sábado, 25 de janeiro de 2014

Blue Jasmine

Em plena forma

Depois do inesquecível “Meia-Noite em Paris” (Midnight In Paris, 2011), aparentemente seria difícil Woody Allen repetir o sucesso de crítica e público em pouco tempo. O seu longa imediatamente posterior, o apenas mediano Para Roma, Com Amor” (To Rome With Love, 2012), deu ênfase a tal impressão. Entretanto, sem que a maioria perceba, Allen está vivendo um dos melhores momentos de sua carreira. E prova isso através do seu mais recente trabalho, “Blue Jasmine”, filme que vai fundo na crítica a uma sociedade baseada em superficialidades e aparências e onde nos entrega uma de suas melhores personagens femininas, vivida com brilhantismo pela excelente Cate Blanchett.

Entretanto, se no citado “Meia-Noite em Paris” predomina o tom leve e bem-humorado, aqui ele se distancia um pouco da comédia para narrar a história de uma socialite que vê o seu luxuoso mundo ruir após a a prisão do seu marido Hal (Alec Baldwin), um investidor da bolsa fraudador. Sem dinheiro, sem marido, ela acaba indo morar com sua irmã, Ginger (Sally Hawkins, ótima!), em San Francisco. Uma irmã que, na realidade, ela sempre desprezou e escondeu, pois era “cafona” demais para frequentar o seu círculo social. E não resta a Jasmine outra alternativa a não ser se adaptar a um mundo cheio de limitações, em busca de um recomeço. Contudo, o problema de Jasmine é que ela não sabe como recomeçar. Está perdida, sem encontrar caminhos que possa trilhar, até mesmo porque, em boa medida, ela nem mesmo sabe quem ela é. Sabe apenas que iria se formar em antropologia quando se tornou noiva de Hal e largou os estudos para virar dondoca. Mesmo assim, não sabe se gosta da área de sua quase-formação. “Blue Jasmine” se mostra, portanto, como um ensaio de Allen sobre a identidade, um tema recorrente em sua filmografia (“Zelig”, de 1983, talvez seja o maior exemplo do tema em sua carreira). Muitos deixam de lado suas verdadeiras identidades em troca de se verem felizes e inseridas no sistema. E, quando a ilusão em que vivem desmorona, esquecem do que foram um dia ou do que almejavam ser. Constroem uma vida de aparências e mentiras, inclusive com aquelas da pior espécie, que são as mentiras para si próprio.


Mesmo que o diretor evite uma olhar piedoso sobre a protagonista, sempre expondo suas frugalidades, preconceitos e leviandades (até o seu nome esconde um disfarce, no fundo), é inevitável sentirmos pena de Jasmine, circunstância que não apenas se deve a um texto muito bem elaborado por Woody (como sempre, ele também escreveu o roteiro, indicado ao Oscar de melhor roteiro original), mas, na mesma porporção, à excelente atuação de Cate Blachett, provável ganhadora do Oscar no próximo dia 02 de março (já venceu o Globo de Ouro e o Sindicato de Atores nos últimos dias). Ela domina todas as cenas, passando das neuroses típicas do personagens de Woody Allen, para a fragilidade, arrogância, sinceridade, falsidade e outras tantas facetas humanas que foram condensadas na protagonista. Já entrou para o panteão das grandes personagens femininas do autor, ao lado da Annie Hall de Diane Keaton e da Cecilia de Mia Farrow (em “A Rosa Púrpura do Cairo”). De qualquer forma, méritos há, ainda, para os demais integrantes do elenco, principalmente Sally Hawkins como a irmã adotiva de Jasmine.


Outro aspecto relevante é a estrutura da narrativa, pontuada por saltos temporais que vão revelando os fatos que levaram a protagonista a terminar morando na casa da irmã. A edição de Alisa Lepselter encanta pela fluidez e precisão (e eu nunca tinha ouvido falar nela), jamais confundindo o espectador, apesar das diversas idas e vindas do enredo. Além disso, trata-se de um filme com “pegada”, fisgando o espectador já nos primeiros cinco minutos. Por outro lado, Allen raramente entrega um drama reto, sem resvalar na comédia e esse é bem o tom aqui. É possível classificar “Blue Jasmine” como um drama, mas um drama ao melhor estilo de Allen, com um tanto de cenas bem humoradas (mais um mérito para a atuação de Blanchett, que transita com facilidade entre cenas cômicas e dramáticas). Todavia, apesar dos alívios cômicos, predomina um tom melancólico ao longo da projeção, tendo seu ápice na conclusão em aberto, mas inteiramente coerente com o conjunto e as pretensões do diretor.

Uma parte da crítica apontou esse trabalho como sendo tão somente uma abordagem tardia de Allen sobre a crise econômica norte-americana, mas seria leviano dizer que se trata apenas disso. Mais do que uma mera crítica social, “Blue Jasmine” também passeia pelo existencial, perguntando a cada espectador se ele realmente é feliz, autêntico e com força suficiente para seguir os próprios caminhos, tragam ou não os retornos materiais valorizados pela sociedade. Mesmo que caia um pouco no seu último terço, perdendo o foco ao dar ênfase a uma subtrama envolvendo a irmã de Jasmine, Allen conseguiu, mesmo aos 77 anos e com uma média impressionante de um filme a cada ano, entregar mais um pequena pérola capaz de agradar, tal como sucedeu com “Meia-Noite em Paris”, não só aos seus admiradores, mas também àqueles que não são exatamente fãs de sua obra. Como dito acima, muitos não percebem, mas Woody Allen está em plena forma.


Cotação:




Nota: 9,0
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2 comentários:

RV Lucena disse...

Meu caro, belo texto! Blue Jasmine é um belo filme, iluminado pela competente Cate Blanchett. Também considero que o velho Woody está passando por uma boa fase. Além de Meia-Noite em Paris, Vicky Cristina Barcelona e Match Point são sensacionais.

Maxwell Soares disse...

Olá, Grande Fábio. Tenho andado meio sumido, aqui, é verdade. Irei, em breve, resgatar este tempo perdido. Vejo que tens postado muito bons filmes. Este ainda não vi. Na verdade, Fábio, prefiro os antigos. Parece-me que as questões de caráter mais existenciais estão mais evidentes em outros longas deste mesmo diretor. Pra não passar em branco faço a referência ao filme, Sonhos eróticos de uma noite de verão, que possui uma relação muito próxima ao filme, Sorrisos de uma noite de amor, de Bergman. Há uma proximidade muito entre esses dois longas. Se foi o caso de ter sido uma homenagem a Bergman, fico ótimo. Este novo de Woody Allen ainda não vi. Tentarei encontrar tempo pra isso. Um forte abraço...