segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Oscar 2013: Impressões



Doze pílulas sobre  o Oscar desse ano:

1) A pior coisa que pode acontecer a um apresentador é querer se transformar na estrela da festa e foi exatamente isso que sucedeu com Seth MacFarlane. Foram 18 intermináveis minutos até ele parar com aquela apresentaçãozinha boba na abertura da transmissão. O Capitão Kirk tinha razão: pior apresentador de todo os tempos (depois de James Franco, claro);

2) O prêmio de ator coadjuvante para Christoph Waltz foi justo. Muito justo. Foi justíssimo! E olha que a concorrência era forte;

3) Meio capenga a homenagem à série 007. Como bem disse o Rubens Ewald Filho, poderiam ter convidado todos os intérpretes do personagem para aparecerem juntos no palco, uma vez que estão todos vivos. Baita falta de criatividade;

 
4) “Valente” levou porque adoram premiar a Pixar. Só isso justifica;

5) Se “As Aveturas de Pi” não ganhasse em efeitos visuais, Richard Parker iria devorar alguém da Academia;

6) A categoria de edição de som apresentou, ao menos para este que vos fala, algo inédito: um empate entre “A Hora Mais Escura” e “Skyfall”. Nunca tinha visto isso acontecer antes. Segundo informações colhidas na net, foi o sexto empate na história do prêmio;

7) As apresentações em homenagem aos musicais foram dos grande momentos da noite. O público aplaudiu de pé e eu também achei bacana. Foi interessante ver o elenco inteiro de “Os Miseráveis” no palco, até o desafinado Russell Crowe;

8) Fiquei até surpreso, mas também muito satisfeito, com a premiação de Ang Lee como melhor diretor. Pode até ter sido uma injustiça Ben Aflleck não ter sido indicado ao Oscar de melhor diretor, mas acho que seria demais premiá-lo. Assim como foi muito para “Argo” ter levado o prêmio de melhor filme. Não que ela seja fraco. É um bom filme, mas tanto “As Aventuras de Pi” como “Amor” mereciam mais;


9) Jennifer Lawrence está se especializando em micos nas premiações. No Globo de Ouro foi o vestido rasgado. Agora no Oscar, foi o tombo na escada, o que meio que obrigou o público a aplaudi-la de pé, em um gesto de educação. Aproveitando: quem merecia era Emmanuelle Riva. O mundo inteiro achava isso. E é provável que vários dos votantes do Oscar estejam arrependidos agora;

10) Daniel Day-Lewis foi o primeiro ator a levar 3 prêmios na categoria melhor ator. O homem é, hoje, sem dúvida, o melhor ator do mundo;

11) E Adele ganhou o Oscar de melhor canção, absurdamente o primeiro nesta categoria para a série James Bond;

12) Eu não vi o “showzinho” de MacFarlane no fim. Aliás, alguém aqui no Brasil se deu a esse trabalho às duas da madrugada?

Em 2014 teremos mais. Abraço a todos!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Amor

Polêmico, jamais superficial


Antes de adentrarmos especificamente na análise dos aspectos de “Amor”, filme de Michael Haneke vencedor da Palma de Ouro no último Festival de Cannes, traçarei um breve relato de uma história que se passou próxima a mim. Acompanhei de perto o desenrolar de um caso de Alzheimer em uma família. Foi um processo lento e doloroso, no qual a paciente foi perdendo, gradativamente, suas funções cognitivas e mesmo fisiológicas. Por mais que tenhamos conhecimento e noções de como se desenvolve uma doença degenerativa, a experiência real com um portador de um mal de tais proporções é impactante, triste e extremamente desgastante. Era consternador ver filha e netos se dedicando com o máximo de empenho àquela velha senhora cujo destino já estava lamentavelmente traçado. Talvez o lado mais triste do processo seja justamente este: a certeza de que o esforço em cuidar do doente, procurando proporcionar a este um mínimo de dignidade, não reverterá o quadro e que a falência do organismo é algo que se avizinha. Um turbilhão de emoções se avolumavam e se tornavam cada vez mais difíceis de controlar, desde a alegria ao ver a convalescente reagir a estímulos, até a tristeza e impaciência ao não conseguir fazer com que ela tomasse apenas um copo de água. Um desafio que leva os cuidadores ao limite.

