quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Filmes Para Ver Antes de Morrer


Último Tango em Paris
(Ultimo Tango a Parigi/Le Dernier Tango à Paris, 1972)


Um filme no museu de arte


A sequência mais famosa de “Último Tango em Paris”, conhecida mundialmente como “cena da manteiga”, poderá deixar aqueles que virem a obra de Bernardo Bertolucci pela primeira vez um tanto decepcionados. Sim, pois se estiverem esperando uma cena de alta voltagem erótica, como muito se alardeia por aí, não será exatamente isso que verão. Ao assistir dita sequência a sensação que me veio foi a de estar presenciando um ato de violência sexual, passando até longe de nuances verdadeiramente sensuais que estimulem o espectador a desejos eróticos ou algo que o valha. Ou seja, muito mais do que sexo, o que vemos é uma agressão. E é possível que somente nos tempos de hoje, onde sexualidade e erotismo estão cada vez mais explícitos até mesmo na televisão, tenhamos uma compreensão melhor, mais apurada, deste longa de 1972 que se tornou um dos mais influentes do cinema ao longo das últimas décadas.

Quando foi lançado, vendo com os olhos contemporâneos, observo que “Ultimo Tango a Parigi” chamou a atenção mais pela superfície do que pela sua essência. Afinal, as cenas de nudez e sexo, banais para os padrões atuais, eram fortes para os anos 70. Pelo menos no cinema mainstream, contando com um astro do porte de Marlon Brando, jamais havia sido visto algo tão voluptuoso e escancarado, tanto que lhe rendeu proibição em vários países, entre eles o Brasil, onde só foi liberado pela censura em 1979, sete anos após seu lançamento na Europa. Mesmo em países como Itália e EUA, sua vida não foi fácil, sendo frequentemente exibido apenas depois de passar por uma severa tesourada. Esse “auê” todo teve como resultado a impressão de que o filme de Bertolucci é sobre sexo, mas não é. É antes de tudo um ensaio sobre solidão, vazio existencial e a violência que permeia as relações humanas.


O filme também representa um guinada na carreira de Bertolucci, até então com a imagem muito associada a cinema político em decorrência de obras como “Antes da Revolução” (Prima Della Rivoluzione, 1964) e “O Conformista” (Il Conformista, 1970). Aqui, ele expande seus horizontes para abordagens mais intimistas, pessoais, muito embora não se possa deixar de vislumbrar em “Último Tango em Paris” um manifesto da contracultura e da revolução sexual iniciada nos anos 60. Bertolucci consegue, ademais, aprimorar a sua mise-en-scène, a qual resulta em uma espécie de barroco modernista, principalmente quando lembramos da fotografia de Vittorio Storaro. Colaborador habitual de Bertolucci (foram parceiros em 8 longas), Storaro realizou uma fotografia declaradamente inspirada na arte do britânico Francis Bacon (algumas de suas obras, inclusive, são exibidas durante os créditos iniciais), atribuindo à imagens uma saturação em tons de sépia que influenciaria ao longo dos anos a imagética do chamado “cinema de arte” europeu. Aliás, a própria ideia de “cinema de arte” existente atualmente foi em boa parte criada a partir deste filme. Não é por acaso que uma parcela significativa do cinema dessa vertente no velho continente invista tanto no erotismo (obtendo maior ou menor sucesso) como forma de investigar as relações humanas (o ápice dessa tendência ocorreu no fim dos anos 80/início dos 90). Outro elemento memorável é a música da Gato Barbieri, responsável pelos tangos que dão o título ao longa-metragem. A associação bem acabada de imagem e sons é mesmo um dos seus trunfos e também influenciaria toda uma geração posterior de diretores.

O roteiro, concebido pelo próprio Bertolucci, teve colaborações do escritor Alberto Moravia e da também cineasta Agnès Varda, apresentando-se de antemão como inovador por narrar um história que se passa em Paris sem quase mostrar nada da Cidade Luz. Pelo contrário. Sua ambientação é claustrofóbica, com a maior parcela das ações transcorrendo em interiores, principalmente o apartamento onde os personagens de Brando e Maria Schneider se encontram. Ele interpreta Paul, um norte-americano de meia idade que acaba de se tornar viúvo devido ao suicídio de sua esposa. Casualmente ele conhece Jeanne (Schneider), uma jovem atriz que se encontra noiva de um diretor de cinema (Jean-Pierre Léaud, o alter-ego de François Truffaut e uma das figuras mais queridas da Nouvelle Vague) e procura um apartamento. Sem resistirem à atração mútua, eles passam a se encontrar regularmente em um apartamento sombrio onde, sem jamais dizerem os próprios nomes, mantêm relações sexuais como forma de preencher seu vazio e de expurgar suas culpas e medos.

