Quase à deriva
O que caracteriza o denominado “cinema da retomada”? Antes de responder cabe informar que essa é a expressão utilizada para identificar o cinema produzido no Brasil a partir de meados do anos 90, quando a produção nacional começou a se recuperar do grande baque que sofreu no fim dos anos 80 e início dos anos 90, período em que quase deixou de existir. Feito este esclarecimento, podemos encontrar duas vertentes marcantes nas produções da Terra Brasilis nestes últimos 15 anos. A primeira é a busca por formar um público consumidor para as películas nacionais. Buscando um parâmetro hollywoodiano, os realizadores brasileiros estão procurando criar um modelo de produção que se amolde ao gosto médio dos espectadores brasileiros. Isso passa, obviamente, pela qualidade técnica. Foi-se o tempo em que os filmes brasileiros apresentavam som inaudível e fotografia capenga. O bê-a-bá já foi absorvido e a plateia encara estes aspectos atualmente como mera obrigação e não mais um atrativo. Por outro lado, o gosto do brasileiro médio é bastante contaminado pelo padrão Globo de dramaturgia. E isso tem implicado em filmes com uma linguagem primordialmente televisiva. O exemplo emblemático de filme talhado para as massas tupiniquins é o recente “E Se Eu Fosse Você 2”, longa de Daniel Filho, maior sucesso brasileiro da retomada.
Uma outra vertente do cinema da retomada é aquela que busca um destaque internacional, à procura de selos de qualidade que chancelem a existência de um cinema de autor em nosso país. São diretores que miram em festivais, prêmios e até mesmo no Oscar como forma de reconhecimento de que no Brasil também se faz cinema pensante. É o caso dos filmes de Walter Salles, por exemplo, que obteve o Urso de Ouro no Festival de Berlim e ainda conseguiu duas indicações ao prêmio da Academia de Hollywood. E há ainda aqueles que conseguiram ambos os intentos, como o caso clássico de “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, sucesso absoluto de público e crítica (não é à toa que figura entre 15 melhores da década no ranking do IMDB).
E é dentro deste último filão, o dos filmes que procuram agradar crítica e público, que parece querer se encaixar este “Á Deriva”, novo longa metragem de Heitor Dhalia (diretor de “Nina” e do elogiado “O Cheiro do Ralo”). Para começo de conversa, o filme pretende a todo momento fisgar o espectador pela imagem. Até mesmo pela ambientação apresentada, uma cidade de veraneio, cheia de praias, céu azul e ondas espumantes, tudo com fotografia caprichada que realça os dourados dos raios solares e corpos transbordando de sensualidade (principalmente o das adolescentes, o que me fez enxergar um certo viés “lolitiano” do diretor de fotografia Carlos Della Rosa). Perfeita fórmula atraente para se mostrar um dos momentos típicos da doce vida burguesa: as férias de verão.
É nesse ambiente que Felipa (a estreante Laura Neiva, descoberta através do Orkut) vive as situações típicas da adolescência: pegações, namoricos bobos, atitudes igualmente tolas e sem sentido, quando se depara com uma situação que realmente lhe trará uma perspectiva diferente da vida. Ela descobre que seu pai (Vincent Cassel) tem uma amante (Camilla Belle), enquanto sua mãe (Débora Bloch) parece afundar cada vez mais no alcoolismo. Ou seja, trata-se de mais um longa sobre ritos de passagem, temática frequente em filmes com maiores pretensões, mas também bastante utilizada em produtos para o grande público. Entretanto, a primeira metade do filme se mostra tediosa, cansativa, principalmente para uma faixa etária mais madura, sem muita paciência para namoricos adolescentes. Entretanto, no último terço do longa as cores parecem tomar outro contorno, mais complexo, e creio que foi justamente essa pequena reviravolta do roteiro (escrito pelo próprio Dhalia) que fez o longa acabar sendo exibido em Cannes, dentro da mostra “Um Certain Regard”. Nada de muito espetacular (talvez até alguns percebam antes os tais rumos), mas é inegável que o filme ganha muito em seu final. Ainda assim, o tédio seria completo não fossem as boas atuações do elenco. Tanto Vincent Cassel quanto Débora Bloch estão bastante convincentes em seus papéis e Laura Neiva mostra-se uma ótima surpresa ao conferir muita credibilidade às inquietudes e surpresas de Felipa. Sua expressão em algumas cenas é a responsável por dar significado ao título “À Deriva”. Claro que aí entra também a sensibilidade de Heitor Dhalia, o qual mostra competência ao abordar o universo feminino, em contraposição ao seu longa anterior, o masculino “O Cheiro do Ralo”.
