sábado, 29 de setembro de 2012

Eu Quero Esse Pôster #21

Há filmes que, antes mesmo de sua estreia no circuito, sabemos de antemão que serão candidatos a prêmios. Alguém tem dúvida que Sir Anthony Hopkins será indicado ao Oscar de melhor ator pela sua interpretação do mestre do suspense em "Hitchcock"? Não? Nem eu. O filme, dirigido por Sacha Gervasi, narra a produção de "Psicose" e tem estreia prevista para 23 de novembro nos EUA. Além de Hopkins, o longa ainda conta com nomes como Helen Mirren (no papel da esposa de Hitchcock) e Scarlett Johansson (fazendo Janet Leigh). Ah, e o poster acima já se tornou icônico!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Para Ver Em Um Dia de Chuva


Jogos Vorazes 
(The Hunger Games, 2012)



Ação cabeça


Exercício interessante poder avaliar um sucesso de bilheteria algum tempo depois do seu lançamento. É possível que, ao escrever sobre um filme logo quando da sua estreia nas salas de exibição, acabemos por nos deixar influenciar pelo “oba-oba”, seja por parte dos críticos ou mesmo do público. Claro que vendo o filme em video, podemos perder o impacto que uma obra pode causar na tela grande, ambiente mais adequado para uma apreciação cinematográfica, mas vê-lo longe de influências de opiniões na internet ou de amigos pode ser tão produtivo quanto. É o que aconteceu comigo ao assistir, após 6 meses de seu lançamento, este “Jogos Vorazes”, sucesso com Jennifer Lawrence, uma das novas queridinhas de Hollywood (merecidamente, é bom frisar).

Trata-se de mais uma franquia inaugurada no cinema, baseando-se na trilogia juvenil da escritora Suzanne Collins (que continua com os volumes “Em Chamas” e “A Esperança”) e que busca, obviamente, arrebatar mais um horda de fãs que sustentem suas prováveis continuações com muito lucro. Mas é importante destacar logo que “The Hunger Games” está longe de ser uma obra anencéfala, muito embora suas premissas não sejam exatamente originais. Alguns anos atrás, o conceito de jovens gladiadores que lutam entre si até a morte em um futuro próximo já havia sido sucesso no Japão com “Batalha Real”, livro de Koshun Takami posteriormente adaptado para mangá e cinema. Há ainda um certa pitada de “O Sobrevivente” (The Running Man ,1987), filme com Arnoldão então no auge de sua popularidade oitentista. É possível ainda apontar semelhanças com “1984”, de George Orwell, e “Admirável Mundo Novo”, escrito por Aldous Huxley. Entretanto, embora traga uma nítida influência destas obras predecessoras, é possível afirmar que “Jogos Vorazes” possui uma identidade própria que o distingue de livros e produções com temáticas semelhantes.

Nesta distopia dirigida por Gary Ross (um outro filme dele é “Seabiscuit – Alma de Herói”), temos uma América do Norte dividida em treze“regiões”, sendo elas a Capital e 12 distritos. Devido a uma revolução mal sucedida no passado, os doze distritos são obrigados anualmente a enviar dois jovens entre 12 e 18 anos (um homem e uma mulher) à Capital para a disputa de um reallity show macabro onde eles deverão se digladiar até restar apenas um vencedor. Katniss Everdeen (Lawrence), protagonista da trama, é a representante feminina do distrito 12. Ela se coloca como voluntária para livrar suas irmã menor do fardo, já que esta havia sido sorteada para a participação. Com ela irá também Peeta Mellark (Josh Hutcherson), um rapaz que parece nutrir por ela uma especial afeição, muito embora sua postura se apresente constantemente ambígua.

Talvez o ponto que mais salte aos olhos quando do início da narrativa é a semelhança que a personagem de Lawrence tem com seu outro papel em “Inverno da Alma” (Winter's Bone, 2010). Em ambos o casos, ela interpreta uma jovem forte que age de maneira corajosa a fim de proteger sua família. Uma heroína na defesa da mais forte e longeva das instituições sociais, portanto. Porém, se a abordagem de “Inverno da Alma” é mais intimista, aqui a história de Katniss serve como mote para reflexões acerca de controle social e espetáculo midiático, mormente a forma como este último serve à manutença do primeiro, agindo como um dos elementos importantes da ideologia que nos faz enxergar a realidade por meio de um “filtro” que nos deixe domesticados. É justamente esse status quo que será posto em xeque a partir das atitudes de Katniss, as quais acabam por levar os responsáveis pelos jogos a mudar suas regras. É inegável que o longa induz o espectador a vários questionamentos, principalmente ao aproveitar situações recorrentes nos reality shows do dia a dia, como as conhecidas associações momentâneas entre os concorrentes visando eliminar outros tantos oponentes.


