sábado, 30 de janeiro de 2010

"O Portal do Paraíso": o maior fracasso comercial do cinema


Obs. O Texto abaixo não é uma resenha ou crítica, pois ainda não tive a oportunidade de assistir ao filme. Trata-se apenas de um texto que busca as curiosidades sobre a produção, além de traçar, de forma superficial, a sua temática. Uma vez advertido(a), acompanhe as linhas se assim o desejar.

Esta semana, “Avatar” atingiu o status de longa-metragem de maior bilheteria de todos os tempos, ultrapassando o sucesso anterior de James Cameron, “Titanic” (mesmo que, para isto, se valha de artifícios como ingressos mais caros para salas de projeção em 3D e valores não atualizados para a arrecadação de “Titanic”). Mas, talvez muita gente se faça a pergunta: “Se ‘Avatar’ é o maior sucesso, qual seria o filme que resultou no maior fracasso da indústria cinematográfica?”.

Provavelmente, a resposta que muitos críticos e especialistas darão será “O Portal do Paraíso” (Heaven’s Gate), filme do diretor Michael Cimino lançado em 1980, e o mais caro realizado até então. Custou cerca de US$ 45 milhões aos cofres da United Artists o que, em valores atualizados, resultaria em uma produção de aproximadamente US$ 200 milhões, cara até para os padrões perdulários do cinema atual. A verdade é que o longa teve resultados catastróficos nas bilheterias, arrecadando apenas US$ 1 milhão, o que redundou em um prejuízo de 98%, levando a United à falência. Desde então existe uma aura de maldição que paira sobre o longa, não tendo passado por processo de reabilitação nem mesmo nesta era de DVD-Blu Ray (muito embora exista a disponibilidade em DVD nos USA).

O mais curioso é que o filme tem em sua direção e elenco nomes consagrados que jamais fariam prever tamanho desastre. O diretor, Michael Cimino, vinha da láurea do Oscar, recebida em 1979 pelo seu “O Franco Atirador” (1978), filme sobre as sequelas da guerra do Vietnã sobre um grupo de amigos operários recrutados para o conflito. Tanto o filme quanto Cimino foram oscarizados, além da produção ter ido muito bem nas bilheterias. Além disso, no elenco de “O Portal do Paraíso” estavam nomes como John Hurt, Isabelle Hupert (sim, uma das musas do cinema francês), Christopher Walken (que havia trabalhado com Cimino em “O Franco Atirador” e levado o Oscar de coadjuvante por esse trabalho), Kris Kristofferson, entre outros. Mas, então, o que deu tão errado?



Muito provavelmente, o fracasso teve como principal fator uma inadequação ao momento pelo qual passavam os EUA e seu público, que já estava se cansando de ver nas telas expiações do Vietnã, além de acompanhar, ao longo dos anos 70, casos de corrupção como o de Watergate dominando os noticiários. Ou seja, o ambiente estava propício para produções de tom escapista como as de Steven Spielberg e George Lucas com seus contatos com extra-terrestres e guerras estelares. E a temática de “Heaven’s Gate” era exatamente o contrário disto que o público estava esperando. O longa trata de um episódio um tanto obscuro da história dos EUA, um conflito ocorrido no Condado Johnson, no Estado do Wyoming, por volta de 1890, onde rancheiros contrataram exércitos de mercenários para conter os avanços dos imigrantes que vinham em grandes caravanas para a região. Devido aos conflitos surgidos entre fazendeiros e colonos e a incapacidade do Estado de exercer seu poder, além de prover a manutenção de serviços básicos como água e saneamento, uma verdadeira faxina demográfica foi realizada para restabelecer a ordem e o “progresso” (parece o lema da nossa bandeira). Cimino, desta forma, aproveitou o tema para realizar fortes críticas à formação e hipocrisia da sociedade americana, desmistificando a conquista do Oeste.

Tamanha autocrítica nunca costumou render muitos pontos com o público estadunidense (essa não é, vale frisar, uma virtude que lhe seja frequente). Ademais, os críticos torceram o nariz para a obra, talvez influenciados pelos inúmeros boatos que rondaram a produção. Um deles falava que Cimino teria gastado horrores construindo uma verdadeira cidade no meio do nada apenas para filmar uma única sequência, além de fazer todo elenco esperar horas somente para bater uma foto que constaria em uma das cenas. Reza a lenda que muitos da equipe o chamavam pelas costas de “O Aiatolá”. Ridicularizado até em programas de TV, Cimino caiu do seu pedestal de gênio (recentemente conferido pelo citado “O Franco Atirador”). E o seu ambicioso projeto se transformou em um monumental fracasso.

Alguns cineastas, como Martin Scorsese e Francis Ford Copolla, consideram o filme uma obra-prima incompreendida. Talvez seja. Infelizmente, até hoje ainda não tive a oportunidade de assistir e comprovar se tão prestigiosos diretores estão com a razão. É provável que estejam. Vale lembrar que durante anos, “Cidadão Kane” foi relegado pela crítica e nunca chegou a ser sucesso de público. Obras geniais costumam ser incompreendidas em seu tempo. De qualquer forma, obra-prima ou porcaria monumental, resta a curiosidade para os cinéfilos em descobrir um filme que pode ser taxado de “o maior fracasso comercial de todos os tempos”. Fica a dica.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sindicato dos Produtores - Vencedores


Meio de campo embolado para o Oscar. Se "Avatar" levou o Globo de Ouro de melhor filme-drama, o Sindicato dos Produtores de Hollywood (PGA) deu o prêmio para "Guerra ao Terror". Vamos ver como o Oscar vai resolver a briga entre o ex-casados James Cameron e Kathryn Bigelow. Os outros premiados foram "Up - Altas Aventuras", como melhor animação, e o melhor documentário foi "The Cove". Pelo menos "Up" já é mais previsível que nono mês de gravidez...

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sag 2010 - Premiados


Ontem tivemos a premição do Sindicato dos Atores e o mais importante do resultado foi confirmar o favoritismo de alguns nomes e estabelecer mais um outro como favorito ao Oscar de 2010. Jeff Bridges, Christoph Waltz e Mo'nique levaram os prêmios de melhores ator, ator coadjuvante e atriz coadjuvante, respectivamente, consolidando seus nomes ainda mais na corrida pelo careca dourado. E Sandra Bullock agora leva vantagem pelo prêmio de melhor atriz, já que venceu ontem a disputa contra Meryl Streep. Digamos que agora ela está com uma cabeça de vantagem no páreo. O que não significa vitória. Basta lembrar que ano passado Meryl Streep levou o SAG, mas a vencedora do Oscar foi Kate Winslet. "Bastardos Inglórios" levou o prêmio de melhor elenco (categoria não oscarizada). Prêmio muito justo para o longa de Tarantino.