Assim, foi com um envolvimento acentuado que assisti a “Amor”, longa que trata justamente deste processo degradante que a atinge as vítimas de doenças degenerativas do sistema nervoso central. A narrativa nos apresenta um casal de octogenários, Anne, interpretada por Emmanuelle Riva (a lendária atriz de “Hiroshima Meu Amor”), e Georges, personagem de Jean-Louis Trintignant (outro ator de muita história cinematográfica). Eles têm uma bela relação, baseada no respeito e companheirismo e no cultivo de interesses comuns, como a música. Levam um cotidiano tranquilo, morando em um apartamento em Paris sem muitos luxos, mas que traduz perfeitamente o espírito erudito do casal, com artes nas paredes, móveis antigos e um cômodo que é um misto de biblioteca e sala de música. Vale dizer que o apartamento é colocado pelo diretor Michael Haneke também como um personagem da trama, até porque esta se passa quase em sua totalidade nos limites de sua residência. A referida tranquilidade é abalada quando Anne sofre um AVC, o que acaba por desencadear um posterior processo degenerativo que se assemelha ao mal de Alzheimer (embora em nenhum momento fique definida qual a doença que acomete Anne). Daí em diante, Anne passa a sofrer de limitações cada vez maiores e Georges, com inteira dedicação, faz o máximo possível para conferir qualidade de vida à sua esposa.


Percebe-se que a narrativa poderia dar margem a uma imersão no melodrama, mas não é o que acontece nas mãos de Haneke, um diretor famoso por se distanciar de emoções fáceis. Seus filmes costumam levar o espectador à reflexão através do choque, característica que faz seus detratores por vezes taxarem sua obra como apelativa ou marcada por impactos gratuitos (aliás, um dos seus filmes bem conhecidos se chama justamente “Violência Gratuita”). Em “Amor” ele nos conduz por um caminho repleto de sofrimento, mostrado de forma crua e direta, sem floreios, mas ao mesmo tempo gerando uma enorme consternação no espectador. Colocando em minúcias o processo de demência iniciado pela doença, desde os momentâneos “apagões” da mente da enferma até seus últimos estágios, como a rejeição à comida e água (o que com frequência leva pacientes de Alzheimer a necessitarem de sondas para alimentação), Haneke, mesmo sem se valer de truques melodramáticos (como trilha sonora melancólica ou diálogos carregados de açúcar), emociona ao nos mostrar, de uma só tacada, a inevitabilidade da morte e o amor como forma de nos afastar dela. Entretanto, o encanto e identificação com os personagens é quebrado por uma atitude inesperada de Georges que nos leva ao choque e também a questionar: “afinal, o que é o “amor” do título?”. É uma questão para a qual existirão várias respostas e fico com aquela que entende o amor como um sentimento que vai além de meros egoísmos e percebe que o caminho a ser seguido por vezes pode não ser aquele que nos seja mais reconfortante.

Apesar de não concordar com a visão de Haneke, torna-se inegável a força de seu argumento e a maneira extremamente artística como ele é desenvolvido.“Amour”, inclusive, foge de algumas características da filmografia do diretor. Nenhum dos seus filmes é tão lírico e poético quanto este. A título de exemplo, cite-se a cena em que Anne revê um álbum com fotos antigas e exclama “como é linda!”. Ao que Georges pergunta: “o que?”; e ela responde : “a vida”. Uma sequência simples, mas de muita beleza e que vale mais do que tomos e mais tomos de filosofia a respeito do que seja a existência. Interessante que, mesmo se passando quase unicamente dentro do apartamento do casal, o filme nunca se torna cansativo. Pelo contrário, imergimos junto com Georges no seu dia a dia solitário e desgastante, dividido apenas com uma enfermeira que comparece em três dias da semana, pois que a filha do casal, Eva (interpretada por Isabelle Huppert, outra unanimidade francesa), revela-se fria e distante durante boa parte da trama, demonstrando apenas eventualmente uma indignação conveniente diante da forma como Georges conduz os cuidados com Anne.


Até por conta do seu espaço exíguo e dos poucos personagens em cena, as atuações seriam primordiais para que se mantivesse o interesse no longa. O que sucede é um verdeiro show do casal Trintignant e Riva. Ele nos entrega uma performance emocionalmente perfeita e ela incorpora de tal maneira o personagem que por vezes esquecemos que quem está na tela é uma atriz e não uma pessoa realmente acometida por uma doença degenerativa. A Academia de Hollywood deveria aproveitar a oportunidade e render a melhor das homenagens com um Oscar para essa estrela já bastante idosa que marcou o Cinema com sua participação em longas de enorme relevância. Fosse um prêmio francês, Isabelle Huppert talvez fosse indicada ao prêmio de atriz coadjuvante, uma vez que mesmo com poucas participações ela consegue mostrar muito da personalidade de Eva, fazendo com que o espectador possa conceber uma perfil da relação entre pais e filha.

