segunda-feira, 29 de outubro de 2012

007 - Operação Skyfall

O velho e o moço


Pois é, já são 50 anos de James Bond nas telas de cinema. Ao logo dessas décadas, o agente 007 – os dois zeros antes do 7 significam que ele tem “permissão para matar” - tornou-se um ícone pop como poucos, um símbolo de masculinidade que foi se adaptando às mudanças dos costumes sociais e da própria profissão de espião, mas que continua povoando o imaginário popular e rendendo sempre ótimas bilheterias. Nos últimos anos, a franquia mais longeva do cinema vem passando por uma especial renovação, não apenas no que diz respeito ao ator que encarna o protagonista. Desde o reboot “Cassino Royale” (2006), o tom mais sisudo e realista, aliado a um estilo de ação influenciado pela trilogia Bourne, deu uma sacudida na série que agradou em cheio tanto o público quanto a crítica. Aliado a isso, veio o novo intérprete Daniel Craig, certamente o melhor James Bond desde o lendário Sean Connery. Eu mesmo me atrevo a dizer que Craig é tão bom quanto Connery, cada um fazendo o melhor pelo personagem em seus respectivos momentos históricos.

Para comemorar as bodas de ouro da franquia não haveria melhor opção do que mais um episódio com alto nível de qualidade. E, confesso, depois da experiência somente razoável de “Quantum Of Solace” (2008), dirigido por Marc Forster, temi pela escolha de Sam Mendes para assumir a direção. Gosto de Mendes, um grande diretor de filmes como “Beleza America” (American Beauty, 1999) e “Estrada Para Perdição” (Road To Perdition, 2002), mas ele não tinha experiência no comando de filmes de ação blockbuster como este. Contudo, ainda bem que minhas apreensões não se confirmaram. O que se vê em “007- Operação Skyfall” é realmente um dos melhores episódios da cinesérie, chegando próximo ao patamar do citado “Cassino Royale” e de clássicos como “007 Contra Goldfinger” (Goldfinger, 1964). E mais, o filme possui elementos da filmografia de Mendes que o tornam não apenas mais um longa em sua carreira, mas como verdadeiramente integrante de seu perfil autoral. Mendes desenvolveu com este “Skyfall” uma ótima metáfora do eterno conflito entre o novo e o antigo, entre as tradições e a vanguarda, um tema recorrente em suas obras que se encaixa à perfeição com o próprio momento da série do agente britânico, a qual, nos últimos episódios, vem justamente buscando um novo tom mais sintonizado com o mundo contemporâneo.


A trama desta nova película é uma das mais engenhosas concebidas para o espião. Nela, vemos Bond ser dado como morto logo no início da projeção, em consequência de uma atitude equivocada de M (Judi Dench)* no comando da missão. Diante de seus últimos insucessos e seguidas perdas de agentes em campo, o trabalho de M à frente da divisão de espionagem do Serviço de Inteligência britânico, o MI-6, começa a ser questionado por seus superiores, entre eles Gareth Mallory (Ralph Fiennes), que ameaça aposentá-la compulsoriamente. Para completar o quadro, a própria sede e sistema de dados do MI-6 são atacados por uma quadrilha de hackers comandada por Silva (Javier Bardem, sensacional!) um ex-agente que sentiu traído por M no passado, buscando vingança a qualquer custo. É nesse quadro que se coloca um especial desenvolvimento na relação entre Bond e sua superiora, em uma abordagem inédita na franquia. A partir desta linha principal, o longa é pontuado por vários momentos que emanam a questão da finitude. Uma das sequências, em que Bond se encontra com Q (agora interpretado pelo jovem Ben Whishaw) revela em poucas palavras e imagens o mote de toda a narrativa ao focar em uma pintura que retrata um velho navio de guerra prestes a naufragar. A própria relação de Bond com Q, o inventor das traquitanas tecnológicas que usa, reflete esse conflito entre “o velho e moço” (para citar uma música do Los Hermanos) que jamais cessará.


