domingo, 31 de março de 2013

Quero Ver Novamente #22



Em outra oportunidade, o Cinema Com Pimenta publicou uma lista de sete filmes religiosos essenciais. No topo estava "Rei dos Reis" (King Of Kings, 1961), longa-metragem dirigido por Nicholas Ray - um dos cineastas mais importantes de Hollywood - que narra, mais uma vez, a "maior história de todos os tempos" (para citar o título de uma outra produção sobre Cristo, esta de George Stevens). O diferencial de "Rei dos Reis", em relação a outras adaptações da vida de Jesus, é justamente a direção primorosa de Ray, responsável por uma impecável fotografia em cinemascope, além de ângulos diferenciados e uma bela condução do elenco sem grandes estrelas. Quando criança, eu vi e revi "Rei dos Reis" várias vezes durante a Semana Santa e nunca esqueci de sua belíssima passagem do famoso Sermão da Montanha. De fato, esta é, provavelmente, a melhor "pasagem-de-sermão-da-montanha" já filmada, impecável em sua fotografia e encenação. Abaixo, segue o vídeo com dita sequência em que Jesus (interpretado por Jeffrey Hunter), além de discursar, ensina seus seguidores a rezar, sendo a origem da oração do "Pai Nosso".

Aproveito para desejar uma Feliz Páscoa aos leitores. Que Deus ilumine a todos. Grande abraço!



quarta-feira, 27 de março de 2013

Para Ver Em Um Dia de Chuva

9 ½ Semanas de Amor
(9 ½ Weeks, 1986)


Quero ser Bernardo Bertolucci


Sempre imaginei que o grande sonho do diretor britânico Adrian Lyne era o de ter dirigido “Último Tango em Paris” (Ultimo Tango a Parigi, 1972), a obra-prima de textura erótica realizada em 1972 por Bernardo Bertolucci. Um filme que marcou época e exerceu extrema influência sobre os cineastas posteriores que se prestaram a tratar de sexo em suas películas. “9 ½ Semanas de Amor” (9 ½ Weeks), um dos mais lembrados longas da década de 80, é a tentativa de Lyne de realizar o seu “último tango”, chegando a beirar o plágio. Entretanto, muito embora não seja um filme ruim, tampouco corre o risco de igualar a película de Bertolluci em importância e expressão artística.

Ambos os filmes têm premissas bastante similares: mulher conhece homem misterioso e os dois passam a se encontrar para realizar jogos sexuais. Ela, aos poucos, deseja algo mais do que isso, vislumbrando uma relação afetiva, enquanto ele quer que as coisas permaneçam do mesmo jeito, ou seja, uma brincadeira erótica que lhe sirva de escapismo. Aqui, sai de cena a jovem inexperiente vivida por Maria Schneider no filme de Bertolucci e entra Elizabeth, papel de Kim Basinger no auge de sua beleza. A personagem feminina é caracterizada de maneira mais adequada aos anos 80. Elizabeth é uma curadora de museus divorciada, independente e experiente que se envolve, por meio de um recurso de roteiro uma tanto vagabundo (eles se encontram por acaso duas vezes no meio de uma metrópole como Nova York), com o yuppie John (Mickey Rourke no tempo em que era galã), um investidor da bolsa sobre o qual não sabemos o passado – e nem Elizabeth sabe. E, mais do que qualquer outra fragilidade narrativa da película, é o personagem masculino que se mostra o seu maior ponto fraco.



