Splendor
(1989)
Cada cidade tem o seu Splendor
Quando se fala em injustiça no cinema costumamos logo associar a palavra às malfadadas premiações anuais (entre elas o nosso querido Oscar), que vez ou outra entregam os louros para obras que deixam aquela dúvida sobre os seu reais méritos em detrimento de outras de valor artístico incontestável. No entanto, existem outras formas de injustiça, talvez até mais graves, como quando uma película de grande qualidade acaba simplesmente esquecida da memória tanto dos críticos quanto dos admiradores da Sétima Arte, tornando-se uma obra pouco vista, sendo esquecida até mesmo pelas distribuidoras no mercado de home video. Este é o caso de “Splendor”, filme italiano lançado em 1989 e dirigido pelo grande Ettore Scola e que conta ainda com os atores Marcelo Mastroiani e Massimo Troisi (o carteiro de “O Carteiro e o Poeta”, lembram-se?) no elenco. Ou seja, o longa-metragem tinha tudo para alcançar uma ótima repercussão, mas não foi o que sucedeu devido a um golpe do destino, já que em 1989 o também excelente “Cinema Paradiso” (Nuovo Cinema Paradiso), de Giuseppe Tornatore, ganhou o mundo com uma temática bastante semelhante, caindo nas graças do público e arrebatando diversos prêmios internacionais, entre eles o Oscar de melhor filme estrangeiro. Enfim, “Splendor” acabou ofuscado pelo trabalho de Tornattore, fazendo com que hoje quase ninguém se lembre dele.
É uma pena tal situação, pois “Splendor” é um filme lindo, belamente tocante em sua declaração de amor ao cinema e que, tal como “Cinema Paradiso”, consegue transcender a mera cinefilia e alcançar o feito de emocionar qualquer espectador, seja ou não um aficionado. Ao narrar a trajetória do cinema “Splendor”, no seu auge frequentado por autoridades e figuras de destaque até a sua decadência, apelando para espetáculos eróticos para se manter em atividade, Scola realiza um apurado retrato não só da experiência cinematográfica óbvia, que é a de ver um filme e ser tocado por ele, mas também de como as vidas das pessoas que estão em volta da sala de exibição acabam inevitavelmente afetadas por ela, a começar pelo seu protagonista, Jordan, personagem de Mastroianni. Ele teve a infância marcada pelo cinema, pois que seu pai corria a Itália como um saltimbanco da Sétima Arte, exibindo filmes em praças e outros locais públicos e, mais tarde, seria o responsável pela fundação do Splendor. Para Jordan, desta forma, o cinema não é tão somente uma paixão, mas a própria representação de seus laços familiares, de sua herança genealógica. Por outro lado, temos também Luigi (Troisi), o projetista que aqui traduz a paixão dos cinéfilos, com suas citações e mania de relacionar situações do dia a dia a frases ou sequências famosas nas telas. Um verdadeiro obcecado que teve sua vida transformada ao passar a trabalhar na sala de exibição. De outra ponta, ainda temos Marina Vlady como Chantal Duvivier, uma ex-dançarina de cabaré que foi retirada “da vida” por Jordan para trabalhar no Splendor.
E assim vamos acompanhando as alegrias e dissabores de tais personagens, que têm suas vidas norteadas pelo cinema, com a sensibilidade típica de Scola. Discípulo de Vittorio de Sica, Scola parece ter herdado dele com maior intensidade não a sua veia neorrealista, mas principalmente a sua sensibilidade característica. Scola realizou aqui uma obra tão sensível quanto “Um Dia Muito Especial” (Una Giornata Particolare, 1977), onde mostrou de forma simplesmente sublime um dia na vida de um homem e uma mulher (no caso Sophia Loren e mais uma vez Mastroianni) durante o regime fascista. Outra influência nítida em Scola, e que aqui se fez presente, é a de Federico Fellini, com seu viés imaginativo que nos leva ao fantástico e lúdico. Ademais, o seu roteiro, que não segue uma ordem cronológica (na verdade, Scola é mais roteirista que diretor, tendo começado sua carreira no cinema nesta função), com constantes flashbacks, foge de obviedades e consegue colocar sempre ótimos diálogos que remetem à trajetória da própria arte cinematográfica. Neste ponto, é um deleite para o espectador cinéfilo observar as referências a inúmeros filmes, que vão desde “Morangos Silvestres”, de Ingmar Bergman, a “Touro Indomável” de Martin Scorsese. É possível, inclusive, fazer uma lista dos filmes citados que já vimos ou não, todos ótimas pedidas e com importância artística.