Mas não é só de papo-cabeça que vive “Operação Skyfall”. A ação está lá, quase desenfreada com sequências espetaculares muito bem dirigidas por Mendes (como é bom assistir a um filme de ação sem tremedeira na câmera!) e com um vilão certamente dos mais memoráveis da cinesérie, com motivações mais sinceras do que ideias mirabolantes de conquista e destruição do mundo. Impressionante como Javier Bardem não consegue atuar mal e rouba a cena em todas as circunstâncias. E olha que seu personagem, o tal Silva, só aparece lá para a metade da projeção. Outras boas atuações também são a de Judi Dench, finalmente com um espaço maior para desenvolver a sua M, e, claro, o próprio Daniel Craig, encarnando Bond de uma forma que hoje fica difícil imaginar o herói sem a sua imagem.

“Operação Skyfall”, entretanto, peca por uma certa previsibilidade a partir da metade da narrativa e suas duas bondgirls, tanto Naomie Harris como a francesa Bérénice Marlohe, não dizem muito a que vieram, neste ponto ficando a muitos quilômetros de distância da presença central e marcante da bondgirl de Eva Green em “Cassino Royale”. Mas é bom ressaltar que estes são problemas menores que, se contribuem para deixá-lo um pouco abaixo do nível obtido por Martin Campbell no longa de 2006, não chegam a realmente interferir em ótimos 146 minutos (que não se sentem) de apreciação. Sam Mendes, tal como Christopher Nolan com a franquia de Batman, mostra aqui que é possível, sim, colocar um viés artístico próprio mesmo em blockbusters feitos para levar milhões às salas. E, de quebra, ainda temos música de Adele ao longo dos ótimos créditos iniciais do longa-metragem. Tem coisa melhor do que comer pipoca com classe e inteligência? E que venha o próximo 007, como bem anunciado antes dos créditos finais.



Cotação:



Nota: 9,0



*Nota com SPOILER: corre a notícia de que o fim da personagem de M na franquia se deve a uma doença degenerativa nos olhos de Judi Dench que pode deixá-la cega.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Na Estrada

Viagem cansativa


De antemão, vou avisando que nunca li “On The Road”, a obra literária de Jack Kerouac agora adaptada pelo nosso Walter Salles para o cinema. Imagino que seja um bom livro, afinal nada nessa vida é impune e seu sucesso e respeito ao longo de décadas deve ter os seus méritos. Vamos falar aqui, portanto, apenas da obra cinematográfica, o filme enquanto filme, abstraindo o fato de ser uma adaptação. Sob esta ótica, posso dizer que o resultado final é, no mínimo, bastante discutível.

É verdade que Francis Ford Copolla, detentor dos direitos de adaptação para o cinema desde os anos 70, esperou todo esse tempo para por em prática o seu projeto porque nunca havia encontrado o diretor ideal (o que nos levar a imaginar que ele próprio se achava incapaz para a tarefa) até assistir a “Diários de Motocicleta” (2004), o road movie (ótimo, é bom lembrar) dirigido por Walter Salles que narra as viagens feitas por Ernesto Guevara de La Serna em sua juventude, ou seja, antes de ser mundialmente conhecido como “Che” Guevara. De fato, Salles mostrou-se um grande diretor de filmes de estrada não apenas por este trabalho, mas também por “Central do Brasil”, longa que tornou seu nome famoso ao receber duas indicações para o prêmio da Academia de Hollywood – melhor filme estrangeiro e melhor atriz (Fernanda Montenegro). Além disso, sempre foi um artista de grande sensibilidade, demonstrada ainda em outras obra como “Abril Despedaçado” (2001) e “Linha de Passe” (2008, juntamente com Daniela Thomas). Ao lado de Salles, outros nomes que figuram nos créditos de “Diários de Motocicleta” foram levados para o projeto, entre eles o roteirista Jose Rivera e o diretor de fotografia Eric Gautier. Adicione-se que o longa ainda conta com um baita elenco, salpicado por vários nomes famosos e competentes que fariam a alegria de qualquer diretor. Com tanta gente boa junta, este poderia ser considerado um projeto que não tinha como dar errado. Infelizmente, as coisas não correram tão bem assim. 