Se “Último Tango em Paris” tem um dos tipos masculinos mais complexos, tridimensionais e marcantes da história do cinema, encarnado por Marlon Brando de forma visceral e impactante, o John de Rourke mais parece um boneco risonho que não tem nada a dizer. Em 90% das cenas ele está com um sorriso maroto estampado no rosto, em um recurso interpretativo paupérrimo. Fica difícil até acreditar que é o mesmo de outras ótimas atuações, como em “Coração Satânico” (Angel Heart, 1987, de Alan Parker) e no recente “O Lutador” (The Wrestler, 2008, de Darren Aronofsky) e, no caso deste último, a diferença não é só com relação à sua aparência física. No auge da beleza e charme durante os anos 80, antes de deformar seu rosto lutando boxe e de afundar nas drogas, Rourke se esqueceu que precisava atuar e passa o filme inteiro batendo na mesma tecla. Entretanto, vamos convir, a culpa não é só dele. As características do personagem são jogadas na tela de forma aleatória e inconsequente. Em dado momento, a protagonista bisbilhota o guarda-roupas de John e descobre que ele é muito metódico, com várias camisas milimetricamente organizadas. Além disso, parece ter algum tipo de TOC, já que todas as camisas são brancas e os ternos são todos escuros. Contudo, momentos como esse são apenas lampejos de construção do personagem, uma vez que não servem para nada. Ok, John é uma cara metódico, mas... E daí? Isso não explica em nada suas obsessões e o desejo premente de ver Elizabeth transformada em uma espécie de escrava sexual.

Por outro lado, Kim Basinger tem aqui uma de suas melhores interpretações. Além da beleza e sensualidade que confere a Elizabeth, ela assume a personagem com alma, sabendo atribuir-lhe as doses certas de dúvida e insegurança. Basinger convence perfeitamente como uma mulher incerta com relação aos seus próprios sentimentos e desejos. Ela, em verdade, foi uma atriz subestimada e estigmatizada devido à sua beleza, o que acabou lhe rendendo papéis repetitivos ao longo da carreira (algo semelhante aconteceria com Sharon Stone depois de “Instinto Selvagem”). A estrela quase leva “9 ½ Semanas de Amor” nas costas, tamanha a disparidade entre sua performance e a de Mickey Rourke.


Usei o termo “quase” porque Adrian Lyne sabe trabalhar no campo imagético e foi justamente este aspecto que transformou a película em uma espécie de clássico oitentista, com seu erotismo que não se tonou démodé, mas ao mesmo tempo se distancia do pornô *. Plasticamente, o trabalho se mostra muito acima da média e, não por acaso, várias de suas cenas de alta voltagem erótica passaram a fazer parte do imaginário popular, como a conhecida sequência que une sexo e degustação de quitutes, além do famoso strip-tease de Elizabeth, considerado por muitos como o melhor da história do cinema. De fato, trata-se de uma sequência poderosamente filmada, aliando perfeitamente imagem e música, no caso a canção “You Can Leave You Hat On”, de Joe Cocker. Aliás, a trilha sonora pop é outro dos pontos fortes do longa, permeada por músicas até hoje tocada nas rádios, como “Slave To Love”, cantada por Bryan Ferry.

No entanto, é possível que o maior problema de “9 ½ Weeks” seja sua pretensão de se transformar em uma espécie de marco pós-moderno do gênero romance. Há nele uma aparente ambição de se tornar um tratado sobre as novas formas de relacionamento pós revolução sexual. Mas, é bom que se diga, não consegue alcançar tal intuito. Adrian Lyne gostaria de ser Bernardo Bertolucci, mas só conseguiu ser Adrian Lyne, um diretor oscilante capaz de cometer bons filmes como “Atração Fatal” (Fatal Attraction, 1987) ou bobagens como “Proposta Indecente” (Indecent Proposal, 1993). Os altos e baixos de “9 ½ Semanas de Amor”, portanto, acabam por sintetizar, em 117 minutos, toda a carreira do cineasta.