Acrescente-se a este belo roteiro, a fotografia especial de Luciano Tovoli, principalmente nas passagens em preto e branco usadas para mostrar os acontecimentos passados e a marcante trilha sonora de Armando Trovajoli, melódica e bastante adequada ao tom da narrativa. Por seu turno, talvez seja redundante afirmar que Mastroianni mais uma vez nos entrega uma grande interpretação, muito embora a figura pela qual acabemos por nutrir mais empatia seja o Luigi de Troisi. Além do carisma habitual do ator, a apaixonite que Luigi sente pelo cinema, chegando até a trabalhar sem receber – quando do ocaso do Splendor - faz com que logo nos identifiquemos com ele, principalmente nós, cinéfilos e blogueiros que dedicamos parte da nossa vida a essa paixão sem receber nada em troca.
Com um final belíssimo e emocional sem ser piegas, “Splendor” retrata de maneira sublime a ascensão e queda pelas quais passam praticamente todas as salas de cinema, principalmente as de rua, hoje em rápido processo de extinção no Brasil. Saí da sessão do cineclube (ressalte-se, mais uma vez, que não existe distribuição deste filme em DVD no mercado nacional, lamentavelmente) não apenas enternecido com a bela obra de Ettore Scola, mas também saudoso e revoltado com o fato de que os cinemas de rua de Natal não existem mais, sendo substituídos por lojas ou mesmo igrejas evangélicas. Nada contra os evangélicos, tenho respeito por todas as crenças, mas durante anos eu nutria o sonho de ganhar um bolada na loteria e comprar o falido Cine Rio Grande, onde pude assistir a muitos filmes durante a minha infância, desde os longas dos “Trapalhões” até os da franquia “Superman”. Recordo que foi lá onde assisti a “E.T. - O Extraterrestre” (com uns 5 anos mais ou menos), filme que considero como responsável pelo nascimento do meu amor pela Sétima Arte. É...Infelizmente, cada cidade deve ter o seu (ou seus) “Splendor”, eis a triste realidade.
Cotação:
Nota: 10,0
É uma pena tal situação, pois “Splendor” é um filme lindo, belamente tocante em sua declaração de amor ao cinema e que, tal como “Cinema Paradiso”, consegue transcender a mera cinefilia e alcançar o feito de emocionar qualquer espectador, seja ou não um aficionado. Ao narrar a trajetória do cinema “Splendor”, no seu auge frequentado por autoridades e figuras de destaque até a sua decadência, apelando para espetáculos eróticos para se manter em atividade, Scola realiza um apurado retrato não só da experiência cinematográfica óbvia, que é a de ver um filme e ser tocado por ele, mas também de como as vidas das pessoas que estão em volta da sala de exibição acabam inevitavelmente afetadas por ela, a começar pelo seu protagonista, Jordan, personagem de Mastroianni. Ele teve a infância marcada pelo cinema, pois que seu pai corria a Itália como um saltimbanco da Sétima Arte, exibindo filmes em praças e outros locais públicos e, mais tarde, seria o responsável pela fundação do Splendor. Para Jordan, desta forma, o cinema não é tão somente uma paixão, mas a própria representação de seus laços familiares, de sua herança genealógica. Por outro lado, temos também Luigi (Troisi), o projetista que aqui traduz a paixão dos cinéfilos, com suas citações e mania de relacionar situações do dia a dia a frases ou sequências famosas nas telas. Um verdadeiro obcecado que teve sua vida transformada ao passar a trabalhar na sala de exibição. De outra ponta, ainda temos Marina Vlady como Chantal Duvivier, uma ex-dançarina de cabaré que foi retirada “da vida” por Jordan para trabalhar no Splendor.