Contudo, “Á Deriva” está fadado a não agradar nem muito ao público médio nem à crítica. Não é envolvente o suficiente para conquistar o primeiro (apesar da bela fotografia e do “lolitismo”) e nem tem recursos artísticos que impressionem a segunda. Neste último aspecto, vale dizer que a perda da virgindade como uma espécie de transição para a vida adulta é uma metáfora já bastante clichê (além de obviamente falsa). E, no fim das contas, em um resultado mediano, Heitor Dhalia acaba apenas escapando de não deixar seu filme literalmente à deriva. Tal constatação me permite concluir que os aplausos entusiasmados depois de sua exibição em Cannes vieram mesmo de uma plateia repleta de brasileros...
Cotação: * * * (três estrelas)
Nota: 7,0
Uma outra vertente do cinema da retomada é aquela que busca um destaque internacional, à procura de selos de qualidade que chancelem a existência de um cinema de autor em nosso país. São diretores que miram em festivais, prêmios e até mesmo no Oscar como forma de reconhecimento de que no Brasil também se faz cinema pensante. É o caso dos filmes de Walter Salles, por exemplo, que obteve o Urso de Ouro no Festival de Berlim e ainda conseguiu duas indicações ao prêmio da Academia de Hollywood. E há ainda aqueles que conseguiram ambos os intentos, como o caso clássico de “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, sucesso absoluto de público e crítica (não é à toa que figura entre 15 melhores da década no ranking do IMDB).
E é dentro deste último filão, o dos filmes que procuram agradar crítica e público, que parece querer se encaixar este “Á Deriva”, novo longa metragem de Heitor Dhalia (diretor de “Nina” e do elogiado “O Cheiro do Ralo”). Para começo de conversa, o filme pretende a todo momento fisgar o espectador pela imagem. Até mesmo pela ambientação apresentada, uma cidade de veraneio, cheia de praias, céu azul e ondas espumantes, tudo com fotografia caprichada que realça os dourados dos raios solares e corpos transbordando de sensualidade (principalmente o das adolescentes, o que me fez enxergar um certo viés “lolitiano” do diretor de fotografia Carlos Della Rosa). Perfeita fórmula atraente para se mostrar um dos momentos típicos da doce vida burguesa: as férias de verão.
É nesse ambiente que Felipa (a estreante Laura Neiva, descoberta através do Orkut) vive as situações típicas da adolescência: pegações, namoricos bobos, atitudes igualmente tolas e sem sentido, quando se depara com uma situação que realmente lhe trará uma perspectiva diferente da vida. Ela descobre que seu pai (Vincent Cassel) tem uma amante (Camilla Belle), enquanto sua mãe (Débora Bloch) parece afundar cada vez mais no alcoolismo. Ou seja, trata-se de mais um longa sobre ritos de passagem, temática frequente em filmes com maiores pretensões, mas também bastante utilizada em produtos para o grande público. Entretanto, a primeira metade do filme se mostra tediosa, cansativa, principalmente para uma faixa etária mais madura, sem muita paciência para namoricos adolescentes. Entretanto, no último terço do longa as cores parecem tomar outro contorno, mais complexo, e creio que foi justamente essa pequena reviravolta do roteiro (escrito pelo próprio Dhalia) que fez o longa acabar sendo exibido em Cannes, dentro da mostra “Um Certain Regard”. Nada de muito espetacular (talvez até alguns percebam antes os tais rumos), mas é inegável que o filme ganha muito em seu final. Ainda assim, o tédio seria completo não fossem as boas atuações do elenco. Tanto Vincent Cassel quanto Débora Bloch estão bastante convincentes em seus papéis e Laura Neiva mostra-se uma ótima surpresa ao conferir muita credibilidade às inquietudes e surpresas de Felipa. Sua expressão em algumas cenas é a responsável por dar significado ao título “À Deriva”. Claro que aí entra também a sensibilidade de Heitor Dhalia, o qual mostra competência ao abordar o universo feminino, em contraposição ao seu longa anterior, o masculino “O Cheiro do Ralo”.
Contudo, “Á Deriva” está fadado a não agradar nem muito ao público médio nem à crítica. Não é envolvente o suficiente para conquistar o primeiro (apesar da bela fotografia e do “lolitismo”) e nem tem recursos artísticos que impressionem a segunda. Neste último aspecto, vale dizer que a perda da virgindade como uma espécie de transição para a vida adulta é uma metáfora já bastante clichê (além de obviamente falsa). E, no fim das contas, em um resultado mediano, Heitor Dhalia acaba apenas escapando de não deixar seu filme literalmente à deriva. Tal constatação me permite concluir que os aplausos entusiasmados depois de sua exibição em Cannes vieram mesmo de uma plateia repleta de brasileros...
Cotação: * * * (três estrelas)
Nota: 7,0
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