Cotação:



Nota: 7,5

* Essa linha tênue é exemplificada hoje pela série literária “50 Tons de Cinza”, a qual, como se vê, não tem suas origens em “9 ½ Semanas de Amor”, como muitos imaginam, mas na obra setentista de Bernardo Bertolucci.

quarta-feira, 20 de março de 2013

A Busca

Estrada com buracos


Há poucos dias, o amigo Celo Silva, do excelente blog “Espectador Voraz”, havia alertado em sua critica que o filme “A Busca” não era lá grande coisa. A opinião dele havia diminuído bastante minhas expectativas com relação a este longa-metragem estrelado por Wagner Moura, provavelmente o grande ator brasileiro em atividade, além de carregar, na produção, o nome de Fernando Meirelles, cineasta que sempre desperta atenção no meio cinéfilo em qualquer projeto que se envolva. Contudo, lendo outras resenhas, observei que as percepções sobre o filme eram conflitantes, o que me levou a conferi-lo na sala escura para tirar as minhas próprias conclusões, as quais passo a expor a seguir.

O “road movie” parece ser um subgênero cinematográfico caro aos cineastas nacionais. Walter Salles meio que já virou um especialista na estrutura clássica de tais películas, as quais geralmente focam em personagens que empreendem uma viagem que se transforma em um processo de autoconhecimento. Com resultados melhores (como “Central do Brasil” e “Diários de Motocicleta”) ou piores (o recente e tedioso “Na Estrada”), essa já se tonou uma de suas marcas registradas. Agora, vemos o estreante na direção Luciano Moura iniciar sua filmografia também com um filme de estrada, o qual, infelizmente, está longe de fugir do lugar-comum do subgênero. O próprio título, se olhado com cuidado, já deixa entrever que a tal “busca” irá redundar em uma procura por si mesmo, uma jornada de autodescoberta que levará o protagonista a enxergar sua vida por outro prisma. E é justamente esta série de lugares comuns, meio que inseridos a fórceps durante a narrativa, o que mais incomoda nessa produção que tinha tudo para dar certo, mas resultou em uma experiência no máximo mediana.


A trama narra a história de um casal recém-separado, Theo e Branca (Wagner Moura e Mariana Lima), cujo filho adolescente, Pedro (o estreante Brás Antunes, filho do músico Arnaldo Antunes) foge de casa depois de uma discussão barra pesada com o pai. Desesperado para encontrar o garoto, Theo empreende então uma viagem para Salvador ou Espírito Santo (os dois prováveis destinos do filho) que o levará a questionar sua própria história familiar e a maneira como está conduzindo sua vida. Como é de se esperar em um road movie, no caminho encontrará os mais diversos tipos e é justamente neste ponto que Luciano Moura começa a cometer erros relevantes. Vários dos personagens apresentados soam inverossímeis em um roteiro que cria situações à base de artificialismos. Chega-se a imaginar uma comunidade onde (pasmem!) só há apenas um telefone celular. E não, não é alguma comunidade indígena no meio da floresta amazônica. Na mesma linha, o encontro com o morador de uma casa flutuante, que ajudará Theo a atravessar um rio com seu carro, soa muito non sense para um filme que tem como foco um pesado drama familiar.

Outro problema que se apresenta é algo comum ao subgênero dos filmes de estrada, normalmente centrados em apenas um personagem ao redor do qual orbitam os variados tipos que surgem no decorrer da trajetória. É bom que se diga que tais narrativas de viajantes remontam à Idade Antiga, com a “Odisseia” de Homero. Em uma análise abrangente, os protagonistas de películas estradeiras seriam simulacros de Ulisses e, para que uma obra cinematográfica com tal premissa tenha êxito, essencial se faz que seu intérprete principal dê conta do recado. No caso, é óbvio que Wagner Moura tem perfeitas condições para assumir a tarefa. Ele é hoje, possivelmente, o único ator brasileiro capaz de arrastar público para as salas de cinema. Entretanto, infelizmente, Wagner não tem aqui um grande momento interpretativo. Há passagens em que ele perde a mão com o personagem, atribuindo-lhe reações que destoam de um pai à procura de um filho desaparecido. Quando nos lembramos do astro em filmes como “Tropa de Elite” ou mesmo “O Homem do Futuro” é que sua presença em “A Busca” se torna ainda mais pálida.


