Manipulação competente
Ainda me lembro da ocasião em que soube da notícia do tsunami que devastou a vários países da Ásia no final de 2004. Eu estava em um encontro de final de ano com antigos amigos da faculdade e um deles comentou: “vocês viram o que está acontecendo na Ásia? Um onda gigante está destruindo tudo por lá...”. Eu ainda não sabia e achei a notícia estranha. Quando cheguei em casa, era só isso que se divulgava nos noticiários de TV, com as imagens e números cada vez maiores de vítimas. O maior desastre natural a que já tinha visto na vida. Um horror sem tamanho que colocou a palavra “tsunami” na boca do povo e que fez qualquer morador de uma cidade litorânea (Natal, no meu caso) ficar assombrado.
Anos depois, o cinema começou a levar às telas este tema, o tipo de drama universal que toca qualquer ser humano. O primeiro a que pude assistir foi “Além da Vida” (Hereafter, 2010), do gênio Clint Eastwood, filme que até recebeu indicação ao Oscar de efeitos especiais somente pela cena em que a onda gigante atinge a praia. Agora, temos em exibição nos cinemas “O Impossível”, produção espanhola dirigida pelo também espanhol Juan Antonio Bayona (de “O Orfanato”) que explora ao máximo o potencial lacrimogêneo de uma história passada nessas circunstâncias limite. Afinal, são duas vertentes reunidas em um mesmo filme que costumam atrair bilheteria: catástrofe e sofrimento familiar. Ou seja, um pacote completo para fazer você sair da sala de exibição dizendo que caiu um cisco no olho. E Bayona se mostra, realmente, um manipulador competente para atingir tal objetivo.
Primeiramente, a adaptação de uma história real passada no mencionado evento alterou a nacionalidade dos envolvidos. A família espanhola verídica foi substituída por uma família anglo-saxã, um recurso para fazer com que o público norte-americano pudesse ir aos cinemas assistir ao filme (era provável que eles não o fizessem se a família no filme fosse realmente ibérica). E aí vemos a narrativa nos mostrar pai (Ewan McGregor), mãe (Naomi Watts) e três filhos britânicos que vivem no Japão e estão de férias na Tailândia. O roteiro, escrito por Ségio G. Sánchez, inicia naquele estilo “filme de aeroporto”, mostrando a viagem e as preocupações corriqueiras de uma família de classe média alta, o que pode até possuir uma conotação irônica, deixando transparecer entrelinhas o quanto esta mesma classe média parece se preocupar diuturnamente com questões de pequena importância que parecem assumir proporções gigantescas. Quando estão em um resort, vem a tão assombrosa onda que devasta toda a região e provoca a morte de milhares de pessoas. Pela força das circunstâncias, a família a é separada em dois grupos, sendo um com Maria (a mãe) e Lucas (Tom Holland), o filho mais velho, e outro com Henry (o pai) e os dois filhos menores (Samuel Joslin e Oaklee Pendergast). A tentativa de reencontro dos dois núcleos será o mote da ação.
Não vou aqui afirmar que não se trata de uma história emocionante. Claro que é e seria impossível (ops, perdão pelo trocadilho) que a emoção não transbordasse na tela. Há algumas sequências de fazer um rinoceronte se sensibilizar e confesso que uma em especifico, [SPOILER] quando os irmãos se reencontram [FIM DE SPOILER], bate fundo. Além disso, o realismo (algo muito buscado pelo público contemporâneo) imprimido por Bayona impressiona em várias passagens, deixando todo o terror dos acontecimentos transbordar na tela em cores vivas. Entretanto não se pode negar que o cineasta espanhol também se valeu de elementos manipuladores para induzir o público a uma catarse ainda maior. A trilha sonora (de Fernando Velázquez), invasiva e repleta de excessos, é um claro exemplo de tal aspecto. Além disso, vários desencontros vistos na trama, principalmente na sua segunda metade, parecem mais invenções de roteirista, propícias par aumentar o suspense, do que realidade factual.
Por outro lado, o drama da catástrofe não deixa de ser terreno fértil para boas atuações. Se Ewan McGregor me pareceu apenas correto, não convencendo muito em algumas cenas mais dramáticas, Naomis Watts entrega uma belíssima atuação que deverá lhe garantir uma indicação ao próximo prêmio da Academia de Hollywood (já lhe rendeu uma indicação para o Sindicato de Atores e também ao Globo de Ouro). Ela realmente está ótima, provavelmente em sua melhor atuação até hoje, exibindo uma performance cheia de alma a cada cena. Contudo, ainda melhor do que Naomi me pareceu o elenco infantil. Os garotos são simplesmente sensacionais e acredito que Tom Holland, intérprete do mais velho, merecia também uma indicação ao Oscar, tamanha a sua desenvoltura e naturalidade na tela.
A despeito da citada manipulação, pode-se afirmar que “O Impossível” é um bom filme, mesmo que o seu final traga uma visão ocidentalizada de que este episódio na vida da família tenha se resumido a um espécie de “férias frustradas”, esquecendo o sofrimento daqueles que lá permaneceram (ou seja,da população local). De qualquer forma, se você for daqueles(las) que choram fácil as lágrimas estarão garantidas e mesmo os mais durões não escaparão de algumas inevitáveis emoções (na sala onde vi, muitas pessoas batiam palmas no fim da película). Basta lembrar dos fatos reais para se sensibilizar e imagino que daqui a algum tempo também veremos nos cinemas filmes sobre o tsunami do Japão.
Cotação:
Nota: 8,0
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Obs. Este foi o último post de 2012. Um feliz 2013 para todos! Grande abraço!
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Obs. Este foi o último post de 2012. Um feliz 2013 para todos! Grande abraço!
3 comentários:
Parece-me um bom filme, Fábio. Fiquei curioso, sim. E pra você e toda sua familia, Fábio, um feliz ano novo. Estaremos, irmão, sempre ai, Até...
Ainda não tive oportunidade de assistir, mas tua opinião sempre é muito válida para mim. Ela acabou de me dar um Up na vontade de assistir, pois li algumas críticas que me desanimaram um bocado...
Tocante e pungente, ainda que claramente utilize-se de situações-chave pra manipular e atrair emoção do público, é um bom roteiro...bem dirigido e achei muito bem construído, os atores estão bem, destaque pra Watts que foi indicada ao Oscar e Holland que merecia até mais que ela concorrer. Seu texto está muito bem delineado, parabéns
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