Não se pode negar que a fotografia de Gautier é muito bonita e que existe toda uma contextualização da vida daqueles jovens, integrantes da famosa geração “Beatnik,” que deve ser observada. Eles cresceram durante a Segunda Guerra Mundial e acabaram por desenvolver um visão de mundo existencialista bastante influenciada por nomes como Jean-Paul Sartre e Albert Camus. É nítido que suas viagens são a busca de um sentido para a vida, ou a crença na falta de tal sentido para a mesma. As drogas e o sexo transgressor, portanto, não são gratuitos na tela, assim como o fato de Sal Paradise (Sam Riley), alter-ego de Jack Kerouac, enxergar no inconsequente Dean Moriarty (Garrett Hedlund) um exemplo libertário soa, até certo ponto, natural. O problema é que, mesmo entendendo perfeitamente o contexto, o filme de Salles se mostra quase tedioso, uma sucessão sem fim de bebedeiras, viagens alucinógenas e orgias que não nos levam a qualquer empatia com os personagens.


A sensação de tédio pode ser realçada pelo caráter episódico da narrativa, a qual relata as viagens de Sal ao lado de Dean e a maluquete Marylou (Kristen Stewart, estranhamente bem no papel), numa relação que às vezes parece remeter a “Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois” (Jules et Jim, 1962), uma das grandes obras de François Truffaut. Vamos de viagem em viagem, de lá para cá, do Leste para o Oeste e vice-versa e acabamos com a impressão de que estamos vendo as mesmas cenas, principalmente diante dos injustificáveis 137 minutos de projeção. Sal, o protagonista, muitas vezes parece um maria-vai-com-as-outras, sempre seguindo Dean nas suas aventuras. Entretanto, não se pode negar que diante de tantas loucuras, surgem algumas sequências bem divertidas e alguns dos tipos que vão aparecendo são inegavelmente interessantes, como Old Bull Lee (que na realidade seria o escritor William S. Burroughs), interpretado com boa presença por Vigo Mortensen, ou Camille (Kirsten Dunst, ótima), que acaba se tornando esposa de Dean Moriarty. Da mesma forma, o desfecho se revela bem elaborado (imagino que bem adaptado), colocando em evidência as decepções de Sal com o seu amigo “libertário”, mas que no fundo vai se mostrando tão somente um irresponsável compulsivo, incapaz de levar qualquer relacionamento de forma madura, sendo levado a tomar toda e qualquer atitude tendo como único referencial o próprio ego.

Entretanto, suas virtudes acabam se mostrando poucas para um filme baseado em uma obra tão aclamada. Talvez a culpa seja do próprio livro, que muitos consideravam como inadaptável. Na película, são visíveis os esforços de todos os envolvidos no projeto para captar a essência, o espírito da obra de Jack Kerouac, mas tais esforços de mostraram aparentemente frustrados. Aparentemente, trata-se da primeira vez em que Walter Salles realmente errou a mão. Ou será que o livro adaptado é chatinho mesmo? Com a palavra, aqueles que já tiveram a oportunidade de ler suas páginas.



Cotação:
  


Nota: 6,5

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Para Ver Em Um Dia de Chuva



   

O Segredo da Porta Fechada

(Secret Beyond The Door, 1947)


A “má fase” de Fritz Lang


A carreira do genial cineasta austríaco Friedrich Anton Christian Lang, mais conhecido pelo nome artístico Fritz Lang, é mais lembrada hoje pela sua fase europeia e expressionista, quando concebeu obras-primas como “Metropolis” (1927) e “M – O Vampiro de Dusseldorf” (M - Eine Stadt sucht einen Mörder, 1931) do que pela sua fase nos Estados Unidos, país para o qual emigrou fugindo do nazismo. Muitos o acusaram de ter se vendido a Hollywood, realizando películas de viés comercial e pouca relevância artística. Trata-se, contudo, de uma visão apressada e injusta, já que, em Hollywood, Lang ajudou a criar o que hoje se convencionou chamar “cinema noir”, o tipo de filme que dominou a produção média estadunidense durante os anos 40, onde heróis de caráter nem sempre exemplar se envolviam com mulheres fatais e tramas policiais ou misteriosas. Há ainda uma vertente mais feminina do noir, que alguns denominam de “gótico feminino”, onde normalmente mulheres apaixonadas se veem diante de situações misteriosas ou possuem comportamento obsessivo. É o caso de clássicos como “Amar Foi Minha Ruína” (Leave Her To Heaven, 1945), de John M. Stahl; e “Rebecca, A Mulher Inesquecível” (Rebecca, 1940), de Alfred Hitchcock. “O Segredo da Porta Fechada”* (Secret Beyond The Door) é um dos filmes de Lang que se encaixam nessa definição de “noir feminino” e demonstram que seu talento estava longe de algo que se possa adjetivar como “em baixa”.

