual tratamento fosse dado a seus pais. Clément parece enxergar a necessidade de não só a França, mas toda a Europa, enterrar seus mortos e seguir em frente, etapa necessária para a superação dos traumas recentes e a busca por uma nova perspectiva de futuro.
Essa ótica infantil diante de um conflito faria escola no cinema. Percebe-se claramente sua influência em longas como “Império do Sol”, de Steven Spielberg, onde um garoto perde-se dos pais e passa também a enfrentar o desamparo em um mundo inóspito. Ademais, o diretor parece ser um dos precursores em desenvolver uma estética de filmar a guerra, como na mencionada sequência inicial do bombardeio sobre o grupo de refugiados, um domínio da técnica cinematográfica que talvez irritasse os jovens da “Cahiers du Cinemá”, domínio que estes não possuíam (e que os levaria a trazer uma revolução para o cinema no estilo “faça você mesmo” da Nouvelle Vague). O know-how de Clément, ademais, se estendia para além do plano fotográfico, alcançando ainda a utilização da trilha sonora como catalisador dramático e também se mostrando capaz de uma ótima direção de atores. Afinal, o longa se mostraria estéril sem a presença de cena e carisma dos atores mirins. Brigitte Fossey, a garotinha, ironicamente iria se tornar no futuro uma das atrizes de “O Homem Que Amava As Mulheres”, de Truffaut (para depois sumir, tanto quanto Poujouly, o ator mirim, também sumiu, algo bastante comum entre estrelas infantis).
O final em aberto do filme faz notar claramente que agradar às massas não era a preocupação primordial de seu diretor. Há, sim, uma preocupação com um envolvimento da plateia, mas isso está longe de constituir um defeito. Afinal, existe filme mais chato do que aquele que o cineasta realiza apenas pra si mesmo? É esse o tipo de cinema que Godard, por exemplo, acabou por realizar em sua fase mais “madura”, filmes que, em sua maioria, ninguém consegue assistir inteiros. Com todo o respeito aos revolucionários da Nouvelle Vague (que realizaram obras-primas definitivas da sétima arte, é bom recordar), mas eles deviam relembrar algumas lições dos velhos diretores franceses de como realizar uma obra autoral sem levar o público ao tédio, meta plenamente alcançada por este “Brinquedo Proibido”.
Classificação: * * * * * (cinco estrelas)
Nota: 10,0
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