Como é possível perceber, Bertolucci empreende uma jornada de confronto entre Eros e Tânatos, entre a morte e a força pulsante da vida traduzida na forma do sexo. Mas esta é somente um das possíveis leituras dentre as várias possibilidades oferecidas por esta obra de múltiplas camadas, onde cada sequência se mostra como essencial à sua compreensão. Nada nele é gratuito. Até mesmo a frequente nudez de Maria Schneider não surge como uma maneira barata de atrair a atenção do espectador, pois que o seu contraste com um Brando quase sempre vestido parece sugerir que Jeanne está muito mais aberta, exposta e desejosa de novas vivências do que Paul, um homem que se encontra na permanente fuga de uma vida permeada por traumas, alguns explícitos (o suicídio da esposa) e outros apenas sugeridos (teria sido vítima de abuso sexual no passado?). Vale dizer aqui que, para a composição de personagens tão densos a presença de atores de peso seria fundamental e a escolha de Brando não poderia ser mais perfeita. Só mesmo ele, com sua famosa postura de ator-autor, para alcançar tanta entrega a um personagem responsável por algumas da cenas mais densas da história do cinema, tais como o famoso monólogo que realiza diante do corpo de sua falecida esposa. Uma sequência que chega a ser constrangedora para o público, tamanha a carga de sentimentos jogados ao ar, como se estivéssemos diante de uma confissão íntima a que, na verdade, não deveríamos estar assistindo. Schneider também está ótima com a sua aura juvenil, responsável pelo lado “eros” do casal, em contraposição ao “tânatos” de Paul. É uma pena que, de certa forma, sua carreira tenha sido excessivamente marcada por este papel, permanecendo ao longo das décadas posteriores quase apenas lembrada por ter realizado a tal “cena da manteiga”.

Alguns afirmam que Bertolucci teria usado até mesmo teorias de Georges Bataille e outros estudiosos para a elaboração dos diálogos e personagens. Verdade ou não, é impossível negar um fato: ele conseguiu criar um película que realmente atinge o status de “arte”, um longa perturbador, mas fundamental na mesma medida. Jean-Luc Godard já dizia que “cultura é a regra, a arte é a exceção”, sendo que “Último Tango em Paris” indubitavelmente figura entre tais “exceções”. Uma obra cinematográfica que nos atinge tal como uma pintura, afetando o nosso inconsciente, mesmo que no plano consciente possamos eventualmente rejeitar a sua forma. Em outras palavras: um filme digno de ser exposto no museu de arte moderna., ao lado de obras de outros grandes artistas.


Cotação e nota: Obra-prima.
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7 comentários:

CineClubeMania disse...

Boa Tarde Cinéfilos!
Deem uma olhadinha no site www.cineclubemania.com.br vendemos Dvd's clássicos, possuimos grandes títulos, acredito que vocês possam gostar...

Fábio Henrique Carmo disse...

Autorizei o comentário acima porque o leitores podem eventualmente se interessar, mas vou dar uma dica ao CineClubeMania: melhorem as distribuidoras, pois ninguém gosta de pagar pelos DVDs caros e horrorosos da Continental e sua outras "subsidiárias". Fica da dica.

Hugo disse...

Este é um clássico que ainda não assisti.

Visitei o site do CineClubeMania e realmente os preços estão salgados, além de alguns serem de qualidade duvidosa.

Abraço

Wendell Marcel disse...

Parabéns pelo blog, adorei!

Maxwell Soares disse...

Olá, Fábio. Parece que há um filme chamado Tango de Carlos Saura. Desculpe-me se estou enganado. Este, ainda, não vi. Não tive oportunidade, ainda. Quando leio: Fimles para ver antes de morrer, sei que virá coisa boa. E sei, também, que preciso ver, urgentemente, logo porque hoje poderá ser meu último dia. Enquanto estamos, aqui, estamos sujeitos a tudo.Disso eu não me furto. E se há uma coisa que preciso fazer antes de morrer é viajar à Buenos Aires e aprender a "bailar el tango". No mais um abraço...

Heron Xavier disse...

Este filme assim como "Perdas e Danos" são excelentes e merecem ser vistos!

Sds,

Unknown disse...

Assisti esse filme na minha aurora cinéfila, e lembro que não me impregnei tanto pela obra. Achei arrastado, ainda que com cenas marcantes. Tenho planos de revê-lo, pois tenho certeza que amadurecido a apreciação será muito melhor. Um texto muito bom, como sempre. Abraço!