Além de sua vertente questionadora, a película também impressiona por trazer a brutal violência entre adolescentes. Mesmo que não seja uma ideia exatamente original, como dito mais acima, ela não deixa de ser incômoda e o diretor Gary Ross se sai muito bem ao mostrar as agressões de maneira menos gráfica, mas sem que ela perca seu impacto. Para tanto, utilizou-se de uma edição elíptica que em outros filmes poderia ser vista como defeito, mas aqui se transforma em virtude. Ross também empreende à narrativa um ótimo ritmo, jamais tornando-se cansativa e que conta ainda com um elenco de peso. A escolha de Jennifer Lawrence para o papel foi perfeita. Ela é uma das jovens atrizes mais promissoras do cinema norte-americano atual, aliando à sua beleza um talento indiscutível. Impressionante como ela consegue nos fazer torcer por seu destino desde o início do filme. Josh Hutcherson também entrega boa atuação como o dúbio Peeta, emprestando veracidade a um personagem que nunca sabemos quais são suas verdadeiras intenções. Juntando-se a eles, ainda temos nomes como Woody Harrelson, Donald Shuterland e Stanley Tucci, todos com boa presença. O ponto fraco fica para presença de Lenny Kravitz como o figurinista Cinna, um do mentores de Katniss, personagem que merecia um intérprete melhor. Outros pontos negativos infelizmente ainda podem ser apontados. O desenrolar do roteiro (escrito pelo diretor Ross e Billy Ray juntamente com a própria autora dos livros ) por vezes se mostra previsível demais, sendo possível antecipar várias das suas ações. São muitas pistas que são deixadas e o espectador termina por antever muito do que está por vir. A película também possui uma trilha sonora esquecível, que nada contribui para o clima de tensão (mais marcante nos seus silêncios), além de uma caracterização um tanto infeliz para os moradores da Capital, normalmente com um visual bastante afetado., em alguns casos beirando o ridículo.

Por outro lado, é inegável que “Jogos Vorazes” é um filme que instiga e estimula o espectador à reflexão, tanto que mal sentimos seus 137 minutos passarem. Lembrando que o seu público é principalmente o jovem, uma franquia como esta se mostra muito bem-vinda, uma vez que possui um inegável viés político e contestador. Uma aventura cabeça que por vezes nos leva à impressão de ser na verdade uma crítica com verniz de filme de ação do que um longa de ação com nuances contestadoras. A diferença entre os dois casos não é pequena, como pode parecer, e ver que uma produção com tais conotações alcançou um grande êxito nas bilheterias é revigorante. Que venham logo os próximos episódios.


Cotação:
 Nota: 8,5

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Será que dessa vez temos chances?


Foi com alegria e satisfação que li a notícia, agora à tarde, que "O Palhaço" foi escolhido para representar o Brasil na corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro. Além dos inegáveis méritos do filme, uma pérola recente do nosso cinema, "O Palhaço" é detentor de características propícias a se tornar um dos 5 indicados na noite do Oscar 2013, ao contrário do nosso concorrente anterior. "Tropa de Elite 2" também é um longa excelente, mas muito violento e com uma temática muito voltada para o nosso público. Já o filme de Selton Mello é uma obra lírica, de inspiração felliniana e com potencial para agradar a todos os públicos, das mais diversas nacionalidades (além dos velhinhos da Academia). Confesso que sou fã de "O Palhaço" e desejo toda a sorte a nosso representante nessa corrida. Caso vença, o careca dourado estará em ótimas mãos.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Filmes Para Ver Antes de Morrer


Último Tango em Paris
(Ultimo Tango a Parigi/Le Dernier Tango à Paris, 1972)


Um filme no museu de arte


A sequência mais famosa de “Último Tango em Paris”, conhecida mundialmente como “cena da manteiga”, poderá deixar aqueles que virem a obra de Bernardo Bertolucci pela primeira vez um tanto decepcionados. Sim, pois se estiverem esperando uma cena de alta voltagem erótica, como muito se alardeia por aí, não será exatamente isso que verão. Ao assistir dita sequência a sensação que me veio foi a de estar presenciando um ato de violência sexual, passando até longe de nuances verdadeiramente sensuais que estimulem o espectador a desejos eróticos ou algo que o valha. Ou seja, muito mais do que sexo, o que vemos é uma agressão. E é possível que somente nos tempos de hoje, onde sexualidade e erotismo estão cada vez mais explícitos até mesmo na televisão, tenhamos uma compreensão melhor, mais apurada, deste longa de 1972 que se tornou um dos mais influentes do cinema ao longo das últimas décadas.