Contudo, justamente pelo fato de abordar um drama familiar, a trama ainda consegue manter o interesse do espectador. Mesmo que em alguns momentos ela se mostre previsível, há muita verdade na tela e Theo é mesmo um personagem de muita tridimensionalidade. Acredito que muitas pessoas irão se identificar com o protagonista em diferentes medidas e imagino que seja exatamente por tal identificação que o longa esteja despertando diferentes opiniões tanto entre a crítica quanto no público. Ademais, se há uma virtude no roteiro é a de não ser apressado, tornando a iminência do encontro final algo a ser desejado pela plateia.

Apesar de algumas virtudes, “A Busca” se mostra tão oscilante que se torna difícil atribuir-lhe o adjetivo de “recomendável”. Para usar uma metáfora sem vergonha, parece uma estrada com vários buracos que tornam o tráfego complicado. Sua apreciação está excessivamente ligada às experiências individuais de cada um. Claro que toda apreciação artística está e sempre estará vinculada às nossas distintas vivências, mas uma obra se torna problemática quando depende unicamente das experiências do espectador para se tornar relevante ou se fazer entender. Percebe-se que Luciano Moura tem potencial e que pode vir a ser um bom cineasta, algo que ainda não é. Por enquanto, só posso recomendar mesmo que, caso você também queira tirar a prova dos nove e vá pegar uma sessão na sala mais próxima, não deixe de conferir os ótimos créditos finais sublinhados por uma bela canção de Arnaldo Antunes.


Cotação:



Nota: 6,5

sexta-feira, 15 de março de 2013

Restaurando a Película

Coração Prisioneiro
(Caught, 1949)


Conto de fadas às avessas


Segundo a primeira dama da crítica cinematográfica mundial, Pauline Kael, em seu livro “1001 Noites no Cinema”, o cineasta alemão Max Olphüs teria realizado “Coração Prisioneiro” (Caught, 1949) como uma espécie de vingança contra o magnata Howard Hughes, o qual havia comprado uma significativa porcentagem das ações dos estúdios RKO e se tornado seu principal executivo. Hughes teria feito Olphüs perder tempo em produções inacabadas, além de xingar o diretor de “paspalho”. Verdade ou não (mas não acredito que Kael teria inventado tal história), essa “fofoca” ajuda muito a entender a película, a penúltima obra de Olphüs em sua fase hollywoodiana (a última foi “Na Teia do Destino”, também de 1949).

“Coração Prisioneiro” é, antes de tudo, uma crítica forte e direta a uma sociedade pautada em aparências, superficialidades e dinheiro. Trata-se de uma espécie de conto fadas às avessas, onde uma cinderela encontra um tipo de príncipe que logo vira sapo. No roteiro, escrito por Arthur Laurents baseado em um romance de Libbie Block, a tal gata borralheira é Leonora Eames (papel de Barbara Bel Geddes), modelo que sonha em casar com um homem rico que a tire da vidinha sem luxos que leva. Depois de passar por aulas de etiqueta para se desenvolver na sua profissão, ela é vista e convidada para uma festa por um tal de Franzi (Curt Bois), espécie de “secretário geral” do milionário Smith Ohlrig (personagem de Robert Ryan). A festa vai acontecer em um iate, mas, quando ela está no cais, o próprio Ohlrig desce em pessoa e lhe dá carona para outro destino. Ou melhor, quer levá-la para sua mansão para fazer aquilo que você deve estar imaginando, mas ela recusa a proposta, o que acaba por deixá-lo perturbado (para um homem como ele, ouvir um “não” devia ser algo bem raro). Então, meio que por capricho, até para desafiar seu psicanalista, ele casa com Leonora e é partir daí que esta, aos poucos, vai percebendo a personalidade tirânica do agora marido. Depois de muito maltratada, Leonora vai procurar emprego e encontra vaga de recepcionista na clínica do médico pediatra Larry Quinada (James Mason), homem íntegro que reúne várias qualidades que Ohlrig não possui. Entretanto, ela se descobre grávida do ricaço e tem medo de perder a guarda da criança caso resolva deixar o marido para viver seu amor com o médico.