Amor Sem Escalas


Não é uma comédia romântica


O grande objetivo de Jason Reitman, diretor deste “Amor Sem Escalas”, em sua carreira parece ser o de tratar temas sérios e pesados com leveza. O caso mais emblemático é “Juno”, longa-metragem de 2007 em que se mostrava uma adolescente às voltas com uma gravidez precoce, mas que decide não abortar, escolhendo o caminho mais difícil (mas também de muito maior integridade) de continuar a gravidez e entregar a criança para adoção. Um verdadeiro libelo anti-aborto construído de forma especial a tocar seu público-alvo: os adolescentes. Com humor e inteligência (além de uma grande interpretação de Ellen Page), Juno McGuffin tornou-se uma personagem memorável e o longa-metragem recebeu, com justiça, o Oscar de melhor roteiro original.

Aqui, Reitman busca tratar de outras temáticas difíceis com uma abordagem leve, bem-humorada, mas seu sucesso não é tão grande quanto no citado longa-metragem. A narrativa mostra Ryan Bingham, personagem de George Clooney, um profissional encarregado de comunicar demissões aos funcionários de diversas empresas. Um momento doloroso que os patrões se recusam a fazer e deixam a batata-quente para “especialistas”. Para tanto, Ryan desenvolve técnicas para tornar o momento o mais humano possível, sem, contudo, se envolver emocionalmente com as situações. Em decorrência de sua atividade, Ryan percorre todo o território americano e desenvolve o hobby de acumular milhas de viagem (seu objetivo é atingir 10 milhões de milhas, coisa que poucos alcançaram). Ele, ainda, ministra palestras onde afirma que, para obter sucesso, as pessoas devem se livrar de seus vínculos afetivos, pois que esses seriam “pesos” que cada um levaria permanentemente em seus ombros. Assim, por esta síntese, já fica claro que este é um daqueles longas de “transformação”, tipo do filme onde o protagonista passará por situações que mudarão sua forma de enxergar a vida. No caso, isso realmente acontece quando ele encontra duas mulheres. Uma delas, Alex (Vera Farmiga, bonita, mas em uma atuação sem brilho especial e que me fez questionar o motivo de suas recentes indicações a prêmios como coadjuvante por este trabalho) é como uma versão de feminina de Ryan, enquanto Natalie (Anna Kendrick, esta sim com um ótimo desempenho) é uma novata na função, cheia de novas ideias como a de realizar as demissões por videoconferência, trazendo desta forma um grande corte em gastos com viagens.

Claro que não existe problema em se fazer um filme sobre as mudanças na personalidade de um personagem. Grandes e memoráveis clássicos do cinema tratam destas transformações, como é o caso de “...E o Vento Levou” ou mesmo “A Felicidade Não Se Compra”. E nesta linha, Reitman realiza um bom trabalho. As mudanças por que passa Bingham não soam artificiais e a competente atuação de Clooney (que fará as mulheres se derreterem ainda mais que de costume) nos fazem acreditar que elas já estavam de fato latentes no personagem, esperando apenas que algo as despertasse. A sua atitude perante Natalie parece ser a de um irmão mais velho que está ensinando para a caçula o caminho das pedras, talvez procurando compensar a ausência na vida de suas irmãs, especialmente daquela que está para casar (e, em uma certa sequência, percebemos o quanto ele se sente culpado pos esse distanciamento). Em verdade, pode-se afirmar que Ryan tem, tal como aqueles que dispensa de seus empregos, um grande medo de ser “demitido” e por isso evita estabelecer relações afetivas fortes e constantes. Claro, isso traz como conseqüência uma inevitável solidão, a qual ele procura esconder de si mesmo (e ministrar palestras dizendo exatamente o contrário é uma boa forma de convencer a si mesmo).

Entretanto, alguns problemas surgem no roteiro (escrito pelo próprio Reitman em parceria com Sheldon Turner, em adaptação do livro de Walter Kim) ao tentar estabelecer nuances cômicas em alguns momentos, ou seja, a leveza salientada acima que Reitman busca imprimir em temas mais sérios. Alguns destes momentos surgem forçados, colocados ali apenas como forma de “jogar para a galera” e garantir algumas risadas fáceis (a piada sobre masturbação ainda no início do filme é um bom exemplo). O riso não soa orgânico como em “Juno”, personagem naturalmente talhada para ótimas situações cômicas. Ademais, o desenrolar da narrativa acaba por trazer algumas incongruências, principalmente para a personagem de Vera Farmiga (e prefiro não comentar mais sobre este aspecto, sob pena de revelar spoilers gigantes). Talvez tenha faltado a mão de uma Diablo Cody (roteirista de “Juno”) para que tais falhas da narrativa fossem supridas ou, ao menos, minoradas. De qualquer forma, me pareceu estranho o prêmio de melhor roteiro no Globo Ouro em detrimento de “Bastardos Inglórios” (pelo menos não irão bater de frente no Oscar, já que um é adaptado e o outro é original). Por outro lado, a direção de Reitman continua segura, com um ritmo ditado por uma edição competente, além de sempre criar belas cenas pontuadas por canções pop perfeitamente adequadas.

Alguns podem apontar que o filme seria datado por ter como um dos seus motores a crise econômica que resultou em demissões em massa, o que logo o tornaria “envelhecido” em pouco tempo. Discordo deste posicionamento. “Amor Sem Escalas” (título em português infeliz, pois traz logo a impressão de tratar-se de uma comédia romântica) é, antes de tudo, uma obra sobre a solidão e incomunicabilidade dos dias de hoje. E, embora não atinja o mesmo padrão de qualidade de seu longa anterior, Reitman ainda assim nos entrega um bom filme que talvez faça você refletir sobre como está enxergando a sua própria vida. Para aqueles dispostos a mudar.


