Em
plena forma
Depois do
inesquecível “Meia-Noite em Paris” (Midnight In Paris, 2011),
aparentemente seria difícil Woody Allen repetir o sucesso de crítica
e público em pouco tempo. O seu longa
imediatamente posterior, o apenas mediano
“Para Roma, Com Amor” (To Rome With
Love, 2012), deu ênfase a tal impressão. Entretanto, sem que a
maioria perceba, Allen está vivendo um dos melhores momentos de sua
carreira. E prova isso através do seu mais recente trabalho, “Blue
Jasmine”, filme que vai fundo na crítica a uma sociedade baseada
em superficialidades e aparências e onde nos entrega uma de suas
melhores personagens femininas, vivida com brilhantismo pela
excelente Cate Blanchett.
Entretanto,
se no citado “Meia-Noite em Paris” predomina o tom leve e
bem-humorado, aqui ele se distancia um pouco da comédia para narrar
a história de uma socialite que vê o seu luxuoso mundo ruir após a
a prisão do seu marido Hal (Alec Baldwin), um investidor da bolsa
fraudador. Sem dinheiro, sem marido, ela acaba indo morar com
sua irmã, Ginger (Sally Hawkins, ótima!), em San Francisco. Uma
irmã que, na realidade, ela sempre desprezou e escondeu, pois era
“cafona” demais para frequentar o seu círculo social. E não
resta a Jasmine outra alternativa a não ser se adaptar a um mundo
cheio de limitações, em busca de um recomeço. Contudo, o problema
de Jasmine é que ela não sabe como recomeçar. Está perdida, sem
encontrar caminhos que possa trilhar, até mesmo porque, em boa
medida, ela nem mesmo sabe quem ela é. Sabe apenas que iria se
formar em antropologia quando se tornou noiva de Hal e largou os
estudos para virar dondoca. Mesmo assim, não sabe se gosta da área
de sua quase-formação. “Blue Jasmine” se mostra, portanto, como
um ensaio de Allen sobre a identidade, um tema recorrente em sua
filmografia (“Zelig”, de 1983, talvez seja o maior exemplo do
tema em sua carreira). Muitos deixam de lado suas verdadeiras
identidades em troca de se verem felizes e inseridas no sistema. E,
quando a ilusão em que vivem desmorona, esquecem do que foram um dia
ou do que almejavam ser. Constroem uma vida de aparências e
mentiras, inclusive com aquelas da pior espécie, que são as
mentiras para si próprio.

Mesmo que
o diretor evite uma olhar piedoso sobre a protagonista, sempre
expondo suas frugalidades, preconceitos e leviandades (até o seu
nome esconde um disfarce, no fundo), é inevitável sentirmos pena de
Jasmine, circunstância que não apenas se deve a um texto muito bem
elaborado por Woody (como sempre, ele também escreveu o roteiro,
indicado ao Oscar de melhor roteiro original), mas, na mesma
porporção, à excelente atuação de Cate Blachett, provável
ganhadora do Oscar no próximo dia 02 de março (já venceu o Globo
de Ouro e o Sindicato de Atores nos últimos dias). Ela domina todas
as cenas, passando das neuroses típicas do personagens de Woody
Allen, para a fragilidade, arrogância, sinceridade, falsidade e
outras tantas facetas humanas que foram condensadas na protagonista.
Já entrou para o panteão das grandes personagens femininas do
autor, ao lado da Annie Hall de Diane Keaton e da Cecilia de Mia
Farrow (em “A Rosa Púrpura do Cairo”). De qualquer forma,
méritos há, ainda, para os demais integrantes do elenco,
principalmente Sally Hawkins como a irmã adotiva de Jasmine.

Outro
aspecto relevante é a estrutura da narrativa, pontuada por saltos
temporais que vão revelando os fatos que levaram a protagonista a
terminar morando na casa da irmã. A edição de Alisa Lepselter
encanta pela fluidez e precisão (e eu nunca tinha ouvido falar
nela), jamais confundindo o espectador, apesar das diversas idas e
vindas do enredo. Além disso, trata-se de um filme com “pegada”,
fisgando o espectador já nos primeiros cinco minutos. Por outro
lado, Allen raramente entrega um drama reto, sem resvalar na comédia
e esse é bem o tom aqui. É possível classificar “Blue Jasmine”
como um drama, mas um drama ao melhor estilo de Allen, com um tanto
de cenas bem humoradas (mais um mérito para a atuação de
Blanchett, que transita com facilidade entre cenas cômicas e
dramáticas). Todavia, apesar dos alívios cômicos, predomina um tom
melancólico ao longo da projeção, tendo seu ápice na conclusão
em aberto, mas inteiramente coerente com o conjunto e as pretensões
do diretor.
Uma parte da crítica apontou esse trabalho como sendo tão somente
uma abordagem tardia de Allen sobre a crise econômica
norte-americana, mas seria leviano dizer que se trata apenas disso.
Mais do que uma mera crítica social, “Blue Jasmine” também
passeia pelo existencial, perguntando a cada espectador se ele
realmente é feliz, autêntico e com força suficiente para seguir os
próprios caminhos, tragam ou não os retornos materiais valorizados
pela sociedade. Mesmo que caia um pouco no seu último terço,
perdendo o foco ao dar ênfase a uma subtrama envolvendo a irmã de
Jasmine, Allen conseguiu, mesmo aos 77 anos e com uma média
impressionante de um filme a cada ano, entregar mais um pequena
pérola capaz de agradar, tal como sucedeu com “Meia-Noite em
Paris”, não só aos seus admiradores, mas também àqueles que não
são exatamente fãs de sua obra. Como dito acima, muitos não
percebem, mas Woody Allen está em plena forma.
Cotação:
Nota: 9,0