Saber que o personagem de Smith Ohlrig foi inspirado em Howard Hughes nos leva a entender o porquê de alguns aspectos de sua caracterização. Na tela, vemos um magnata que, além de autoritário e infantilizado (ele passa boa parte do tempo jogando pinball em sua residência), é hipocondríaco ao extremo, chegando a ter “crises cardíacas” quando contrariado. Quem ao menos já assistiu a “O Aviador” (The Aviator, 2004), a cinebiografia de Hughes dirigida por Martin Scorsese, sabe que o magnata era, de fato, um hipocondríaco de marca maior, algo que posteriormente o levaria a desenvolver um sério transtorno que o deixaria em total isolamento. Contudo, Olphüs, um diretor que pouco errou em sua brilhante carreira, comete aqui equívocos maniqueístas ao colocar os dois homens do triângulo amoroso como vértices opostos. Se Ohlrig é posto como um tipo de encarnação do mau caratismo, o Larry Quinada de James Mason é visto como a versão terrena do altruísmo, da dedicação e do cavalheirismo. Sem ser especialmente bonito ou rico, ele é o sapo que vira príncipe ao olhos da desventurada Leonora. Esta última, por sua vez, revela-se como a personagem mais rica e ambivalente da trama, com nuances de comportamento que a distanciam do padrão “moça recatada”. Por vezes, lembra uma garota de programa de luxo. Afinal, quem aceitaria um convite para ir sozinha à festa de um milionário solteirão que não conhece? E ainda mais dentro de um iate?

Por outro lado, se Olphüs pecou na construção dos personagens masculinos, ele mais uma vez deu uma aula de estética cinematográfica com sua bela fotografia em preto e branco e enquadramentos geniais que iriam influenciar profundamente os cineastas posteriores. De família judia, Max Olphüs foi um daqueles diretores que, fugindo do nazismo, ajudariam a definir o que hoje se conhece por “cinema noir”. Aqui, mais especificamente, ele nos entregou uma película que poderíamos classificar como parte do “gótico feminino”, estilo que explorava melodramas onde heroínas se envolviam em tramas misteriosas ou perturbadas (semelhante ao Fritz Lang de “O Segredo da Porta Fechada”). Econômico em suas narrativas (o filme possui apenas 88 minutos), o cineasta também era dotado de uma precisa percepção de ritmo. Seus filmes jamais eram monótonos ou cansativos e “Coração Prisioneiro” mostra-se sempre interessante para o espectador.



O filme também se destaca por ser um dos poucos em que Barbara Bel Geddes, uma atriz de talento e de beleza discreta, atuou como protagonista. Uma injustiça, diga-se de passagem. Em “Caught” ela realiza uma ótima composição de personagem e é uma pena que nunca tenha se tornado realmente uma estrela. Hoje ela é certamente mais lembrada como a amiga de Scottie Ferguson em “Um Corpo Que Cai” (Vertigo, 1958), uma das obras-primas de Alfred Hitchcock, na ocasião ficando à sombra da estrela Kim Novak. Em 1949, ano de produção do longa, o maior astro era James Mason, mas aqui ele meio que faz um samba de uma nota só, mesmo porque o seu personagem é bastante unidimensional. O mesmo se pode de dizer de Robert Ryan, um ator canastrão que, nessa ocasião, não fez muito diferente do que sempre fez.