Cotação: * * * * (quatro estrelas)
Nota: 9,0.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Brasil fora do Oscar (mais uma vez)


Como era de se esperar, "Salve Geral" não impressionou ninguém e ficou fora da corrida ao Oscar 2010. Como faz todo ano, a Academia de Hollywood divulgou uma lista com 9 pré-selecionados para a disputa, dos quais sairão os 5 finalistas, e o medíocre longa brasileiro não está entre eles. O maior destaque na lista é "A Fita Branca", longa-metragem de Michael Haneke que já recebeu a Palma de Ouro em Cannes e o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. Os restantes você pode conferir abaixo (vejam que os nossos hermanos argentinos e peruanos estão com os seus candidatos no páreo):

* Argentina, El Secreto de Sus Ojos, Juan Jose Campanella
* Austrália, Samson & Delilah, Warwick Thornton
* Bulgária, The World Is Big and Salvation Lurks around the Corner, Stephan Komandarev
* França, Un Prophete, Jacques Audiard
* Alemanha, The White Ribbon, Michael Haneke
* Israel, Ajami, Scandar Copti e Yaron Shani
* Cazaquistão, Kelin, Ermek Tursunov
* Holanda, Winter in Wartime, Martin Koolhoven
* Peru, The Milk of Sorrow, Claudia Llosa

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Globo de Ouro 2010 consagra "Avatar"! (?)


A entrega da 67ª edição do Globo de Ouro, prêmio entregue pela Associação dos Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, teve ontem algumas surpresas. A maior delas, com certeza, foi a premiação de “Avatar” tanto na categoria de melhor filme em drama, como melhor diretor. Mas por que isso surpreende? Afinal, o longa de James Cameron não é o filme do momento, já ultrapassando a marca dos 1,4 bilhão de dólares em arrecadação, ainda com um ritmo que pode ameaçar a supremacia de “Titanic”? Ademais, o filme, apesar de alguns problemas de roteiro, não é bom? Tudo isso é verdade. Mas o fator surpresa se deve ao fato de que não era ele que vinha sendo premiado nas diversas prévias do Oscar que acontecem a partir do fim de dezembro. Salvo algum equívoco (afinal, pode haver algum prêmio do qual não tive conhecimento), este é o primeiro que “Avatar” leva, superando “Guerra ao Terror”, longa-metragem de Kathryn Bigelow (ex-esposa de Cameron), que vinha levando quase tudo até agora (só havia perdido em poucas ocasiões para “Amor Sem Escalas”, de Jason Reitman, que aqui levou o prêmio de melhor roteiro). No momento da entrega dos globos, era possível perceber o sorriso amarelo de Bigelow, principalmente na categoria melhor filme em drama. Possivelmente, ela começou a perceber que o momento de seu longa pode estar passando (que saiu da noite, por sinal, de mãos abanando) e que “Avatar” pode acabar faturando o Oscar, alavancado pela bilheteria gigantesca mencionada acima. Vale dizer ainda que o filme tem uma mensagem anti-colonialista e ecológica de fácil apreensão para as massas, o que pode agradar a Academia. Contudo, a entrega do prêmio de melhor diretor para Cameron é realmente justa. Afinal, ele trabalhou anos a fio para realizar o seu projeto, tido inicialmente como algo um tanto delirante. Mas é bom alertar que, já faz algum tempo, o Globo de Ouro não vem se mostrando uma prévia fiel dos resultados da Academia.

Outros momentos interessantes da noite:

- A entrega do prêmio Cecil B. DeMille para Martin Scorsese (aplaudido de pé, claro) pelo conjunto de sua obra, durante a qual foi exibido um clipe com imagens dos seus muitos ótimos filmes. Estavam lá “Taxi Driver”, “Touro Indomável”, “Alice Não Mora Mais Aqui”, “Os Infiltrados”, “Os Bons Companheiros”, entre outros, além de cenas de seu próximo longa-metragem, “Ilha do Medo”, a ser lançado e protagonizado por Leonardo Di Caprio, o qual, inclusive, fez a apresentação juntamente com Robert De Niro (como era de se esperar).


- As premiações de Meryl Streep e Sandra Bulock nas categorias de melhor atriz em comédia/musical e melhor atriz em drama, respectivamente. Decididamente, são as grandes concorrentes à estatueta da Academia e será difícil prever quem levará a melhor, já que ambas vivem grandes momentos em suas carreiras. Talvez a premiação do Sindicato dos Atores, no próximo sábado, possa nos dar um indicativo mais forte. De qualquer forma, Meryl foi muito feliz em lembrar que todos que ali estavam poderiam ajudar com quantias generosas àqueles vitimados pela tragédia que abalou o mundo nos últimos dias (Bullock já o fez, doando 1 milhão de dólares). Muitos dos presentes, inclusive, colocaram pequenas fitas no peito em apoio à vítimas do terremoto no Haiti.

- A entrega do prêmio de melhor ator em comédia/musical para Robert Downey Jr. por Sherlock Holmes. As atuações são o que, realmente, livram o filme da mesmice e é bom ver que um ator também pode ser reconhecido em trabalhos como o de “Sherlock”, tal como ano passado Heath Ledger levou o prêmio por “O Cavaleiro das Trevas”. Downey Jr., ademais, discursou com seu estilo cínico-divertido, afirmando que nem sabia o que falar, pois que tinham dito a ele que Matt Damon seria o premiado. O cinema precisa de astros assim.

- A surpresa de “Se Beber, Não Case” levando o prêmio como melhor filme em comédia ou musical. É verdade que o filme é pra lá de engraçado e foi um grande sucesso, mas ele tinha pouco jeito de premiado. Também foi interessante e engraçado ver Mike Tyson subindo ao palco com o restante do elenco.

- Os dois prêmios que “Crazy Heart” colocou na bagagem, derrubando até Sir Paul McCartney (que estava presente) na categoria de melhor canção. O filme levou ainda o prêmio de melhor ator em drama com Jeff Bridges (aplaudido de pé), que por sua vez já está se transformando no favorito ao Oscar.

- Christoph Waltz já se tornou a grande barbada para os Academy Awards na categoria de melhor ator coadjuvante. Ele está levando tudo e com inteira justiça por seu coronel Hans Landa em “Bastardos Inglórios”. Mo’nique, premiada como atriz coadjuvante por “Preciosa”, ganha força na corrida pelo careca dourado. E outra barbada é “Up” como melhor animação. Já está virando rotina. Sempre dá Pixar...

- Decote da noite: Halle Berry! Pena que ela não teve tanta exposição quanto a Kate Winslet no ano passado...