Esta foi a segunda e última produção da Diana Productions, empresa criada por Lang, o produtor Walter Wanger, sua então esposa e estrela Joan Bennett (Diana era o nome da filha do primeiro casamento de Bennett) e Dudley Nichols. Devido ao fracasso comercial do longa, a produtora acabou falindo, mas é difícil entender os motivos de seu insucesso. Afinal, trata-se de uma obra com um roteiro elaboradíssimo e uma direção que constrói um clima extremamente tenso que nos deixa vidrados na tela e grudados na poltrona. Inspirado pelo citado “Rebecca”, Lang acabou gerando um suspense que não fica nada a dever aos do mestre Hitchcock. Com seu tom onírico e subtexto freudiano, “O Segredo da Porta Fechada” antecipou ainda em décadas os suspenses psicológicos que teriam em Roman Polanski um dos seus maiores expoentes em filmes como “O Bebê de Romary” (Rosemary's Baby, 1968). Ou seja, mais uma obra dentre tantas que sofreu da incompreensão tanto do público quanto da crítica, mas que merecia um destino melhor.


Na trama, Joan Bennett – bela e com atuação convincente - vive Celia, uma rica, mas insegura mulher muito protegida por seu irmão mais velho. O falecimento deste lhe deixa sem um porto seguro e ela acaba se apaixonando e casando rapidamente com Mark Lamphere (Michael Redgrave), um milionário charmoso, mas que aos poucos vai se demonstrando misterioso em igual medida. Ele possui a estranha mania de colecionar quartos de mulheres vítimas de assassinato, todos devidamente alocados na sua enorme mansão. Só que um deste quartos, o sétimo, encontra-se permanentemente trancado e Mark se recusa a revelar o que há no seu interior. O mais interessante é que Celia, ao contrário do que se poderia banalmente supor, não se move a tentar descobrir o que há por trás da tal porta apenas por uma mera curiosidade ou o temor de estar diante de um psicopata ou algo do tipo. Seu motor é o amor que sente por Mark e o desejo de ajudá-lo a superar possíveis traumas que o levariam a ter esse comportamento estranho. Tal contexto traz um ótimo diferencial para a personagem de Bennett, sendo ainda mais reforçado pela narração em off da própria Celia, demonstrando que várias de suas atitudes, que poderiam parecer bobas à primeira vista, são tomadas depois de muita reflexão e angústia. Ademais, o recurso faz com que mergulhemos na subjetividade da protagonista, envolvendo-nos com suas dúvidas cada vez mais inquietantes.

A narrativa também se mostra ideal para que Lang ponha em prática suas teorias sobre a essência do ser humano. Para ele, todo homem é um criminoso em potencial. Dizem que ele chegava mesmo a perguntar às pessoas se elas já não tinham desejado matar alguém e ficava frustrado diante de respostas negativas, acreditando serem mentirosas. O personagem de Mark é justamente a representação dessas ideias. Será ele um criminoso de fato ou somente no plano imaginativo? Para Celia, a melhor resposta não seria nenhuma das duas, claro, mas, com o desenrolar dos acontecimentos, a segunda opção aparece como relativamente confortável.


Vale dizer que o suspense psicológico não seria tão eficiente sem a interação com a fotografia e a trilha sonora. Stanley Cortez, o mesmo diretor de fotografia de obras-primas como “O Mensageiro do Diabo” (The Night Of The Hunter, 1955), apresenta aqui mais um trabalho brilhante em p&b. A sequência em que Celia está prestes a desvendar o tal segredo atrás da porta é uma verdadeira aula de enquadramento e utilização do contraste entre luz e sombras. Da mesma forma, a inspirada trilha de Miklós Rózsa garante o tom certo para cada sequência, principalmente as mais tensas. As atuações também não deixam a desejar, principalmente a da ótima Joan Bennett, perfeita como uma heroína romântica, mas ao mesmo tempo inteligente, proativa e angustiada.

