terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Moonrise Kingdom

Eternas crianças


Esta foi minha primeira experiência com a obra do cineasta Wes Anderson. Sim, pode parecer estranho, mas nunca havia assistido nem mesmo aos seus filmes mais incensados, como “Os Excêntricos Tenenbaums” (The Royal Tenenbaums, 2001). Mas para tudo há uma primeira vez e, diante dos vários elogios ao seu trabalho mais recente, “Moonrise Kingdom”, resolvi que estava mais do que na hora de conhecer a obra deste diretor que divide opiniões, mas que, por outro lado, possui uma das filmografias mais autorais no atual momento do cinema norte-americano, algo que pude de fato constatar já na primeira imagem da película em questão.

Logo de imediato, percebi que Anderson possui um cuidado extremo com o aspecto imagético dos seus filmes. Cada cena aparenta ter sido minuciosamente pensada em sua direção de arte, utilizando-se de cenários com cores marcantes e uma fotografia que realça os tons dos ambientes, com uma estética similar aos dos filmes do gênio Stanley Kubrick, nitidamente uma de suas influências. Outro aspecto que me chamou a atenção foi o ritmo de quadrinhesco da ação vista na tela. A referida elaboração das cenas nos faz imaginá-las como destacadas umas das outras, trazendo um efeito semelhante ao que temos ao ler uma HQ. Mesmo os personagens parecem ser concebidos desta forma, alguns com características que beiram o caricatural, trazendo um leve tom cômico que permeia toda a projeção, mesmo que em nenhum momento sejamos levados ao riso aberto. Toda a trama de Moonrise Kingdom, escrita pelo próprio diretor em parceria com Roman Coppola, pareceu-me ser facilmente adaptável para uma graphic novell, caso algum autor de quadrinhos resolvesse levar a obra a um caminho inverso do que normalmente vem ocorrendo na cultura pop.

Entretanto, se mencionei acima o humor como um dos elementos que Anderson utiliza para contar sua história, não há dúvida que o forte em “Moonrise Kingdom” é seu aspecto dramático. Afinal, trata-se de um conto sobre dois pré-adolescentes, Suzy Bishop (Kara Hayward) e Sam Shakusky (Jared Gilman), um casalzinho que se apaixona e resolve fugir para viver um grande amor. O ano é 1965 e ambos vivem na pequena ilha de New Penzance, na Nova Inglaterra, um daqueles lugares pouco habitados com rios e florestas que povoam o imaginário norte-americano como referência de tranquilidade. Suzy é filha de Walt (Bill Murray) e Lara Bishop (Frances McDormand), um casal cujo distanciamento os leva a se tratar por “doutor e doutora”. A mãe, inclusive, mantém um relacionamento extraconjugal com o capitão Sharp (Bruce Willis, bem melhor do que de costume), o único policial da localidade. O garoto Sam, por sua vez, é um órfão acolhido por uma família que não lhe dá importância e que procura fazer amizades no grupo de escoteiros do qual participa, no acampamento Invanhoé, liderado pelo Escoteiro-Chefe Ward (Edward Norton). Após uma relação construída eminentemente através de trocas de correspondência, os dois partem para uma aventura onde se bastarão um ao outro, vivendo em uma espécie de paraíso onde não mais terão de interagir com um mundo que lhes é frio e indiferente.


Uma das propostas de Anderson com a narrativa é justamente confundir o mundo dos adultos e das crianças. Em vários momentos percebemos que os personagens adultos assumem comportamentos e tomam atitudes infantis e o inverso também é verdadeiro. Ou seja, no fundo seríamos eternas crianças buscando abrigo diante da aridez da sociedade em que vivemos e a formação de vínculos afetivos se coloca como a melhor maneira de atingir tal intento. É a busca desses vínculos que faz com que tanto o capitão Sharp quanto o Escoteiro-Chefe Ward desenvolvam um sentimento paternal em relação a Sam ao descobrirem que o menino é órfão. Da mesma forma, Sam acredita que todo o resto da humanidade é supérfluo, pois que, na sua visão, Suzy é a única pessoa que o ama. Ademais, a relação entre Sam e Suzy é a síntese de toda relação homem-mulher, onde o menino se vale de suas habilidades para dar as condições de sobrevivência à menina que ama. O paraíso proposto por Anderson parece se apresentar, assim, como o retorno aos papeis tradicionais do homem e da mulher, onde ambos viveriam de forma plena sua masculinidade e feminilidade, em um estado de pureza distante dos condicionamentos sociais. A maneira com que o diretor nos apresenta tais perspectivas mostra-se extremamente sensível e feliz, chegando a nos despertar o desejo de ter de volta a pureza e inocência de Sam e Suzy, de reviver as descobertas que eles vivem na tela.


Devo dizer, ainda, que Anderson realmente possui um senso de ritmo excelente, pois jamais a sua trama ameaça se tornar enfadonha e consegue contá-la sem buracos em apenas 94 minutos de película. Além disso, como em outras oportunidades, conseguiu reunir um elenco de peso, onde nomes como Edward Norton e Bill Murray nos entregam ótimas atuações. A direção de atores é tão eficiente que até Bruce Willis consegue sair das suas tradicionais caretas e nos faz esquecer um pouco que aquela figura na tela é ele, Bruce Willis. No mesmo sentido, também o casal de garotos demonstra talento, principalmente Kara Hayward, intérprete de Suzy. Por outro lado, de igual importância se mostra a trilha sonora, um elemento tão relevante no filme quando sua concepção imagética, marcando tanto seus créditos iniciais quanto finais.

Mas o melhor de tudo, todavia, mesmo diante de uma certa previsibilidade no desfecho, é a emoção que Anderson conseguiu gerar com este filme ao mesmo tempo adulto e infantil, o que me causou uma certa surpresa. Sempre li comentários acusando o diretor de criar obras emocionalmente frias, o que me trazia a impressão de que seu trabalho seria bastante semelhante ao dos Irmãos Cohen. Em verdade, acredito que seu cinema se coloca mais próximo do trabalho de outro grande realizador contemporâneo, Tim Burton, ao conceber um universo próprio e autoral, mas sem perder de vista de que o cinema deve tocar os corações daqueles que o admiram. Afinal, ao comprarmos o ingresso para uma sessão ou um DVD ou blu-ray par vermos em casa, o que pretendemos, em última análise, é sermos envolvidos por uma mágica que nos faça viajar e emocionar. E, da mesma forma que Sam consegue levar Suzy para o seu reino particular, Anderson carrega o espectador para dentro desta adorável fábula. Um feito admirável, sem qualquer dúvida. E concluo afirmando que minha primeira experiência com o cinema de Wes Anderson foi, inegavelmente, muito prazerosa.


Cotação:



Nota: 9,5
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2 comentários:

renatocinema disse...

Amigo o charme desse diretor é contar como é bom ser imprevisível. kkk.

Adoro o estilo desse cineasta maluco, genial e infantil ao mesmo tempo.

A pureza citada por você no texto é o que me chamo mais a atenção nesse filme, e que sempre vejo em seus traalhos.


abraços

Hugo disse...

Ainda assisti este filme, mas pelos outros trabalhos de Wes Anderson fica claro que o sujeito é no mínimo original, imprimindo o estilo próprio na narrativa, história e construção dos personagens.

Abraço