- Outro grande momento: a participação de Sophia Loren apresentando o prêmio de melhor filme estrangeiro (que foi para “A Fita Branca”, filme que já levou a Palma de Ouro em Cannes). Qualquer fã de cinema é fã também de Loren e não é à toa que ela foi aplaudida de pé.

Bom, é isso. Abaixo vocês conferem a lista completa dos premiados em cinema. E, mais uma vez repito, não me perguntem sobre TV, ok? Esse blog é sobre cinema! Procurem este espaço para informações sobre os premiados do SAG no próximo sábado. Até lá!

domingo, 17 de janeiro de 2010

Julie & Julia


Nem feminista, nem “de mulherzinha”: um filme feminino.


É muito provável que você já tenha assistido a um dos filmes da diretora Nora Ephron, uma das expoentes das comédias românticas que dominaram o fim dos anos 80 e os anos 90. Afinal, quem nunca viu “Harry & Sally” (que não foi dirigido por ela, mas teve o roteiro de sua autoria indicado ao Oscar), longa-metragem já clássico que catapultou Meg Ryan ao estrelato, ou ainda “Sintonia de Amor” e “Mensagem Para Você”, também estrelados por Meg ao lado do super-astro Tom Hanks? São familiares, não? Pois bem, com este “Julie & Julia”, Ephron provavelmente realiza seu melhor filme desde “Sintonia de Amor”, alcançando uma maturidade e equilíbrio talvez ainda inéditos em sua carreira.

Aqui, Ephron tira o foco das relações amorosas para estabelecer o paralelo entre as vidas de duas mulheres com muito em comum, embora vivam em épocas distintas. Uma delas é Julia Child (Meryl Streep), famosa cozinheira norte-americana que, por meio de um livro e um popular programa de TV, fez a classe média americana passar a ter interesses gastronômicos além de um mero hambúrguer, sorvete, enlatados ou tortas de maçã. Já Julie Powell (Amy Adams) era uma funcionária pública que tentou uma frustrada carreira como escritora, mas que tem a ideia de escrever um blog onde relata a missão que estabeleceu para si mesma de, em um prazo de 365 dias, levar a cabo 524 receitas da mestra Julia Child.

O mais interessante, como sempre, não está nas metas que ambas alcançaram, mas no caminho que levou a este sucesso. Tanto Julia quanto Julie são mulheres que encontram na gastronomia uma nova dimensão para suas vidas. Mesmo sendo bem casadas, com ótimos maridos, elas sentem falta de algo que constitua uma plena realização individual. Julia não teve filhos (já havia casado com quase 40 anos e isso provavelmente dificultou tal intento) e viu na culinária algo para tirá-la da trivialidade de uma vida confortável como esposa de um diplomata em Paris. Não que considerasse sua vida ruim, longe disso. Julia era uma mulher alegre e otimista, que via nas relações humanas também uma maneira de se realizar. Mas, como ela mesma afirmava, não sabia e nem queria ser uma inútil. Por seu turno, Julie exerce uma função pública desgastante, onde tem de ouvir as reclamações e mesmo desabafos dos cidadãos que ligam para um serviço de tele-atendimento. Ademais, vê-se fracassada por nunca conseguir terminar os seus projetos, especialmente o maior deles: escrever um livro. São duas mulheres que sabem a importância e o valor da vida familiar (no caso de Julie, ainda descobrindo e aprendendo a valorizar), mas que também carecem de realizações individuais mais plenas. São mulheres femininas que buscam maneiras de afirmação, mas sem hastearem bandeiras (talvez até mesmo sem se darem conta disso) e com seus exemplos trazendo muito mais benefícios do que discursos feministas-sexistas inflamados. Ademais, se o longa não tem ares feministas, ao mesmo tempo também não descamba para o “filme de mulherzinha”. Não há conto de fadas, apenas mulheres tentando dar um novo norte às suas vidas.

Ephron desenvolve muito bem esse paralelo através de recursos de edição e mesmo trilha sonora, estrutura que lembra muito “As Horas”, de Stephen Daldry (também com Meryl Streep no elenco). Sempre quando passamos de uma época para outra, temos uma mudança na trilha, fazendo com que o espectador perceba a transição não só através das imagens. O roteiro (escrito pela própria Nora Ephron, baseado nos livros “My Life In France” e “Julie e Julia”, ambos de Julia Child e Julie Powell, respectivamente) desenvolve-se com uma leveza perfeitamente adequada e eu me senti especialmente identificado com os momentos em que se mostra o nascimento do blog de Julie. É verdade que um comentário no blog já traz uma alegria para seu autor, principalmente quando esse comentário vem de alguém fora de seu círculo de amizades, pois dá logo a sensação de que o veículo está atingindo um certo “sucesso”...:=). Entretanto, a narrativa sofre pequenos deslizes ao tentar encaixar algumas tiradas de tons picantes que seriam mais adequadas a uma comédia romântica, talvez tiques de uma diretora extremamente acostumada a esse gênero.

Além disso, em uma obra com tais características, a participação dos atores se faz essencial e, possivelmente, talvez seja esta a maior razão do sucesso de “Julie & Julia”. Amy Adams está muito bem no papel da blogueira, sem excessos, sabendo em que momentos conferir uma maior carga de emoção à personagem. Enquanto isso, Meryl Streep consegue atingir um nível de entrega talvez ainda maior do que o habitual. Sua Julia está perfeita, com todas as nuances da “original”, ao mesmo tempo em que nunca aparenta artificialidade. Consegue, inclusive, interpretar o andar de uma pessoa bastante alta (como no caso de Julia), parecendo ter realmente 1,88m (ao contrário dos seus 1,68m verdadeiros) e não apenas por efeitos de câmera e saltos altos. Não é à toa que ela já vem amealhando prêmios por este trabalho e deve receber mais uma indicação ao Oscar (que será a décima...quanto? Já perdi as contas...). E se vier a ser oscarizada será com muito mérito.

Streep é uma daquelas atrizes que realmente devem inspirar milhões de jovens a seguirem esta carreira, da mesma forma que Julia inspirou Julie a desbravar novos caminhos na sua vida. Essa conexão que pode se estabelecer entre pessoas que nunca chegaram a se conhecer é outra vertente interessante do filme. Mesmo distantes e vivendo em épocas distintas, seres humanos podem ter os mesmo anseios e dificuldades, ou seja, nunca estamos sozinhos em nossas vicissitudes, havendo sempre alguém que já passou ou passa pelas mesmas dores. É provável que, ao término do longa, você tenha se identificado com algumas das situações mostradas. E isso, com certeza, já lhe fará sair satisfeito com o dinheiro empregado na sessão.