Quando foi lançado, vendo com os olhos contemporâneos, observo que “Ultimo Tango a Parigi” chamou a atenção mais pela superfície do que pela sua essência. Afinal, as cenas de nudez e sexo, banais para os padrões atuais, eram fortes para os anos 70. Pelo menos no cinema mainstream, contando com um astro do porte de Marlon Brando, jamais havia sido visto algo tão voluptuoso e escancarado, tanto que lhe rendeu proibição em vários países, entre eles o Brasil, onde só foi liberado pela censura em 1979, sete anos após seu lançamento na Europa. Mesmo em países como Itália e EUA, sua vida não foi fácil, sendo frequentemente exibido apenas depois de passar por uma severa tesourada. Esse “auê” todo teve como resultado a impressão de que o filme de Bertolucci é sobre sexo, mas não é. É antes de tudo um ensaio sobre solidão, vazio existencial e a violência que permeia as relações humanas.


O filme também representa um guinada na carreira de Bertolucci, até então com a imagem muito associada a cinema político em decorrência de obras como “Antes da Revolução” (Prima Della Rivoluzione, 1964) e “O Conformista” (Il Conformista, 1970). Aqui, ele expande seus horizontes para abordagens mais intimistas, pessoais, muito embora não se possa deixar de vislumbrar em “Último Tango em Paris” um manifesto da contracultura e da revolução sexual iniciada nos anos 60. Bertolucci consegue, ademais, aprimorar a sua mise-en-scène, a qual resulta em uma espécie de barroco modernista, principalmente quando lembramos da fotografia de Vittorio Storaro. Colaborador habitual de Bertolucci (foram parceiros em 8 longas), Storaro realizou uma fotografia declaradamente inspirada na arte do britânico Francis Bacon (algumas de suas obras, inclusive, são exibidas durante os créditos iniciais), atribuindo à imagens uma saturação em tons de sépia que influenciaria ao longo dos anos a imagética do chamado “cinema de arte” europeu. Aliás, a própria ideia de “cinema de arte” existente atualmente foi em boa parte criada a partir deste filme. Não é por acaso que uma parcela significativa do cinema dessa vertente no velho continente invista tanto no erotismo (obtendo maior ou menor sucesso) como forma de investigar as relações humanas (o ápice dessa tendência ocorreu no fim dos anos 80/início dos 90). Outro elemento memorável é a música da Gato Barbieri, responsável pelos tangos que dão o título ao longa-metragem. A associação bem acabada de imagem e sons é mesmo um dos seus trunfos e também influenciaria toda uma geração posterior de diretores.

O roteiro, concebido pelo próprio Bertolucci, teve colaborações do escritor Alberto Moravia e da também cineasta Agnès Varda, apresentando-se de antemão como inovador por narrar um história que se passa em Paris sem quase mostrar nada da Cidade Luz. Pelo contrário. Sua ambientação é claustrofóbica, com a maior parcela das ações transcorrendo em interiores, principalmente o apartamento onde os personagens de Brando e Maria Schneider se encontram. Ele interpreta Paul, um norte-americano de meia idade que acaba de se tornar viúvo devido ao suicídio de sua esposa. Casualmente ele conhece Jeanne (Schneider), uma jovem atriz que se encontra noiva de um diretor de cinema (Jean-Pierre Léaud, o alter-ego de François Truffaut e uma das figuras mais queridas da Nouvelle Vague) e procura um apartamento. Sem resistirem à atração mútua, eles passam a se encontrar regularmente em um apartamento sombrio onde, sem jamais dizerem os próprios nomes, mantêm relações sexuais como forma de preencher seu vazio e de expurgar suas culpas e medos.