“Coração Prisioneiro” não está entre as obras-primas de Max Olphüs, como é o caso do anterior “Carta de Uma Desconhecida” (Letter From An Unknown Woman, 1948). Entretanto, possui relevância não só pela curiosidade de atacar uma personalidade famosa como Howard Hughes, mas por desenvolver uma crítica social pertinente e ainda atual. Um longa que, mesmo após décadas, não se tornou datado. Acima, afirmei que ele pode ser visto como um conto de fadas às avessas. Pois bem, tal como os contos de fadas trazem temas atemporais, Olphüs deixou aqui também um recado que, infelizmente, não envelheceu ao longo dos anos.


Cotação:



Nota: 8,0

terça-feira, 5 de março de 2013

Curtindo o Curta #6


"The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore" foi a animação vencedora do Oscar de melhor curta-metragem em animação de 2012. Realizado usando diversas técnicas, como miniaturas, computação gráfica e o desenho tradicional, o curta se constitui em uma espécie de declaração de amor aos livros e à literatura, com seu grande potencial de nos fazer viajar sem sair do lugar. Os diretores Brandon Oldenburg e William Joyce (este também autor do roteiro) tiveram como inpirações declaradas para a concepção do curta o ator Buster Keaton, o furacão Katrina, o clássico "O Mágico de Oz" e, claro, o amor pelos livros. Interessante como a essa categoria do Oscar é menosprezada por muitos, mas, com frequência, ela nos revela ótimas experiências e talentos. Os 15 minutos do video abaixo não serão perdidos, caso você decida vê-los. Bom curta!



sábado, 2 de março de 2013

Indomável Sonhadora

Uma flor no pântano


Uma das boas iniciativas da Academia de Hollywood tem sido a de pinçar filmes independentes para lhes conferir indicações importantes na festa anual do Oscar, dando assim uma maior visibilidade a produções, cineastas e atores que poderiam ficar restritos circuitos cinéfilos caso não tivessem seus nomes indicados àquele que é considerado o prêmio máximo do cinema. Nos últimos anos, para citar exemplos, tivemos “Pequena Miss Sunshine” (Little Miss Sunshine, 2006), “Juno” (idem, 2007), “Inverno da Alma” (Winter's Bone, 2010) e até mesmo “Guerra Ao Terror” (The Hurt Locker, 2008), longa de orçamento limitado e fracasso de bilheteria que levou os prêmios de melhor filme e direção para Kathryn Bigelow, debancando a favorita superprodução “Avatar” (idem, 2009), de James Cameron. E eis que surge este “Indomável Sonhadora” como mais um exemplar de cinema alternativo conduzido aos holofotes devido às suas indicações ao Oscar 2013.

Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Sundance, o longa dirigido pelo estreante Benh Zeitlin (indicado ao Oscar de melhor diretor) põe em foco um recente desastre natural que abalou os Estados Unidos: a passagem do furacão Katrina pelo estado da Louisiana, evento que expôs não apenas uma série de problemas ambientais da região, como também chagas sociais que colocaram em evidência as divisões de classe e etnia norte-americanas. Na trama, o Katrina termina por atingir um comunidade que vive na “Banheira”, uma ilha fictícia e pantanosa onde a água, já ordinariamente, costuma subir às canelas e casas dos moradores. É lá que vive a pequena Hushpuppy (a incrível garotinha Quvenzhané Wallis, atriz mais jovem a ser indicada ao prêmio da Academia de Hollywood em todos os tempos), órfã de mãe e cujo pai, Wink (Dwight Henry), é um teimoso alcoólatra que está definhando com cirrose hepática e não desiste de viver na situação precária da ilha. Diante do grave estado de saúde do pai e dos caos instalado pelo furacão, Hushpuppy passará por uma jornada de formação e autoconhecimento, vencendo os obstáculos com auxílio de sua fértil imaginação infantil.