Apesar do incômodo provocado pela última meia hora de projeção, a qual deixa o público tão desnorteado quanto reflexivo, “Amor” é uma obra de profundidade ímpar, atributo inquestionável mesmo para aqueles que discordem dos rumos traçados por Haneke em seu roteiro. Até por isso, vem sendo continuamente premiado em tudo que participa e já se tornou barbada para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Um filme, antes de mais nada, humano, que questiona nossas mais profundas entranhas, nossos limites, esperanças, perspectivas, sendo capaz de nos revoltar e comover ao mesmo tempo. Pode-se atribuir muitos adjetivos para a obra de Michael Haneke, menos que ela seja “superficial”. Polêmica, sim; superficial, jamais.


Cotação:



Nota: 10,0

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Eu Quero Esse Pôster #22

Esta semama, a Academia de Hollywood divulgou uma série de posters exclusivos para cada um dos concorrentes ao Oscar de melhor filme. Os trabalhos ficaram de primeira e dou destaque para os que seguem abaixo, de "As Aventuras de Pi", "Os Miseráveis""O Lado Bom da Vida" e "Amor". E continuamos esquentando os tamborins para a festa do dia 24.








sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis

Apesar das dificuldades


Em meu recente texto sobre “O Lado Bom da Vida”, mencionei o longa protagonizado por Bradley Cooper e Jennifer Lawrence como exemplo de filme do qual esperamos muito e as expectativas acabam se confirmando. Pois bem, “Os Miseráveis”, novo trabalho do diretor vencedor do Oscar Tom Hooper (por “O Discurso do Rei”), resultou para mim como uma experiência talvez ainda mais gratificante. Trata-se daquele caso de filme do qual não esperava muito, mas, talvez até por isso, terminou por ir além das minhas expectativas e me atingindo de maneira inesperada. Até por ser um musical – e o gênero musical é o que menos me agrada dentre todos os gêneros cinematográficos – eu esperava uma obra cansativa e redundante, principalmente diante de seus 158 minutos. Contudo (e felizmente), as impressões negativas, em sua maior parte, foram se dissipando ao longo da projeção e a sensação que tive no seu término foi a de ter visto um belo espetáculo que vence a mera distração e que possui um força emocional que permanece para além da sessão, algo que afirmo até diante das circunstâncias peculiares a que assisti ao longa, as quais poderiam ter influenciado negativamente na sua apreciação.

Eu me minha esposa fomos ao cinema na última sexta-feira, dia 08 de fevereiro, e pegamos a sessão das 20:30h de “Os Miseráveis” (que estava surpreendentemente cheia para uma sexta-feira de carnaval). Com mais ou menos 30 minutos de exibição, o projetor da sala pifou e saímos frustrados por pagarmos caro (todos sabemos que os preços dos ingressos andam nas alturas) e simplesmente voltarmos pra casa sem ver a continuação do filme. A gerência nos disponibilizou convites para assistirmos a qualquer outra sessão, em dia e horário a nossa escolha, e voltamos nesta terça-feira, dia 12, para concluirmos o longa. Escolhemos a sessão das 17:20h, mas qual não foi a nossa surpresa e irritação quando, ao chegarmos próximos dos guichê da bilheteria, depois de enfrentar uma fila enorme, descobrimos que os ingressos para a sessão escolhida já estavam esgotados e tivemos que trocar os convites por ingressos da sessão das 20:30h. Foram mais três horas de espera e já estávamos impacientes, esperando que o filme realmente valesse à pena todo esse esforço. Ou seja, entramos na sala próximo às 20:30h (que desta vez atingiu sua lotação completa, não cabia mais ninguém ali). Eu já estava bem contrariado e torcendo para não me decepcionar. E, realmente, não me decepcionei.