Como é possível perceber, Bertolucci empreende uma jornada de confronto entre Eros e Tânatos, entre a morte e a força pulsante da vida traduzida na forma do sexo. Mas esta é somente um das possíveis leituras dentre as várias possibilidades oferecidas por esta obra de múltiplas camadas, onde cada sequência se mostra como essencial à sua compreensão. Nada nele é gratuito. Até mesmo a frequente nudez de Maria Schneider não surge como uma maneira barata de atrair a atenção do espectador, pois que o seu contraste com um Brando quase sempre vestido parece sugerir que Jeanne está muito mais aberta, exposta e desejosa de novas vivências do que Paul, um homem que se encontra na permanente fuga de uma vida permeada por traumas, alguns explícitos (o suicídio da esposa) e outros apenas sugeridos (teria sido vítima de abuso sexual no passado?). Vale dizer aqui que, para a composição de personagens tão densos a presença de atores de peso seria fundamental e a escolha de Brando não poderia ser mais perfeita. Só mesmo ele, com sua famosa postura de ator-autor, para alcançar tanta entrega a um personagem responsável por algumas da cenas mais densas da história do cinema, tais como o famoso monólogo que realiza diante do corpo de sua falecida esposa. Uma sequência que chega a ser constrangedora para o público, tamanha a carga de sentimentos jogados ao ar, como se estivéssemos diante de uma confissão íntima a que, na verdade, não deveríamos estar assistindo. Schneider também está ótima com a sua aura juvenil, responsável pelo lado “eros” do casal, em contraposição ao “tânatos” de Paul. É uma pena que, de certa forma, sua carreira tenha sido excessivamente marcada por este papel, permanecendo ao longo das décadas posteriores quase apenas lembrada por ter realizado a tal “cena da manteiga”.

Alguns afirmam que Bertolucci teria usado até mesmo teorias de Georges Bataille e outros estudiosos para a elaboração dos diálogos e personagens. Verdade ou não, é impossível negar um fato: ele conseguiu criar um película que realmente atinge o status de “arte”, um longa perturbador, mas fundamental na mesma medida. Jean-Luc Godard já dizia que “cultura é a regra, a arte é a exceção”, sendo que “Último Tango em Paris” indubitavelmente figura entre tais “exceções”. Uma obra cinematográfica que nos atinge tal como uma pintura, afetando o nosso inconsciente, mesmo que no plano consciente possamos eventualmente rejeitar a sua forma. Em outras palavras: um filme digno de ser exposto no museu de arte moderna., ao lado de obras de outros grandes artistas.


Cotação e nota: Obra-prima.

domingo, 16 de setembro de 2012

Quero Ver Novamente #19


No último post do blog, ao resenhar a ótima película "Splendor", dirigida por Ettore Scola, mencionei que um dos filmes referenciados ao longo de sua narrativa é "Morangos Silvestres" (Smultronstället, 1957), do genial Ingmar Bergman. Na realidade, considero este não apenas como o melhor filme de Bergman (dentre suas várias obras-primas), mas também como um dos melhores filmes da história do cinema. É difícil lembrar de outro filme tão simples e poderosamente humano quanto este, um conto sobre as reminiscências de um professor aposentado durante um viagem de carro para receber uma homenagem pela sua carreira. A sequência que você pode assistir logo abaixo, entre o professor Isak Borg (Victor Sjöström) e sua nora (Bibi Anderson), constitui-se em um dos diálogos mais perfeitos já roteirizados. São apenas 5 minutos que valem mais do que a filomgrafia completa de vários cineastas por aí. E, se você ainda não viu "Morangos Silvestres", que ela sirva de estímulo para que conheça o quanto antes esta obra de arte inesquecível.


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Restaurando a Película



Splendor
(1989)


Cada cidade tem o seu Splendor


Quando se fala em injustiça no cinema costumamos logo associar a palavra às malfadadas premiações anuais (entre elas o nosso querido Oscar), que vez ou outra entregam os louros para obras que deixam aquela dúvida sobre os seu reais méritos em detrimento de outras de valor artístico incontestável. No entanto, existem outras formas de injustiça, talvez até mais graves, como quando uma película de grande qualidade acaba simplesmente esquecida da memória tanto dos críticos quanto dos admiradores da Sétima Arte, tornando-se uma obra pouco vista, sendo esquecida até mesmo pelas distribuidoras no mercado de home video. Este é o caso de “Splendor”, filme italiano lançado em 1989 e dirigido pelo grande Ettore Scola e que conta ainda com os atores Marcelo Mastroiani e Massimo Troisi (o carteiro de “O Carteiro e o Poeta”, lembram-se?) no elenco. Ou seja, o longa-metragem tinha tudo para alcançar uma ótima repercussão, mas não foi o que sucedeu devido a um golpe do destino, já que em 1989 o também excelente “Cinema Paradiso” (Nuovo Cinema Paradiso), de Giuseppe Tornatore, ganhou o mundo com uma temática bastante semelhante, caindo nas graças do público e arrebatando diversos prêmios internacionais, entre eles o Oscar de melhor filme estrangeiro. Enfim, “Splendor” acabou ofuscado pelo trabalho de Tornattore, fazendo com que hoje quase ninguém se lembre dele.