Cotação: * * * * (quatro estrelas)
Nota: 9,0

sábado, 16 de janeiro de 2010

Mais um beijo empolgado


A cerimônia do Critics’ Choice Awards, prêmio conferido pela Broadcast Film Critics Association (entidade que reúne críticos de cinema de 200 meios de comunicação da América do Norte, abrangendo TV, rádio e internet) aos melhores do ano, consagrou “Guerra ao Terror” como o melhor filme de 2009, assim como sua diretora (e ex-esposa de James Rei do Mundo Cameron), Kathryn Bigelow, como a grande diretora do ano. Entretanto, o momento de maior destaque da entrega de prêmios parece ter sido a efusiva comemoração de Meryl Streep e Sandra Bullock ao receberem as láureas pelo desempenho na categoria de melhor atriz (ambas venceram, em empate), como vocês podem ver na imagem acima. Os demais vencedores podem ser conferidos na lista abaixo, que tem ainda como destaque a premiação de Quentin Tarantino na categoria de melhor roteiro original por “Bastardos Inglórios”, filme que também venceu em ator coadjuvante (Christof Waltz, claro) e melhor elenco (categoria que não existe no Oscar). E neste domingo tem Globo de Ouro (23h, horário de Brasília).


Melhor filme: “Guerra ao Terror”
Melhor diretor: Kathryn Bigelow, por “Guerra ao Terror”
Melhor roteiro original: “Bastardos Inglórios”
Melhor roteiro adaptado: “Amor Sem Escalas"
Melhor ator: Jeff Bridges, por “Crazy Heart”
Melhor atriz: Meryl Streep, “Julie & Julia”, e Sandra Bullock, “The Blind Side”
Melhor ator coadjuvante: Christoph Waltz, por “Bastardos Inglórios”
Melhor atriz coadjuvante: Mo’Nique, por “Precious”
Melhor elenco: “Bastardos Inglórios”
Ator/atriz revelação: Saoirse Ronan, por “Um Olhar do Paraíso”
Melhor animação: “Up – Altas Aventuras”
Melhor filme de ação: “Avatar”
Melhor comédia: “Se Beber, Não Case”
Melhor documentário: “The Cove”, de Louie Psihoyos
Melhor direção de arte: “Avatar”
Melhor figurino: “A Jovem Victoria”
Efeitos especiais: “Avatar”
Melhor som: “Avatar”
Melhor trilha sonora: “Up - Altas Aventuras”

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Musas do Escurinho #12




Nas telas em "Sherlock Holmes", sempre considerei Rachel McAdams uma gatinha, de beleza clássica e romântica. Não é à toa que sempre pode ser encontrada protagonizando filmes como "Diário de Uma Paixão" e "Te Amarei Para Sempre"...

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Eric Rohmer: 1920-2010


Demorei para postar, mas não poderia deixar passar em branco. Faleceu nesta segunda-feira, dia 11, aos 89 anos, Eric Rohmer, um dos grandes da Nouvelle Vague, um daqueles oriundos do lendário periódico "Cahiers du Cinemá" (tal como Truffaut e Godard). Entre suas mais famosas obras estão "Minha Noite com Ela" e "O Raio Verde", além da famosa série dos contos das estações (primavera, verão, outono e inverno), filmada ao longo dos anos 90. E o cinema já começou 2010 ficando um pouco mais pobre...

Sherlock Holmes


Um novo super-herói


Desde já, advirto que nunca li qualquer obra de Arthur Conan Doyle, o que já faz perceber que não sou especialista no seu mais famoso personagem, o detetive Sherlock Holmes. A imagem que tenho do mesmo é aquela tradicional, do homem cerebral que fuma cachimbo, toca um violino Stradivarius e conta sempre com a ajuda do seu assistente Watson para resolver os mais enigmáticos mistérios, parceiro este para quem sempre profere a frase “elementar, meu caro Watson”. Portanto, dá para concluir que a ideia que sempre faço do famoso investigador é aquela perpetuada com a grife de Steven Spielberg (ele foi o produtor) em “O Enigma da Pirâmide”, divertida fantasia oitentista que tem o personagem ainda jovem como protagonista. Contudo, sei que Holmes possui outras características não muito mostradas ou exploradas comumente, características estas que lhe foram atribuídas pelo próprio Conan Doyle.

Alguns desses elementos foram utilizados pelo diretor Guy Ritchie nessa nova adaptação cinematográfica. Um exemplo é o fato de Holmes lutar (em uma forma primitiva de boxe). Todavia, alguns outros aspectos parecem jogados para lhe imprimir um caráter modernoso, apto a agradar o público atual. Holmes é, desta forma, quase transformado em uma espécie de super-herói, cujo poder especial seria o extremo raciocínio lógico. Tanto isso é verdade, que em determinada sequência ele utiliza este “poder” para vencer uma das tais lutas de que participa, ocorrendo tudo da forma como deduzira em poucos segundos. Adicione-se a isso o ritmo sempre acelerado de Ritchie e temos um Holmes que muitas vezes mais lembra um Jason Bourne misturado com “Homem de Ferro”. Ainda mais com a presença de Robert Downey Jr. no papel principal. Por sinal, o tal ritmo acelerado, característico desse diretor, mostra-se um tanto inadequado para uma trama cheia de minúcias e detalhes (como é peculiar nas tramas do detetive). A narrativa, por sinal, mostra Holmes buscando evitar que Sir Blackwood, um nobre integrante da Câmara dos Lordes, leve a efeito um plano para dominar a Inglaterra e, por conseguinte, boa parte do mundo através de expedientes de magia negra. Contudo, nem nos momentos “Scooby-Doo”, quando toda a trama vai sendo revelada em detalhes, conseguimos compreender bem o desenrolar dos acontecimentos. Não consegui, por exemplo, até o fim da trama, entender exatamente quais os objetivos da personagem de Rachel McAdams (lindinha como sempre), Irene Adler. Fica óbvio que ela é mais um dos elementos engendrados para agradar ao grande público, uma vez que funciona não só como uma antagonista cerebral de Sherlock, mas como o seu ponto fraco emocional (e o público feminino também precisa ser cativado).