É verdade que o filme deixa de atingir o status de obra-prima devido ao seu desfecho meio apressado e até certo ponto insatisfatório. Entretanto, isso não significa dizer que é uma obra menor dentro da filmografia de um referencial da Sétima Arte. Trata-se de um belíssimo representante de um quase gênero (sim, pois o noir é mesmo um gênero?) dos mais cultuados e estudados da história do cinema e do qual Fritz Lang foi um dos criadores. Trazendo da Europa seus conceitos expressionistas, ele misturou suas origens com o formato hollywoodiano para criar um novo jeito de fazer cinema que ainda encanta mesmo décadas depois. Pois é, esta é a “má fase” (para usar uma expressão consagrada no futebol) de Fritz Lang. Mais uma prova de que os críticos erram, e muito, em suas avaliações imediatistas.


Cotação:



Nota: 9,5

*O filme possui outras duas versões em português para o seu título. São elas “O Segredo Atrás da Porta” e “O Segredo da Porta Cerrada”. Preferimos adotar no texto a tradução usada na recente edição lançada em DVD no mercado brasileiro.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Looper - Assassinos do Futuro


A primeira impressão é a que fica

Se fosse utilizar apenas um adjetivo para definir este “Looper – Assassinos do Futuro” com certeza seria “estranho”. Foi o que comentei com minha esposa aos sairmos da sessão no cinema, ainda meio atordoados por uma trama que mistura viagens no tempo com mutações genéticas que lembram os filmes dos X-Men e até mesmo “Akira”, a animação japonesa cult de Katsuhiro Otomo. No entanto, o adjetivo “estranho” merece ser visto aqui não como um demérito, mas antes como uma virtude do longa dirigido pelo pouco conhecido Rian Johnson. Tal como filmes como “Star Wars” ou “Matrix”, “Looper” tem o mérito de propor um universo ficcional com regras e nuances próprias, mesmo que, ao analisarmos mais detidamente, elas se mostrem como uma mistura de ideias já vistas em outros produtos pop.

A trama, meio confusa como normalmente sucede com longas sobre viagens no tempo, narra a vida de Joe (Joseph Gordon-Levitt), um “looper”, uma espécie de matador de aluguel encarregado de eliminar vítimas enviadas do futuro, devendo também se livrar dos seus corpos (tarefa fácil, já que o corpo é de alguém que nem existe no tempo em que se passa a narrativa). Os problemas começam quando o alvo enviado do futuro para execução é o próprio Joe algumas décadas mais velho (interpretado por Bruce Willis), o que irá gerar uma série de descontinuidades temporais bem ao estilo “De Volta Para o Futuro” (Back To The Future, 1985). Para tentar evitar o assassinato da sua esposa, o Joe “velho” vai tentar eliminar o futuro líder da máfia em questão, o qual parece ser um garoto com poderes mutantes telecinéticos descontrolados (acredito que semelhanças com “O Exterminador do Futuro” também não são mera coincidência).

O problema deste tipo de enredo é que, inevitavelmente, surgirão várias pontas soltas e seu final em aberto, denotando a intenção de construir uma franquia a partir deste, deixa a situação ainda pior. Mas não se pode negar que Johnson sabe conduzir seu material e o espectador, a partir de metade da projeção, já está totalmente envolvido pelo universo proposto, por mais estranho e absurdo que ele possa parecer (o que em geral acaba invariavelmente sucedendo com este subgênero de ficção científica). Jonhson consegue atribuir uma personalidade inesperada a um filme que poderia fracassar de maneira retumbante em mãos erradas ou apresentar apenas mais do mesmo. Além disso, o roteiro, escrito pelo próprio Rian Johnson, apresenta conotações sociais ao insistir constantemente na assertiva de que o caráter de um indivíduo em boa medida é moldado pelo meio onde ele vive. O próprio Joe se apresenta como vítima das circunstâncias, revelando um passado turbulento, comentado pelo mesmo ao longo da narrativa. Há ainda um clima de máfia japonesa no ar (mais uma referência), dadas a violência e crueldade com que agem os integrantes da máfia em questão.

Para a credibilidade do protagonista, por outro lado, contribui muito a participação decisiva de um ator de qualidade como Gordon-Levitt. Com mais uma boa atuação, Levitt chegou a usar próteses e uma competente maquiagem para ficar mais parecido com Bruce Willis, uma vez que ambos interpretam o mesmo personagem. Até as canasctrices de Willis são bem captadas por ele, numa perfeita simbiose que nos faz ter a sensação de realmente estarmos diante do mesmo personagem. Emily Blunt como Sara, mãe do garoto que passa a ser ponto central dos acontecimentos, também aparece com boa presença. Em outra vertente, a fotografia, com tons escuros, e a trilha sonora são outros fatores que ajudam a criar a tensão e o suspense, principalmente a partir da segunda metade da projeção.