É uma pena tal situação, pois “Splendor” é um filme lindo, belamente tocante em sua declaração de amor ao cinema e que, tal como “Cinema Paradiso”, consegue transcender a mera cinefilia e alcançar o feito de emocionar qualquer espectador, seja ou não um aficionado. Ao narrar a trajetória do cinema “Splendor”, no seu auge frequentado por autoridades e figuras de destaque até a sua decadência, apelando para espetáculos eróticos para se manter em atividade, Scola realiza um apurado retrato não só da experiência cinematográfica óbvia, que é a de ver um filme e ser tocado por ele, mas também de como as vidas das pessoas que estão em volta da sala de exibição acabam inevitavelmente afetadas por ela, a começar pelo seu protagonista, Jordan, personagem de Mastroianni. Ele teve a infância marcada pelo cinema, pois que seu pai corria a Itália como um saltimbanco da Sétima Arte, exibindo filmes em praças e outros locais públicos e, mais tarde, seria o responsável pela fundação do Splendor. Para Jordan, desta forma, o cinema não é tão somente uma paixão, mas a própria representação de seus laços familiares, de sua herança genealógica. Por outro lado, temos também Luigi (Troisi), o projetista que aqui traduz a paixão dos cinéfilos, com suas citações e mania de relacionar situações do dia a dia a frases ou sequências famosas nas telas. Um verdadeiro obcecado que teve sua vida transformada ao passar a trabalhar na sala de exibição. De outra ponta, ainda temos Marina Vlady como Chantal Duvivier, uma ex-dançarina de cabaré que foi retirada “da vida” por Jordan para trabalhar no Splendor.


E assim vamos acompanhando as alegrias e dissabores de tais personagens, que têm suas vidas norteadas pelo cinema, com a sensibilidade típica de Scola. Discípulo de Vittorio de Sica, Scola parece ter herdado dele com maior intensidade não a sua veia neorrealista, mas principalmente a sua sensibilidade característica. Scola realizou aqui uma obra tão sensível quanto “Um Dia Muito Especial” (Una Giornata Particolare, 1977), onde mostrou de forma simplesmente sublime um dia na vida de um homem e uma mulher (no caso Sophia Loren e mais uma vez Mastroianni) durante o regime fascista. Outra influência nítida em Scola, e que aqui se fez presente, é a de Federico Fellini, com seu viés imaginativo que nos leva ao fantástico e lúdico. Ademais, o seu roteiro, que não segue uma ordem cronológica (na verdade, Scola é mais roteirista que diretor, tendo começado sua carreira no cinema nesta função), com constantes flashbacks, foge de obviedades e consegue colocar sempre ótimos diálogos que remetem à trajetória da própria arte cinematográfica. Neste ponto, é um deleite para o espectador cinéfilo observar as referências a inúmeros filmes, que vão desde “Morangos Silvestres”, de Ingmar Bergman, a “Touro Indomável” de Martin Scorsese. É possível, inclusive, fazer uma lista dos filmes citados que já vimos ou não, todos ótimas pedidas e com importância artística.

Acrescente-se a este belo roteiro, a fotografia especial de Luciano Tovoli, principalmente nas passagens em preto e branco usadas para mostrar os acontecimentos passados e a marcante trilha sonora de Armando Trovajoli, melódica e bastante adequada ao tom da narrativa. Por seu turno, talvez seja redundante afirmar que Mastroianni mais uma vez nos entrega uma grande interpretação, muito embora a figura pela qual acabemos por nutrir mais empatia seja o Luigi de Troisi. Além do carisma habitual do ator, a apaixonite que Luigi sente pelo cinema, chegando até a trabalhar sem receber – quando do ocaso do Splendor - faz com que logo nos identifiquemos com ele, principalmente nós, cinéfilos e blogueiros que dedicamos parte da nossa vida a essa paixão sem receber nada em troca.