Não que “Os Miseráveis” não tenha suas falhas. Elas estão lá e algumas até visíveis mesmo para o espectador médio que não costuma estar muito atento a detalhes técnicos. Tom Hooper não é um grande diretor (sua premiação pela Academia em 2010 foi um tanto equivocada) e aqui ele comete vários equívocos, principalmente nos enquadramentos utilizados, repletos de close-ups que por vezes cansam a imagem dos atores e se mostram ainda mais equivocados diante da bela reconstituição de época operada pela direção de arte. A edição é outro aspecto que se mostra trôpego, principalmente no início da projeção, o que soa estranho em um filme extenso como é o caso (convenhamos que a edição se torna mais complicada quanto menor for a duração de um longa). Além disso, o elenco se mostra oscilante e um dos personagens mais destacados, o inspetor de polícia Javert, conta com uma das interpretações mais equivocadas da carreira de Russel Crowe, um ator oscarizado que vem se perdendo cada vez mais.

Entretanto, a força da narrativa concebida originalmente por Victor Hugo, que tem como protagonista o ex-prisioneiro Jean Valjean (interpretado aqui por Hugh “Wolverine” Jackman), é mesmo atemporal. Hugo levou cerca de 30 anos concebendo o romance que dividiu originalmente em 5 volumes. Publicado em 1862, ele foi um sucesso de imediato, vendendo milhares de exemplares em Paris durante apenas 24 horas. Traduzido para dezenas de línguas, tornou-se uma das obras mais adaptadas para o cinema e a televisão, além de espetáculos teatrais (existem adaptações japonesas e até indianas do livro). Uma obra de apelo universal, portanto. No caso deste “Os Miseráveis” de Hooper, a matriz é o espetáculo musical francês concebido em 1980 por Claude-Michel Schönberg (compositor), Alain Boublil e Jean-Marc Natel (letristas). Depois do sucesso em terras francesas, ele foi adaptado para o inglês em 1985 (com tradução de Herbert Kretzmer) e caiu no gosto popular também em Londres. Hoje é um dos musicais mais populares de todos os tempos. Várias de suas canções se tornaram bastante conhecidas, sendo o caso clássico “I Dreamed a Dream”, música que foi regravada por estrelas como Aretha Franklin e recentemente esteve na paradas de sucesso depois que Susan Boyle, participante de um reallity show britânico, cantou-a no programa de TV e impressionou o mundo todo com sua interpretação. Em síntese: este “Os Miseráveis” atualmente em cartaz é uma adaptação da adaptação, algo frequente dentro do gênero musical (como é o caso de clássicos como “Amor ,Sublime Amor”, por exemplo).



Na trama, o citado Jean Valjean passa 19 anos na cadeia, incluindo trabalhos forçados, por ter furtado um pedaço de pão para sua irmã e sobrinhos com fome. Ele é finalmente posto em liberdade condicional, mas acaba se tornando foragido após mudar o nome para começar vida nova. Torna-se, então, um cidadão respeitável, dono de uma fábrica e prefeito local. No entanto, o inspetor de polícia Javert nunca desiste de encontrá-lo, desenvolvendo uma verdadeira obsessão pela caçada a Valjean. Este último, por sua vez, acaba adotando Cosette (interpretada na infância por Isabelle Allen e na juventude por Amanda Seyfried), filha de Fantine (Anne Hathaway em estado de graça!), uma desventurada costureira de sua fábrica. Cosette, por sua vez, acaba se apaixonando por Marius (Eddie Redmayne), um jovem nobre que se envolve no movimento revolucionário que culminaria nas revoltas parisienses de 1832. Tal como na vida, Hugo colocou na mesma panela questões sociais e sentimentais, dando à sua obra uma força que ultrapassou o tempo e as fronteiras. Da mesma forma, Hooper, a desfeito de suas falhas, consegue transpor a barreira do gênero e fazer de “Les Misérables” um longa apreciado por qualquer espectador, um espetáculo épico belo e envolvente.

Deve-se frisar, por outro lado, que boa parte do feito se deve às músicas, várias delas lindas e marcantes. E elas ganham ainda maior relevância diante da ótima interpretação da maior parte do elenco. Sabe-se que Hooper deixou de lado as gravações das canções em estúdio (recurso comum nos musicais) para fazer com que seu elenco as interpretassem “ao vivo”, no próprio set de filmagens. É certo que, se tal expediente gera algumas sensíveis desafinadas na tela, por outro lado ele proporciona uma interpretação mais verdadeira e visceral dos atores. Hugh Jackman demonstra bem tal afirmação com uma boa performance para Valjean, fazendo valer a sua indicação ao Oscar de melhor ator (já levou o Globo de Ouro de melhor ator em comédia ou musical). Temos também boas surpresas como Samantha Barks, intérprete de Eponine, personagem feminina que nutre um amor não correspondido por Marius. Entretanto, não há como negar o assombro da presença de Anne Hathaway no longa. Com cerca de 30 minutos durante a projeção, ela rouba a cena e arrebenta como Fantine. A sequência em que ela interpreta a citada “I Dreamed a Dream”é, desde já, histórica, algo que dificilmente será igualado por qualquer outra atriz que venha a interpretá-la.