Entretanto, algumas nuances contemporâneas foram muito bem-vindas. A relação entre Holmes e o Dr. Watson (Jude Law) está interessantíssima, sendo que este último está longe de ser apenas um “assistente” do detetive. As tiradas cômicas entre os dois estão ótimas e mostra-se que, antes de tudo, a amizade é o elemento que une fortemente aqueles homens, tudo isso tendo como alicerce (e como era de se esperar) as ótimas atuações de Downey Jr. e Law, os maiores sustentáculos do longa-metragem. Em outra vertente, as cenas de ação são muito bem realizadas, trazendo criatividade e momentos lúdicos que agradam em cheio ao grande público. A sequência no cais do porto, em que um navio é “atirado” em direção a Sherlock já está entre as melhores cenas de ação concebidas nos últimos anos. Ademais, outra virtude do longa é a sua reconstituição da era vitoriana, precisa, com uma direção de arte impecável.

O balanço final é de que temos um longa-metragem perfeitamente palatável para divertir o grande público, contando com um diretor de marcas próprias (mesmo que, como mencionado, talvez inadequado para este tipo de narrativa detetivesca) e atores de primeiro escalão que conferem uma veracidade inédita no cinema a estes personagens. Entretanto, aqueles mais afeitos à versão clássica de Sherlock irão torcer um pouco o nariz (como eu). Não sei se seriam necessárias tantas modificações para que o personagem pareça atualizado. Talvez o Holmes ideal seja uma mistura dessa nova versão com aquele citado acima de “O Enigma da Pirâmide”. Vá ao cinema e tire suas próprias conclusões.


Cotação: * * * (três estrelas)
Nota: 7,5

domingo, 10 de janeiro de 2010

"Avatar" já é a segunda maior bilheteria da história


E James Cameron é o "rei do mundo" duas vezes. Esta semana, com a bilheteria mundial atingindo a cifra de 1,21 bilhões de dólares, "Avatar" assumiu a segunda posição no ranking de maiores bilheterias de todos os tempos, ficando atrás, agora, apenas de "Titanic", também de Cameron, com seus quase insuperáveis US$ 1,84 bilhão. Nos EUA, o filme somou neste fim de semana mais US$ 48,5 milhões, chegando à quantia acumulada de US$ 429 milhões, o que já lhe valeu o posto de maior sucesso de 2009. Menos mal, pois título de maior de 2009 estava nas mãos do horrendo "Transformers 2". Ainda bem que, no fim, o mal sempre sucumbe...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Filmes Para Ver Antes de Morrer



Sonhos (Akira Kurosawa's Dreams)


As pinturas de Kurosawa

Eu costumo dizer que o tempo é o melhor crítico de arte que existe. Espero estar certo e ver algumas injustiças serem corrigidas e ter a satisfação de ver alguns filmes não muito lembrados serem devidamente valorizados. É o caso de “Sonhos”, obra do gênio Akira Kurosawa, que não costuma freqüentar listas de melhores de todos os tempos (foi esquecido até no popular livro “1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer"). Um fato bastante estranho, deveras. Um daqueles esquecimentos por parte dos críticos que incomodam e servem apenas para o público soltar frases como “críticos são muito chatos”, para não lembrar de adjetivos como “cretinos” ou “idiotas”.

Se você não conhece, Akira Kurosawa é o cineasta japonês que mais influência exerceu sobre o cinema ocidental. Autor de obras-primas como “Os Sete Samurais”, sua sombra é principalmente sentida nos diretores integrantes do movimento denominado “Nova Hollywood”, a geração sexo-drogas-rock’n roll que mudou a face do cinema americano a partir do fim da década de 60. Entre os declaradamente fãs do diretor japonês estão Steven Spielberg, Francis Ford Copolla, Martin Scorsese e George Lucas. Este último, inclusive, teve nos filmes de Kurosawa muito de sua inspiração para compor o universo da saga “Star Wars”. O genial cineasta, contudo, não é, até hoje, visto com muitos bons olhos em sua terra natal, onde é acusado de ser “ocidentalizado”, afirmação esta um tanto injusta. É verdade que Kurosawa trouxe para o cinema oriental elementos caros à produção ocidental, marcadamente a norte-americana. E isso se deve ao fato de que o mesmo era um grande admirador de diretores como John Ford (e quem não é?), com suas belíssimas e minuciosas composições imagéticas, com planos arrebatadores, onde aquilo que se mostrava na tela também traduzia o interior dos personagens. Entretanto, afirmar que isto é “ocidentalizar-se” é uma atitude um tanto obtusa. O amor de Kurosawa pelas imagens fortes e minuciosamente planejadas decorre, muito provavelmente, de seu enorme apreço pela pintura. É sabido que antes de decidir-se pela carreira do cinema, Kurosawa foi pintor, chegando a cogitar fortemente em seguir essa carreira. Ou seja, nada mais natural que procurasse colocar nas telas um pouco (ou muito) deste seu outro lado artístico. Além disso, a arte sempre será construída a partir de influências mútuas. Se Kurosawa soube aproveitar muito do cinema americano, este último, como dito acima, também soube aproveitar, posteriormente, muitas das lições do mestre japonês. Vaticinar que isso é “ocidentalizar-se” ou “orientalizar-se” soa provinciano e tacanho.

Uma das maiores provas de que Kurosawa soube utilizar muito bem os elementos do cinema ocidental, mas mostrando uma essência e conteúdo extremamente japoneses, é precisamente “Sonhos”. É bom, neste passo, lembrar que esse é um longa de 1990, um dos últimos na carreira do diretor, realizado a partir da ajuda dos citados cineastas estadunidenses. Durante um bom tempo, Kurosawa ficou relegado ao ostracismo, chegando a tentar o suicídio por não conseguir mais financiar os seus projetos. Mas, se, nesta fase, as imagens ganharam muito do cinema de Hollywood, com sua qualidade técnica impecável, a obra do velho diretor talvez tenha adquirido contornos ainda mais orientais. Os oito “sonhos” (supostamente baseados em sonhos do próprio cineasta) que compõem o longa-metragem, além de trazerem questões próprias ao diretor, abordam aspectos culturais profundamente japoneses, além de temores e valores típicos do povo da terra do sol nascente.