Talvez o conceito mais interessante de “Beasts Of The Southern Wild” seja justamente o de misturar o retrato de uma realidade dura, que é aquela vivida pelos habitantes da “Banheira”, com a abstração da imaginação infantil, que transforma animais de pinturas rupestres em símbolos de adversidades, remetendo-nos à infância sem se tornar uma obra infantilizada, muito pelo contrário. Para um diretor estreante, Zeitlin soube muito bem fugir de armadilhas melodramáticas (sempre fáceis quando se trata de temas relacionados à infância) e teve uma ótima sacada ao colocar Hushpuppy como narradora, contribuindo para pintar o quadro da realidade pelo prisma lúdico da garota. Realidade essa que, é importante frisar, o diretor conhece de perto, pois que ele costumava viajar para a Louisiana com a família na adolescência. Ante mesmo de filmar “Indomável Sonhadora” ele tocou no mesmo tema do desamparo da vítimas do Katrina em seu curta-metragem “Glory At Sea” (2008). Ou seja, este é um tema que lhe é caro e que por isso foi por ele desenvolvido com tanta propriedade. O roteiro, escrito pelo próprio diretor ao lado de Lucy Alibar, ainda toca na questão ambiental de maneira inteligente e sem resvalar na ecochatice, fazendo um “marketing ecológico” possivelmente mais eficaz do que várias das ações de entidades como o Greenpeace.

Outro ponto interessante se constitui na ética e costumes próprios da comunidade em questão, os quais possuem códigos muitos particulares, algo que geralmente sucede em grupos marginalizados. Fortes e solidários, as adversidades do meio não permitem espaço para afloramento das emoções, algo que se revela até mesmo nos funerais, onde o choro parece ser proibido e o ritual de despedida dos mortos se assemelha mais a uma comemoração do que a um velório. Neste sentido, também se observa uma espécie de menosprezo à feminilidade, vista pelos moradores e ensinada na escola local como fraqueza, fazendo-nos lembrar o quanto a hostilidade do ambiente recrudesce o machismo. Não por acaso, em uma situação de dificuldade em que o pai já se mostra sem forças, Hushpuppy declara que agora ela é “o homem da casa”. Em situações limite, há pouco espaço para o feminino e o dia a dia do moradores da Banheira parece ser sempre o de uma situação limite.

Entretanto, o filme não seria o mesmo sem a presença de Quvenzhané Wallis, uma menina escolhida dentre várias concorrentes locais (aliás, o elenco é formado inteiramente por habitantes locais) que mentiu a idade para poder ganhar o papel (ela disse ter 6 anos, idade mínima para a concorrência, quando na realidade tinha 5), mas que demonstra uma assombrosa naturalidade em cena. Ela praticamente domina a tela sozinha ao longo dos 93 minutos de projeção, justificando inteiramente sua precoce indicação ao prêmio da Academia. Espero que não tenha o mesmo destino de tantos atros infantis que, quando crescem, acabam sendo relegados ao ostracismo pelo show businnes.

Não se pode dizer que “Indomável Sonhadora” seja uma película arrebatadora. Mesmo diante de sua curta duração (93 minutos, como já mencionado), o filme possui alguns problemas de ritmo, alternando ótimas sequências com outras mais cansativas. Chega-se a ter a sensação de que ele é maior do que realmente é. Por outro lado, mostra-se um ótimo début tanto para seu diretor Behn Zeitlin como para sua pequena estrela. Uma lufada de energia em um cinema cada vez mais entorpecido pelas regras da indústria e que se faz importante não somente por tratar de temas políticos em pauta (exclusão social, ecologia), como também para mostrar que não é necessário se fazer uma obra “realista” para se tratar da realidade. O que se passa na imaginação de Hushpuppy é tão ou mais relevante do que aquilo que se passa no seu exterior. Muito de nós pode ser resultado de nosso meio, mas não é o meio que ditará a nossa essência. Hushpuppy vive em um pântano, mas nem por isso deixa de ser uma flor.


Cotação: 



 Nota: 8,5