Apesar de suas dificuldades, Hooper conseguiu trazer para a tela uma bonita visão do clássico francês, algo que não deixará o espectador indiferente, por mais que possa ter resistência ao gênero em questão. Uma visão que não suaviza a miséria, nem se propõe a traçar painéis sociológicos e que deixa uma ótima impressão ao fim da sessão. Eu, apesar das dificuldades para ver o longa, desde a minha resistência a musicais até os contratempos com a exibição, senti-me recompensado com sua bela imagem final (minha esposa, registre-se, gostou ainda mais, já que ela adora musicais). Tendo em vista os aplausos ao fim da sessão, o público presente também sentiu da mesma forma e, vamos convir, não é comum um musical fazer as pessoas aplaudirem espontaneamente sua conclusão.

Cotação:



Nota: 9,0

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Trilha Sonora #26



Nestes tempos de Oscar, é comum lembrarmos das famosas "injustiças" da premiação da Academia de Hollywood. Se tem algo que nunca entendi é como "Mrs. Robinson", música de "A Primeira Noite de Um Homem" (The Graduate, 1967), não levou o prêmio de melhor canção. Realmente inexplicável! Curta abaixo este clássico de Simon e  Garfunkel composta para um filme também já clássico e excelente protagonizado por Dustin Hoffman. Desde então, ele se tornou uma estrela (leia a resenha aqui).



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O Lado Bom da Vida

Dramédia romântica para ver e rever


Sabe aquele filme do qual você está esperando muito e, após vê-lo, suas expectativas se confirmam plenamente? Este é bem o caso deste “O Lado Bom Da Vida”, o filme de David O. Russell que vem sendo elogiado quase à unanimidade tanto pela crítica quanto pelo público. Um longa-metragem que pode ser classificado como “comédia romântica”, mas que oferece muito mais do que meras risadas em torno de um casal que já sabemos que irá terminar junto. Raramente você verá uma CR com personagens tão tridimensionais quanto neste aqui, além de uma carga dramática que passa longe de superficialidades. Aliás, taxar essa película de “comédia romântica” acaba por se tonar algo supérfluo. Sua classificação em “gêneros” pode resultar desastrada e talvez o termo “dramédia” lhe seja mais adequado. Ou, melhor ainda, mais preciso é dizermos que se trata de uma “dramédia romântica”, o que já deixa clara a insuficiência de tais classificações limitadas.

Russell adora tratar de relações familiares em suas obras. Seu trabalho anterior, “O Vencedor” (The Fighter, 2010), focava em uma família onde um dos seus elementos causava uma grande instabilidade no núcleo (personagem que inclusive rendeu Oscar de ator coadjuvante para Christian Bale). Em “O Lado Bom da Vida”, a estrutura é similar, mas há uma relevante distinção. Se em “O Vencedor” a fonte de instabilidade reside em um personagem coadjuvante, aqui o drama familiar é gerado pelo protagonista, um professor portador de transtorno bipolar. E mais: seu “par romântico” na trama também apresenta transtornos de personalidade. Ou seja, não estamos diante de um casal convencional. Ele é Patrick Solitano (papel de Bradley Cooper), um professor internado em um hospital psiquiátrico após quase matar um colega em uma explosão de agressividade (se quer saber as circunstâncias factuais que o levaram a isso, assista ao filme). Ela é Tiffany (interpretada por Jennifer Lawrence), uma jovem que também enfrentou um momento difícil após perder o marido muito cedo e de maneira estúpida. Pat ainda nutre esperanças de que sua ex-esposa, Nikki (Brea Bee), ainda volte pare ele e possam levar um vida juntos, situação que para Tiffany é impossível, já que ela é viúva, não divorciada. É natural que, por conseguinte, ela acabe tomando a iniciativa da relação, uma circunstância atípica, por mais que vivamos hoje em uma sociedade onde as mulheres se tornaram independentes, ainda se apresentando como peculiar.