Contudo, o que realmente compensa em “Looper”, a despeito de seu bom aparato técnico-artístico, é a sensação de estarmos vendo algo novo, mesmo que este “novo” aponte fortes referências de obras predecessoras. Ele não é baseado em livros ou HQs, não continuação, remake, prequel ou qualquer coisa que o valha. Trata-se de um filme em que um cineasta resolveu contar uma história que simplesmente lhe passou na cabeça e isso, diante da pouca inspiração do cinemão pipoca dos últimos anos, é um grande trunfo que nos faz olhar para ele com uma primeira impressão de simpatia. Dizem por aí que “a primeira impressão é a que fica”. E, ao menos com este que vos escreve, a primeira impressão de estar diante de uma agradável estranheza foi a que ficou.


Cotação:
Nota: 8,0

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Filmes Para Ver Antes de Morrer


Cinebiografias: 7 filmes essenciais

Normalmente costumamos considerar as adaptações da vida de personalidades levadas às telas do cinema como inseridas no gênero “drama”, o que, em sua maior parte, não deixa de se colocar como um definição correta. Entretanto, tal como ocorre na literatura, acredito que as biografias no cinema formam um subgênero e que vem sendo muito explorado nos últimos anos. Basta lembrar que em breve teremos dois novos e aguardados filmes com figuras famosas: “Lincoln”, dirigido por Steven Spielberg e com Daniel Day-Lewis no papel do presidente norte-americano, e “Hitchcock”, com Anthony Hopkins no papel título. É bom até destacar que se trata de um subgênero adorado pelos atores, já que suas interpretações de papeis de personagens históricos costuma render prêmios e elogios da crítica e do público. Abaixo, o Cinema Com Pimenta listou 7 produções que têm como tema a vida de personalidades reais adaptadas para o cinema com competência e méritos artísticos, algo por vezes difícil, dada a complexidade da alma humana. Afinal, é fácil cair no erro de mostrar o biografado como “bonzinho” ou “malvado”. Bem, vamos aos filmes.


7) “2 Filhos de Francisco” (2005) – Quando vi pela primeira vez o poster deste filme, eu desdenhei completamente de seu potencial. “Um filme sobre a vida de Zezé di Camargo e Luciano? Deve ser péssimo...”. Mas que engano! O diretor Breno Silveira conseguiu a proeza de realizar um filme bastante popular sem apelar para o melodrama barato, com uma narração muito bem amarrada e ainda contando com ótimas atuações, desde os atores mirins até a excelente presença de Ângelo Antônio como o pai da dupla sertaneja, um homem de muita perseverança e com um otimismo que beira a maluquice. A verdade é que o filme é tão bom que passei até a simpatizar com os cantores depois dele. Agora, espero sempre um algo a mais dos longas de Silveira, o qual em breve estará com “Gonzaga – De Pai Para Filho” no circuito comercial;



6) O Aviador (The Aviator, 2004) – Muitos criticaram esta biografia do milionário Howard Hughes porque seu diretor, Martin Scorsese, teria fugido de suas características autorais para, com isso, conquistar os membros da Academia de Hollywood e levar o Oscar de melhor diretor para casa (naquela ocasião, ele ainda não havia sido premiado com o careca dourado). Considero esta visão bastante equivocada. Aqui, mais uma vez Scorsese aborda um personagem socialmente deslocado, como já havia feito em “Touro Indomável” (Raging Bull, 1980) e “Taxi Driver” (1976), solitário na sua visão de mundo e que busca ardorosamente uma aceitação. Em “O Aviador” a ironia se torna ainda maior por se tratar de um homem bem-sucedido, invejado e idolatrado por muitos, mas que vai aos poucos perdendo a sanidade devido à ausência de compreensão dos seus contemporâneos. Vale dizer que Leonardo DiCaprio está simplesmente ótimo no papel do biografado e que a produção é impecável na sua reconstituição de época, fotografia e edição (de Telma Schoomaker, colaboradora habitual de Scorsese). A cena final, com Hughes pronunciando obsessivamente a frase “o caminho do futuro”, é memorável e genial;