O próprio número de “sonhos” – na realidade verdadeiros contos independentes entre si – qual seja, oito, já traz um forte significado. Na cultura nipônica o oito (“hachi”) é o número da perfeição, representação da ligação entre as esferas espiritual e terrena. E vários são os aspectos caros aos japoneses representados ao longo de toda a projeção. O seu folclore é abordado, por exemplo, no primeiro sonho, onde um garoto é obrigado a deixar um punhal no fim do arco-íris para procurar acalmar a ira da raposa, animal que possui significados místicos na cultura local, sendo portadora de dotes ilusionistas e cujo acasalamento se dá, segundo a tradição nipônica, em dias em que chuva e sol se encontram. O horror nuclear, por sua vez, ganha representatividade no 6º e 7º sonhos, onde as conseqüências da radioatividade ganham cores vivas e fortes, com imagens possivelmente inspiradas em Dante e sua “Divina Comédia”. Da mesma forma, a comunhão e harmonia com a natureza ganham defesa no 2º e último contos, sendo este último, sobre a aldeia dos moinhos de água, onde um simpático velhinho de 103 anos ministra verdadeiras aulas de sabedoria, possivelmente a mais apaixonante das oito narrativas. Todavia, alguns irão se recordar com mais vivacidade ainda do sonho em que o protagonista conversa com o gênio Vincent Van Gogh (aqui interpretado por Martin Scorsese) para em seguida passear por entre várias de suas telas. É neste ponto de Kurosawa deixa falar mais alto o seu lado pintor, muito embora não se reduza apenas a ele. Uma das características mais marcantes do longa é sua paleta de cores fortes e vivas, de uma beleza memorável. Verdadeiras pinturas se sucedem a cada fotograma, gerando imagens que realmente impressionam (a fotografia, por sinal, acabou recebendo uma indicação ao Oscar).

Por outro lado, Kurosawa não se limita a estabelecer uma ligação entre o cinema e a pintura. O teatro é outra forma de arte que, com certa frequência, encontra eco em sua carreira (como em “Ran”, sua magistral obra-prima de 1985) e ela também se faz presente aqui. Trata-se do Nô, arte teatral característica do Japão, onde se misturam música, dança e poesia, rica em simbolismos. Para o público leigo, o Nô surge em tintas claras no segundo sonho, em que os espíritos da natureza realizam uma ritual para tentar fazer renascer um pomar de pessegueiros. Falando em música, a trilha sonora é baseada na música folclórica japonesa, o Min’yõ, com o uso de alaúdes, flautas, percussões e instrumentos de cordas típicos do Japão, soando de forma belíssima.

O resultado é um espetáculo impressionista ou mesmo surrealista, lembrando as origens artísticas de Kurosawa (pintura) e mostrando, de maneira vitoriosa, que a arte não tem pátria. Não existe arte “ocidental” ou “oriental”; o que existe são grandes artistas e artistas medíocres, provavelmente estes os criadores da falácia de o gênio fazia cinema para americanos assistirem, talvez com inveja do respeito que o mesmo adquiriu além dos limites do Japão. É interessante até mesmo observar que os cineastas ianques não têm qualquer vergonha em assumir e assimilar influências, enquanto os de outras nacionalidades parecem, muitas vezes, permeados de um provincianismo pouco produtivo. De qualquer forma, para você, fã de cinema, o que mais interessa não é essa discussão estéril, mas saber que “Sonhos” é um filme inesquecível, de beleza ímpar, o qual provavelmente permanecerá na sua mente durante um bom tempo. E também concordará que os críticos realmente se mostram muito azedos ao esquecê-lo entre os melhores filmes de Akira Kurosawa. Uma obra de arte para ser vista e revista.

Classificação e nota: Obra-prima.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sindicato dos Produtores - Indicados


Um dos grandes termômetros do Oscar (dos seus 4.200 membros, boa parte também vota na premiação da Academia), o Producers Guild of America, prêmio do sindicado de produtores de Hollywood, divulgou a lista de seus indicados à premiação em 2010.

Vale dizer que, neste caso, a afirmação de que esse prêmio é um "termômetro" tem cabimento. Em 13 dos seus 20 anos de existência, o melhor filme eleito pelo Sindicato dos Produtores foi o mesmo que levou o Oscar - inclusive no ano passado, quando "Quem Quer ser um Milionário?" foi eleito o melhor filme por ambos.

Os ganhadores serão anunciados em 24 de janeiro. Veja abaixo os indicados:

Melhor filme

Avatar
Distrito 9
Educação
Guerra ao Terror
Bastardos Inglórios
Invictus
Preciosa
Star Trek
Up - Altas Aventuras
Amor sem Escalas

Melhor animação

9 - A Salvação
Coraline e o Mundo Secreto
O Fantástico Sr. Raposo
A Princesa e o Sapo
Up - Altas Aventuras

Melhor documentário

Burma VJ
The Cove
Sergio
Soundtrack for a Revolution

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

"Avatar" atinge a marca do bilhão de dólares


"Avatar", cuja resenha você pode conferir mais abaixo, já rendeu mais de 1 bilhão de dólares nas bilheterias ao redor do mundo em apenas três finais de semana de exibição, um recorde para a indústria, tornando-se o quarto maior sucesso comercial do cinema em todos os tempos (já ultrapassou "O Cavaleiro das Trevas", que foi rebaixado ao quinto). Com uma arrecadação de 1,02 bilhão, ele agora só é superado por "Titanic", também de James Cameron (1,8 bilhão de dólares), "O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei" (1,12 bilhão) e "Piratas do Caribe 2 - O Baú da Morte" (1,07 bilhão). Nos EUA, tendo em vista a ausência de estreias, o filme emplacou mais 68 milhões de dólares neste fim de semana da virada, permanecendo na primeira posição. Já é quase certo que ele deverá ficar atrás apenas de "Titanic", fazendo com que Cameron, mais do que nunca, saia gritando que é o "rei do mundo". Ou melhor, agora, de dois mundos...

domingo, 3 de janeiro de 2010

Lula - O Filho do Brasil


Dona Lindu, uma brasileira


Ao observarmos o pôster promocional de “Lula – O Filho do Brasil” é possível perceber que a figura de Glória Pires, a qual interpreta Dona Lindu, mãe do atual presidente da República, domina a imagem, estando em maior destaque que o ator Ruy Ricardo, que interpreta, na fase adulta, o ex-retirante que alcançou o posto de mandatário máximo da Nação. Talvez inadvertidamente, o referido pôster acaba representando o resultado do longa-metragem dirigido por Fábio Barreto (atualmente hospitalizado após um grave acidente de carro). Parece que estamos a observar na tela não a história de Lula, mas a de sua genitora e de como esta, através de sua “teimosia”, conseguiu manter uma família mesmo diante das situações mais adversas e de como sua personalidade moldou a face do Lula que conhecemos hoje.