A dupla de protagonistas é formada, antes de tudo, por indivíduos com quem decididamente não é fácil conviver. Extremamente instáveis e com momentos intempestivos de agressividade, Pat e Tiffany são o tipo de pessoa que é evitado por muitos e acabam por desenvolver amizade apenas com outas pessoas que também são vítimas de algum tipo de transtorno. Eles são o maior ponto de desequilíbrio em suas famílias, muito embora essas também não sejam formadas por tipos convencionais. O pai de Patrick (Robert De Niro, depois de muitos anos em momento inspirado) é um fanático por futebol americano que possui sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo, enquanto a irmã e cunhado de Tiffany formam uma casal disfuncional onde ela comanda a relação com arrogância e autoritarismo e ele, dono de uma personalidade fraca e submissa, parece apenas “cumprir ordens”. Entretanto, talvez por conta da agressividade, eles acabam por ser, digamos assim, as “ovelhas negras da família”.

Pela descrição acima, seria de esperar um filme pesado, onde o espectador sentiria o drama de vidas complicadas a cada cena. Contudo, não é isso que sucede. “Silver Linings Playbook” é um longa bastante engraçado, arrancando risos do público em situações improváveis. É bom ressaltar que ele é baseado no livro de Matthew Quick, um escritor que também passou por períodos de frustração e isolamento antes de alcançar o sucesso. Quick era professor como Patrick e largou o emprego para seguir a carreira literária, só que, como era de se supor, o caminho não foi fácil. Passou por depressão e, diante das dificuldades financeiras, chegou a viver na casa dos sogros. É provável que, devido às suas próprias vivências similares, ele soube perfeitamente extrair comédia das dificuldades e Russell (com o auxílio de um roteiro redondo de sua própria autoria), ao contrário de vários cineastas que tentam o mesmo, acabou se saindo muito bem na adaptação para a telona. O romance também se faz presente, mas, ao contrário do que se imaginaria, sua força só é mais sentida nos minutos finais, quando o longa acaba por assumir alguns quase inevitáveis clichês.


Como já havia demonstrado no mencionado “O Vencedor”, Russell é um ótimo diretor de atores, algo essencial em longas que têm o cerne em relações familiares. O resultado desta conjunção entre um diretor que privilegia as atuações e um roteiro propício para tanto é um elenco extremamente entrosado e com espaço para que todos tenham seu brilho. Bradley Cooper, um ator subestimado por muitos, revela todo o seu potencial na pele de Pat Solitano, entregando uma composição equilibrada e emocional para um personagem que poderia facilmente cair na caricatura. O mesmo se pode falar de Jennifer Lawrence, favorita para o Oscar depois de vencer o Globo de Ouro e o prêmio do Sindicato de Atores por este papel. Ela realmente parece destinada a se tornar a melhor atriz de sua geração e, ouso dizer, talvez seja a sucessora de Meryl Streep, dada a sua versatilidade e energia com que encarna as personagens. Entretanto, possivelmente a maior satisfação para qualquer cinéfilo seja a atuação de Robert De Niro, uma lenda viva do cinema que andou cometendo várias bobagens nos últimos anos, mas aqui recupera sua boa forma e chega a roubar a cena em sequências divertidíssimas. É uma pena ter que escolher entre ele e Christoph Waltz no Oscar. A Academia bem que poderia abrir uma exceção e premiar os dois. Outro ponto alto da projeção é a trilha pop, um passeio sonoro que vai de Led Zeppelin a Frank Sinatra, sempre com canções perfeitamente relacionadas com as situações vistas na tela.

É certo que, como já sublinhado acima, o filme acaba por assumir algumas situações clichês. Há momentos que também trazem a recordação de outros filmes, como a reta final, que lembra “Pequena Miss Sunshine” (Little Miss Sunshine, 2006) – por sinal, outro filme ótimo sobre relações familiares. Mas nada obscurece a humanidade daqueles tipos que por vezes nos fazem esquecer que são apenas personagens de um filme. O envolvimento é inevitável e, sim, às vezes nós precisamos de finais felizes para que continuemos a ter a esperança em finais felizes também fora da ficção, como bem ressalta Pat ao terminar de ler, revoltado, um dos romances de Ernest Hemingway. “O Lado Bom da Vida” é uma daquelas produções que sempre nos deixam com vontade de ver mais um pouquinho, por mais que, no futuro, ela venha a ser reprisada à exaustão na televisão. E não tenho dúvidas que tais reprises incessantes deverão acontecer em um futuro próximo. A audiência vai pedir.


Cotação:



Nota: 9,5