
E quase torcemos pela rainha má...
Eu queria fugir de proferir aqui uma frase de Twitter, mas acaba se tornando inevitável afirmar que “Branca de Neve E o Caçador” traz uma nova roupagem ao desgastado conto da tradição alemã eternizado pelos Irmãos Grimm no século XIX. Não há como fugir dessa obviedade, principalmente porque a imagem imediata que vem à mente ao ouvirmos o nome da personagem do título é aquela concebida por Walt Disney no clássico animado dos anos 30. Ou seja, a lembrança primordial do conto está ligada àquela inocência das produções da Casa do Mickey, o que pode ser uma falsa ideia e, no caso, realmente o é. Afinal, o mito de Branca de Neve tem sua base na disputa ciumenta e invejosa entre a mulher mais velha, com a beleza em declínio, e a mulher jovem, no ápice da formosura e sensualidade. No fundo, o que o tal espelho encantando pronuncia com sua famosa resposta de que “Branca de Neve é ainda mais linda” traduz-se na supremacia da mulher mais nova sobre a mais madura.
Curioso que as escolhas dos produtores para os papeis centrais desta versão mais “dark” de Branca de Neve resulte para o público em impressões opostas às pretendidas pelo conto-mito tal como como elaborado. Isso porque Charlize Theron, a nova Rainha Ravenna, é uma atriz de muito maior beleza, presença e talento do que a insossa Kristen Stewart, a mocinha da série “Crepúsculo”. O novato diretor Rupert Sanders, que veio do mercado publicitário e não é bobo nem nada, percebeu a situação e entregou as melhores sequências para que Charlize brilhasse sem dó nem piedade de Stewart, a qual se mantém o filme inteiro com aquela velha boca eternamente entreaberta (será resultado dos seus incisivos proeminentes?). Isso quase nos leva a torcer para que a malvada Ravenna triunfe, fato que só não acontece porque Sanders (juntamente com os roteiristas Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini) carrega tanto em algumas maldades da Rainha que fica impossível torcer por ela. Afinal, estamos falando de contos de fadas, maniqueístas por excelência, onde o bem e o mal estão sempre muito bem definidos.
À parte a presença de Charlize, realmente determinada na sua composição cênica, o longa chama a atenção pela concepção acentuadamente soturna empregada por Sanders, usando uma fotografia de tons frios para realçar o clima sombrio que propõe. Nada mais adequado, principalmente para demonstrar o período negro em que mergulha o reino após a morte do antigo monarca, pai de Branca de Neve, responsável por um período áureo na região , mas que se casa com Ravenna e é por ela assassinado. Ademais, os efeitos especiais são ótimos, além de uma maquiagem excepcional, a qual envelhece e rejuvenesce Charlize a cada cena (não será estranho se vier a ser indicada ao prêmio da Academia). Um nível de produção que lembra a saga de “O Senhor dos Anéis”, contando ainda com uma direção de arte primorosa em igual medida. Ou seja, “Branca de Neve E o Caçador” é um espetáculo visual de grande qualidade, mesmo que por vezes tais imagens se prestem a situações clichê, como a criação de um triângulo amoroso entre a princesa, um príncipe e o Caçador de título, sendo este interpretado por Chris “Thor” Hemsworth. Desde o ínicio, já percebemos que nessa versão moderna o “príncipe” de Branca de Neve não será exatamente um nobre com sangue real, mas o viril caçador que lhe transmite segurança e, sobretudo, um amor sincero. Ou seja, mesmo no clichê, Sanders procurou atualizar o mito, tornando-o adequado à visão que hoje as mulheres têm de um relacionamento (onde não mais focam na segurança social transmitida por um “bom partido”, mas na sua segurança emocional). Pena que Chris Hemsworth não contribua e apenas pareça repetir a encarnação do deus do trovão que realizou para os filmes da Marvel.
Até mesmo na caracterização da mocinha a estória ganha uma atualização. A princesa não se reduz a tão somente uma posição passiva, esperando que o seu príncipe encare os perigos para salvá-la. Então, ela mesma vai à luta, por assim dizer, vestindo trajes de guerra e empunhando a espada contra a maléfica Ravenna. Mas é justamente quando o longa se propõe a ser mais um duelo de capa e espada, rumando para uma ação mais escancarada, que ele acaba descambando para obviedades maiores e perdendo muito do seu interesse, pois que se torna mais previsível do que naturalmente já seria a adaptação de uma narrativa pra lá de conhecida. É bom até mesmo lembrar que há pouco tempo já tivemos “Espelho, Espelho Meu” (Mirror, Mirror - 2012), mais uma adaptação live action da estória da princesa que encontra sete anões em um bosque (e mais um sinal da maré de criatividade baixa em Hollywood nos últimos anos).
Falando em anões, a presença deles no longa de Sanders talvez resuma perfeitamente o resultado final do projeto: de início causam ótima impressão, depois quase nos esquecemos deles. Até porque, no fim, Charlize quase não aparece em cena e temos que encarar as caras e bocas de Kristen Stewart de forma impiedosa, dando até a sensação de que o mal triunfará e Hollywood premiará, no futuro, essa estrela fabricada com Oscar de melhor atriz. Se for assim, será melhor torcermos pelo retorno de Ravenna, para que essa finalmente barre o caminho de Branca de Neve e a tranque novamente na torre do castelo. E sem o Thor para salvá-la.
Cotação:

Nota: 7,0