E assim vamos acompanhando as alegrias e dissabores de tais personagens, que têm suas vidas norteadas pelo cinema, com a sensibilidade típica de Scola. Discípulo de Vittorio de Sica, Scola parece ter herdado dele com maior intensidade não a sua veia neorrealista, mas principalmente a sua sensibilidade característica. Scola realizou aqui uma obra tão sensível quanto “Um Dia Muito Especial” (Una Giornata Particolare, 1977), onde mostrou de forma simplesmente sublime um dia na vida de um homem e uma mulher (no caso Sophia Loren e mais uma vez Mastroianni) durante o regime fascista. Outra influência nítida em Scola, e que aqui se fez presente, é a de Federico Fellini, com seu viés imaginativo que nos leva ao fantástico e lúdico. Ademais, o seu roteiro, que não segue uma ordem cronológica (na verdade, Scola é mais roteirista que diretor, tendo começado sua carreira no cinema nesta função), com constantes flashbacks, foge de obviedades e consegue colocar sempre ótimos diálogos que remetem à trajetória da própria arte cinematográfica. Neste ponto, é um deleite para o espectador cinéfilo observar as referências a inúmeros filmes, que vão desde “Morangos Silvestres”, de Ingmar Bergman, a “Touro Indomável” de Martin Scorsese. É possível, inclusive, fazer uma lista dos filmes citados que já vimos ou não, todos ótimas pedidas e com importância artística.
Acrescente-se a este belo roteiro, a fotografia especial de Luciano Tovoli, principalmente nas passagens em preto e branco usadas para mostrar os acontecimentos passados e a marcante trilha sonora de Armando Trovajoli, melódica e bastante adequada ao tom da narrativa. Por seu turno, talvez seja redundante afirmar que Mastroianni mais uma vez nos entrega uma grande interpretação, muito embora a figura pela qual acabemos por nutrir mais empatia seja o Luigi de Troisi. Além do carisma habitual do ator, a apaixonite que Luigi sente pelo cinema, chegando até a trabalhar sem receber – quando do ocaso do Splendor - faz com que logo nos identifiquemos com ele, principalmente nós, cinéfilos e blogueiros que dedicamos parte da nossa vida a essa paixão sem receber nada em troca.
Com um final belíssimo e emocional sem ser piegas, “Splendor” retrata de maneira sublime a ascensão e queda pelas quais passam praticamente todas as salas de cinema, principalmente as de rua, hoje em rápido processo de extinção no Brasil. Saí da sessão do cineclube (ressalte-se, mais uma vez, que não existe distribuição deste filme em DVD no mercado nacional, lamentavelmente) não apenas enternecido com a bela obra de Ettore Scola, mas também saudoso e revoltado com o fato de que os cinemas de rua de Natal não existem mais, sendo substituídos por lojas ou mesmo igrejas evangélicas. Nada contra os evangélicos, tenho respeito por todas as crenças, mas durante anos eu nutria o sonho de ganhar um bolada na loteria e comprar o falido Cine Rio Grande, onde pude assistir a muitos filmes durante a minha infância, desde os longas dos “Trapalhões” até os da franquia “Superman”. Recordo que foi lá onde assisti a “E.T. - O Extraterrestre” (com uns 5 anos mais ou menos), filme que considero como responsável pelo nascimento do meu amor pela Sétima Arte. É...Infelizmente, cada cidade deve ter o seu (ou seus) “Splendor”, eis a triste realidade.
Cotação:
Nota: 10,0
3 comentários:
Olha, já tinha ouvido falar muito bem desse filme, mas não assisti ainda. Seu texto me deixou curiosissimo, tanto que já até botei na lista de torrents. Adoro Cinema Paradiso e a sua comparação faz todo o sentido dessa obra ter sido injustamente relegada. As vezes temáticas semelhantes em um curto prazo pode ser um problema. Abração!
realmente é um filme injustiçado. vi faz tempo, mas lembro que gostei.
O Falcão Maltês
Eu não conhecia o filme (aliás, não conheço muito do cinema europeu) mas quanto as injustiças com filmes bons realmente são muitos, principalmente com produções não americanas, muitas coisas boas não chegam até nós. Lamentável.
Ótimo texto Fábio, fiquei curioso para ver já que se trata de um tema que eu goste muito... Vou procurar...
Grande Abraço
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