Talvez esta seja uma opção dos realizadores para afastar a acusação de que o longa, estreando em ano eleitoral, possua um caráter “eleitoreiro”. Como vocês que leem este texto devem saber, há meses a polêmica sobre este projeto foi instaurada pela oposição, tendo como alto-falante uma mídia ligada aos seus interesses, mas predominantemente destituída de bom-senso (chegando até ser capa de famosos periódicos semanais, numa espécie de publicidade involuntária). Realizado com financiamento inteiramente privado (alardeado logo no início da projeção, para evitar que o público venha a pensar de forma diferente), o roteiro não adentra na vida política de Lula, sequer mencionando a fundação do PT e apenas colocando em legendas a sua chegada à presidência. Esta atitude, por outro lado, levou muitos dos petistas e simpatizantes de esquerda a criticar o filme. Afinal, como poderia um longa-metragem sobre Lula não mencionar nada a respeito do partido que o próprio criou? Como dito acima, talvez isso seja o resultado da ideia dos realizadores de, no fundo, não contarem a história do presidente, mas de sua genitora. E a verdade é que a imagem e o carisma do presidente (com cerca de 80% de popularidade, segundo as últimas pesquisas) estão já há algum tempo desatreladas do partido que fundou. Aliás, ligar a imagem de Lula ao PT, neste momento, poderia até trazer um efeito anti-eleitoreiro, tendo em vista a imagem queimada do Partido dos Trabalhadores pós-escândalo do mensalão.

Assim, se você está na expectativa de assistir a um panorama completo da saga de um retirante nordestino até sua vitória máxima, devo dizer quê sairá frustrado(a) da sala de cinema. Mas, todavia, o maior demérito do longa de Fábio Barreto não se constitui nas referidas omissões, mas na forma um tanto canhestra com que desenvolve a narrativa. Com um roteiro baseado no livro homônimo, escrito por Denise Paraná (a partir de sua tese de doutorado), os altos e baixos da narrativa são tamanhos que provocam um distanciamento do espectador, algo que se torna um tanto estranho se pensarmos no conteúdo com potencial altamente emocional que é inerente a uma história como essa. Se compararmos a outro exemplo cinematográfico bastante próximo, está muito aquém da ligação estabelecida com o público por “2 Filhos de Francisco”, o qual se tornou um dos filmes de maior bilheteria no país desde a retomada e que também alcançou sucesso entre os críticos.

Tal distanciamento se deve bastante ao caráter episódico que domina o desenvolvimento do roteiro (adaptado pela própria Denise ao lado do diretor, além de Daniel Tendler e Fernando Bonassi). Passa-se rapidamente pela vida na família Silva no interior de Pernambuco, na seca que flagela, mas que o longa está longe de mostrar sua real dimensão, limitando-se ao lugar-comum de imagens de gado morto e vegetação ressecada. Com a mudança para Santos, o caráter ameno das vicissitudes dos protagonistas continua, aqui se resumindo a mostrar a estupidez e alcoolismo de Aristides, pai de Lula, mas maquiando a situação de miséria em que viviam. Até mesmo a sequência da inundação que leva a família a perder tudo e que foi uma das mais caras deste projeto que custou ao todo R$ 16 milhões (o mais caro filme brasileiro até hoje produzido), é mostrada de forma repentina e sem muito impacto, possuindo, ademais, uma curta duração. Além disso, há uma descuido da produção com relação à ambientação e mesmo trilhas utilizadas em certos momentos da projeção. Ouvir um certo sucesso de Tim Maia em um baile ainda nos anos 60 é imperdoável, um anacronismo que vai chamar a atenção de muitos dos presentes. Além disso, alguns vão lembrar de alguns fatos omitidos, como a primeira filha, nascida de seu relacionamento com Miriam Cordeiro, tendo deixado esta com 6 meses de gravidez, fatos estes que os realizadores procuraram evitar para diminuir o “peso” do longa.

Contudo, nem tudo é fracasso no longa. O relacionamento de Lula com suas duas esposas é sempre bem desenvolvido (afinal, é necessário agradar o público acostumado com novelas). Um dos melhores momentos, inclusive (e este é um dos poucos que realmente surgem comoventes), mostra o falecimento de sua primeira mulher, Jennifer (Cleo Pires), durante o parto, quando o bebê também morreu. Outro momento muito bem dirigido e recriado é o famoso discurso de Lula no estádio da Vila Euclides, onde cerca de 100.000 metalúrgicos presentes repassavam uns aos outros suas palavras, para que todos ouvissem, devido à ausência de sistema de som. Aliás, algumas das cenas de discurso só não são melhores devido à limitação do ator Ruy Ricardo, fraco na caracterização do líder, chegando a mudar a voz do personagem no decorrer da projeção. A princípio com uma interpretação mais natural, de repente ele começa a imitar a voz de Lula, com sua língua presa peculiar, trazendo um resultado muito mais cômico do que realista. Porém, Glória Pires, como de costume, realiza mais uma interpretação competente, o que reforça ainda mais a afirmação de que este acaba sendo um filme sobre Dona Lindu. Não é à toa que o filme termina com sua morte e a afirmação de que Lula, no seu discurso de posse, prestou os maiores agradecimentos à sua mãe. Ou será que Fábio Barreto pretendeu realizar um estudo sobre o complexo de Édipo ao narrar a história desta família Silva? Ou, ainda, mostrar a história de uma família brasileira, como afirmou em algumas entrevistas? Pode ser qualquer uma das hipóteses. A menos provável é a de que ele quis realizar uma obra sobre Lula.

Obs. Afirmar que um filme vai influenciar em uma eleição no Brasil é um tanto ingênuo. Esse filme deve ser visto, numa boa perspectiva, por cerca de 5 milhões de pessoas, boa parte delas já simpatizantes do presidente e, mesmo que outras tantas não o sejam, trata-se de uma parcela do eleitorado menos sujeito a influências (muito embora uma boa parcela se deixe influenciar por publicações duvidosas). É bom lembrar que o Brasil conta com cerca de 130 milhões de eleitores. Como diz uma certa canção da Legião Urbana, há pessoas que “falam demais por não ter nada a dizer”.

Cotação: * * ½ (duas estrelas e meia)
Nota: 6,5