Com um final belíssimo e emocional sem ser piegas, “Splendor” retrata de maneira sublime a ascensão e queda pelas quais passam praticamente todas as salas de cinema, principalmente as de rua, hoje em rápido processo de extinção no Brasil. Saí da sessão do cineclube (ressalte-se, mais uma vez, que não existe distribuição deste filme em DVD no mercado nacional, lamentavelmente) não apenas enternecido com a bela obra de Ettore Scola, mas também saudoso e revoltado com o fato de que os cinemas de rua de Natal não existem mais, sendo substituídos por lojas ou mesmo igrejas evangélicas. Nada contra os evangélicos, tenho respeito por todas as crenças, mas durante anos eu nutria o sonho de ganhar um bolada na loteria e comprar o falido Cine Rio Grande, onde pude assistir a muitos filmes durante a minha infância, desde os longas dos “Trapalhões” até os da franquia “Superman”. Recordo que foi lá onde assisti a “E.T. - O Extraterrestre” (com uns 5 anos mais ou menos), filme que considero como responsável pelo nascimento do meu amor pela Sétima Arte. É...Infelizmente, cada cidade deve ter o seu (ou seus) “Splendor”, eis a triste realidade.


Cotação:

Nota: 10,0

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Cinemúsica


Amor, Sublime Amor
(West Side Story, 1961)


O avô de “Beat It”



Não sei se alguém já havia tocado neste ponto antes, mas vendo por esses dias o clipe de “Beat It”, um dos grandes sucessos do álbum “Thriller” do lendário Michael Jackson, acabei observando que ele traz uma síntese de boa parte da trama de “Amor, Sublime Amor” (West Side Story), clássico musical dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins em 1961 e um dos precursores em abordar a temática das gangues de jovens que hoje estão meio que fora de moda – no Brasil parecem ter sido substituídas pelas torcidas organizadas de clubes e nos EUA pelos lunáticos que atiram a esmo em escolas e cinemas (seria mais um sintoma do individualismo exacerbado?). Tanto no videoclipe como no longa-metragem vemos jovens desocupados que empregam seu tempo em promover rixas e atos de vandalismo ao som de músicas pop e dançando com ótimas coreografias. Não estou querendo dizer que Jackson copiou um dos baluartes do fim da era de ouro dos musicais, mas me pareceu evidente a sua influência, principalmente na sequência que vemos em ambos de líderes duelando com canivetes, o que talvez seja sintoma de que os videoclipes não existiriam sem os musicais.

Aliás, a própria narrativa de “Amor, Sublime Amor” é um bom exemplo de que no mundo pop a reciclagem de ideias é um recurso já bem antigo, não sendo exclusivo da Hollywood contemporânea, pois que o longa nada mais é do que uma atualização de “Romeu e Julieta”, peça de William Shakespeare conhecida por todos, para o ambiente da Nova York do fim dos anos 50/início dos 60. Saem as famílias dos Capuletos e Montecchios da narração shakespeariana e entram as gangues dos Jets e dos Sharks, os primeiros integrados por norte-americanos nativos, anglo-saxões, e os segundos formados por imigrantes porto-riquenhos. É no meio desse conflito de conotações xenófobas que surgirá o amor entre Tony (Richard Beymer) e Maria (Natalie Wood), ele primo de Riff (Russ Tamblym), líder dos Jets, e ela irmã de Bernardo (George Chakiris), líder dos Sharks. Cabe destacar, ainda, que o filme já é uma adaptação de um espetáculo musical da Broadway, de autoria de Arthur Laurents e encenado pelo próprio Jerome Robbins, o qual assinou aqui a codireção com Wise. Ou seja: a versão cinematográfica de “West Side Story” se constitui na adaptação da adaptação. E ainda dizem por aí (eu me incluo nesse coro) que o cinema dos anos 2000 está “carecendo de criatividade”.