5) Piaf – Um Hino ao Amor (La Môme, 2007) – Já tive a oportunidade de resenhar este filme anteriormente e a verdade é que ele vai ficando melhor com o passar do tempo. Muito lembrado pela atuação espírita de Marion Cottilard (poucas vezes o Oscar foi tão inquestionável quanto aqui), o longa, entretanto, vai muito além de ser apenas um “filme de ator” (no caso, atriz). Extremamente bem dirigido por Olivier Dahan, ele impacta o espectador com a força da poderosa história de Edith Piaf, a voz mais famosa da França, a qual teve uma vida conturbada e cheia de lances tristes que mais pareceriam sair de um novela não fossem verdadeiros. Alguns apontaram que certas partes pouco honrosas de sua trajetória foram amenizadas no filme, o que provavelmente é verdade, mas, por outro lado, não se pode negar que o resultado final é capaz de emocionar o mais duro dos corações;


4) Amadeus (1984) – Auge da carreira de Milos Forman, que já havia mostrado sua excelência em “Um Estranho No Ninho” (One Flew Over The Cuckoo's Nest, 1975). A biografia de Wolfgang Amadeus Mozart ganhou contornos de pura arte que fizeram jus ao patamar artístico do músico. Claro que toda a história envolvendo Salieri (no filme interpretado por F. Murray Abraham), posto aqui como o estranho que assombrava Mozart no fim de sua vida, é pura suposição e romanceamento, mas,em termos artísticos, o resultado é simplesmente sensacional. Os oito Oscars levados pela produção foram muito merecidos e as gargalhadas histriônicas do Mozart de Tom Hulce são inesquecíveis;


3) Touro Indomável (Raging Bull, 1980) – Segundo filme de Scorsese na lista (sim, eu adoro Scorsese) e, talvez, o seu melhor trabalho. O longa mostra a vida do boxeador Jake La Motta, um homem bruto e incapaz de construir relacionamentos duradouros, ferindo até aqueles que mais ama. A interpretação de Robert De Niro, que lhe rendeu o prêmio da Academia de Hollywood como melhor ator, tornou-se lendária e muita gente que nem viu o filme sabe que ele engordou dezenas de quilos para interpretar o personagem na maturidade. Sua sequência inicial de créditos, ao som da "Cavalleria Rusticana", é algo sublime, assim como suas cenas de luta, com socos em close, tornaram-se uma verdadeira referência pop. Filme para ser visto e revisto;


2) O Homem-Elefante – (The Elephant Man, 1980) – Também já tratei deste filme em outra oportunidade. Uma obra pungente sobre a melancólica vida de John Merrick (no filme, interpretado por John Hurt, que perdeu o Oscar para Robert De Niro por “Touro Indomável), o tal “Homem Elefante” do título, um infeliz portador de uma doença rara que o deixa com uma aparência terrível. “Uma bela alma aprisionada em um corpo horrível”, nas palavras do seu diretor, o então pouco conhecido David Lynch. Às vezes é até difícil acreditar que tamanho sofrimento possa ter ocorrido de verdade. Contudo, Lynch jamais deixa-se levar pelo sentimentalismo barato, compondo uma película com tons expressionistas, mas ao mesmo tempo extremamente humanos. Filme a que todo ser humano deveria assistir pelo menos uma vez na vida;


1) Lawrence da Arábia (Lawrence Of Arabia, 1962) – Talvez seja esta a obra máxima de um mestre entre os mestres: David Lean (eu também amo “Dr. Jivago”, por isso o “talvez”). Megalomaníaca e genial ao mesmo tempo, a história do oficial britânico T. E. Lawrence, adaptada para o cinema a partir de seu livro “Os Sete Pilares da Sabedoria”, arrebata o espectador com sua grandiosidade, atuações perfeitas (Peter O'Toole merecia o Oscar) de um elenco estelar (ainda temos Anthony Quinn, Omar Sharif, Alec Guinness e até Claude Rains), fotografia soberba e qualquer outro adjetivo hiperbólico que você queira atribuir. Acredito até que David Lean vem sendo pouco valorizado pelas novas gerações de diretores, críticos e cinéfilos, algo que pode estar ocorrendo devido ao tempo diferente de suas obras, inadequadas ao ritmo veloz dos nossos dias, quando estamos cada vez mais impacientes. Um erro que precisa ser corrigido.