Afirmar que o citado longa é “a adaptação da adaptação” não significa afirmar, entretanto, que ele é um filme ruim. Pelo contrário. “West Side Story” é uma obra poderosamente imagética, aliando a esta característica a música e a dança com muita competência. Desde a longa sequência de abertura, sem diálogos, percebemos que estamos diante de uma película diferenciada, com um padrão artístico elevado. Realmente, são várias as suas virtudes, como a criatividade das coreografias – dirigidas por Robbins, pois que para Wise ficavam as cenas com diálogos tradicionais – além de canções inspiradas como “Maria”, “Tonight” e “America” (algumas delas transcenderam o filme e passaram para a categoria de standards norte-americanos). E, mais relevante ainda, o roteiro (de Ernest Lehman) consegue tocar em muitos pontos relevantes e que nunca perdem a sua atualidade, como a citada xenofobia, a ilusão da imigração como panaceia para aqueles que buscam oportunidades, além da ausência da família na formação dos jovens, que acabam por traçar caminhos sem rumo e procuram preencher seu vazio com a violência. Um quadro que, em linhas gerais, não se apresenta muito destoante de hoje. Adicione-se a tais elementos uma produção impecável que fugiu do cenários de estúdio e realizou as filmagens em uma área abandonada de Nova York que estava prestes a sumir do mapa para posterior recuperação (a demolição da zona foi adiada a pedido da produção do filme).

Pena que nem tudo são flores, principalmente no que diz respeito à atuação do elenco, que se apresenta irregular, mormente o protagonista Tony. Richard Beymer é um ator fraco, quase inexpressivo (em entrevistas posteriores, o próprio Wise admitiria o erro na escolha), o que nos faz lamentar o fato de Elvis Presley não ter aceitado o papel, o que já de antemão ao menos conferiria maior presença ao personagem, além do que cantaria com sua própria voz, diferentemente de Beymer, o qual foi dublado na pós-produção. Além disso, colocar os porto-riquenhos falando inglês com sotaque até em conversas entre eles (não seria mais fácil falar em espanhol?) soa muito caricatural. Este recurso da dublagem, ademais, algo que era comum na Hollywood de então, soa meio que tosco para o público atual, acostumado a ver atores até dispensando dublês para cenas de risco, que dirá ter aulas de canto. Natalie Wood também foi vítima do procedimento e suas cenas cantadas resultaram com um forte gosto de artificialidade (ela foi dublada por Marni Nixon nas canções). Todavia, se Beymer foi um fracasso interpretativo, Natalie mais uma vez nos entregou uma performance apaixonada, como era do seu feitio. No mesmo nível desta estão as presenças de George Chakiris, no papel de Bernardo, e Rita Moreno como Anita, namorada de Bernardo e amiga de Maria. Não por acaso ambos foram agraciados com as premiações para atores coadjuvantes no Oscar, que me pareceram bastante merecidas.


Cheio de nuances trágicas - afinal, não custa lembrar que se trata de uma adaptação de Shakespeare - “Amor, Sublime Amor” surge como precursor mais distante de uma linguagem que une o visual ao musical voltada para o público jovem (um precursor mais imediato seria “ A Hard Day's Night”, com os Beatles), linguagem esta que acabaria por redundar nos videoclipes como os de Michael Jackson. Vencedor de 10 prêmios da Academia de Hollywood (além dos já mencionados pelas atuações, levou também de melhor filme, direção, figurino, direção de arte, fotografia, som, edição e, obviamente, trilha sonora), o longa permanece como uma referência pop relevante e um dos grandes representantes (mesmo diante de suas imperfeições) de uma era em que os musicais levavam um grande público às salas de exibição. Pouco tempo depois, musicais como este dariam espaço para os talentos da Nova Hollywood, onde os próprios jovens seriam responsáveis por externar suas dores e pensamentos.


Cotação:

Nota: 9,0

domingo, 2 de setembro de 2012

Trilha Sonora #24


É incontestável que "Meu Primeiro Amor" (My Girl) é um filme cativante e tocante. Lançado em 1991, fez meio mundo chorar com a história da menina Vada (Anna Chlumsky), filha de um agente funerário (Dan Akroyd) que ficou órfã de mãe desde o parto. Seu melhor amigo é Thomas (Macauley Culkin, naquela que talvez seja a melhor atuação de sua carreira), um garoto muito alérgico e impopular e é com ele que Vada irá descobrir as primeiras experiências da pré-adolescência. Esta é a única película de expressão do diretor Howard Zieff e foi com ela que decobri a linda música "My Girl", um sucesso do grupo "The Temptations" no já distante ano de 1964. Ouça abaixo e relembre essa pequena pérola cinematográfica dos anos 90. Sobe o som! Ah, e fuja da insípida continuação de 1994.